O CASTELO DE SÃO SEBASTIÃO
DE ANGRA DO
HEROÍSMO
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Castelo de São Sebastião (Castelinho) |
A pirataria aparece nos mares dos
Açores logo nas primeiras décadas do século XVI, mas só pelos anos cinquenta
surgiu fundado receio de que as acções de pilhagem pudessem atingir o próprio
porto de Angra, na Ilha Terceira, então escala obrigatória nas viagens de
retorno das Índias.
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1881 - Planta do Castelinho (Damião Pego) |
Simultaneamente com o artilhamento do
Castelo de São Cristóvão (Memória), manifestamente inócuo na perspectiva
defensiva da baía, Tomasso Benadetto, de Pesaro, traça, em 1567, o plano
defensivo da ilha Terceira, nomeadamente da nóvel cidade de Angra. Peça
fundamental desse plano, foi o Castelo de São Sebastião, vulgo Castelinho, cuja
construção se terá iniciado em 1572, mas cujas obras já estariam
suficientemente adiantadas em 1576 para ser-lhe atribuída alcaidaria.
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Séc. XIX - Castelinho |
Torna-se
o Castelo de São Sebastião, a partir dessa data, não apenas num reforço
substancial do sistema defensivo anterior, mas no garante efectivo da segurança
do porto oceânico de escala obrigatória das rotas marítimas intercontinentais.
Graças a ele, a cidade pôde desenvolver-se e prosperar. Defesa tão eficaz que
afasta a esquadra de D. Pedro de Valdez, em 1581, levando-o ao malogrado
desembarque na Salga. Em 1582, chegado vencedor da batalha naval de Vila Franca
do Campo contra a esquadra francesa enviada aos Açores em apoio da causa do
Prior do Crato, o Marquês de Santa Cruz, ao serviço de Filipe II de Espanha,
Filipe I de Portugal, não se atreve a acometer a cidade (nem a Ilha); e, no ano
seguinte, é na baía das Mós que desembarca vitorioso, entrando em Angra pelo
portão de São Bento, vedado que lhe fora o acesso por mar, pelo poder de fogo
do Castelo de São Sebastião -agora já secundado pelo forte de Santo António que
Ciprião de Figueiredo mandara construir na ponta sudeste do Monte Brasil -.E no
Castelo de São Sebastião receberá a rendição formal das tropas francesas.
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Séc. XX - Castelinho |
Já
sob o governo de espanhol João de Horbina, em 1589, o corsário inglês Francis
Drake -ascendido a sir pelas suas vitórias contra o império de Filipe
II, nomeadamente, sobre a Armada Invencível -vê frustrada a sua tentativa de
saquear os navios carregados de importantes drogas, vindas das possessões
ultramarinas surtos no porto de Angra, face à ameaça que o Castelo de São
Sebastião representava. Em 1597, idêntico episódio acontece com o conde de
Essex que sulca as nossas águas com cerca de 140 velas, e que impusera pesado
saque à ilha do Faial.
O estabelecimento em Angra de uma
guarnição espanhola se, como se vê, concitou maiores perigos para a cidade,
reforçou, também, o valor estratégico da sua fortaleza. Logo nesse mesmo ano de
1583 se iniciam obras de melhoramento na Castelo de São Sebastião, com especial
destaque para algumas instalações para homens e materiais, e para o reforço da
frente voltada a terra onde a muralha era baixa e desprovida de qualquer
sistema protector. Com efeito, a construção do Castelo de São Filipe do Monte
Brasil nasce, essencialmente, da incapacidade fisica do Castelinho, desde o
início vocacionado para a defesa marítima, de albergar e proteger os homens e
os armamentos que o rei de Espanha queria colocar estrategicamente a meio
caminho entre a Europa e as Américas. Mas a defesa específica do porto de
Angra, essa continua confiada ao Castelo de São Sebastião, tal como reconhece
um século depois o Padre Maldonado: este castelo é de notável importância, e
tanto que dele depende a segurança da cidade enquanto ao mar. E como
confirmam os acontecimentos ocorridos e 1641 e 1642. Perante os fundados
receios de que, da parte dos terceirenses, pudesse vir um movimento restaurador
com o consequente ataque ao Castelo de São Filipe, o governador espanhol
diligenciou para que o Castelo de São Sebastião fosse demolido. Por temer que
daí fosse atacado o Castelo de São Filipe? A questão estava - foi - no controlo
do porto de Angra. Primeiro, o curioso episódio da conquista do Castelinho pela
companhia e pelas mulheres da Ribeirinha, com a ajudinha traiçoeira do
artilheiro português ao serviço dos espanhóis, Caldeirão. Depois, as tentativas
frustradas do governador estrangeiro, D. Álvaro de Viveiros, para enviar ao seu
rei pedido de auxílio a partir do porto de Angra, e o desembarque aqui negado a
reforços espanhóis, vindos em apoio dos citiados no Castelo de São Filipe. Com
o Castelo de São Sebastião no centro de tudo isso!
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Século XIX - Planta do Castelinho |
A partir daí o Castelinho entra em
declínio? Seguramente, não! (Ou tão só na medida em que o porto de Angra perde
importância estratégica.) No reinado de D. Pedro II, em 1698, importantes obras
são efectuadas na Castelo de São Sebastião. Tão importantes que na lápide
evocativa dessas obras, colocada sobre o portão, é usado o termo reedificaram.
Em 1767, João Júdice, na revista que
fez a todos os fortes da ilha, regista alguma ruína na fortaleza, não mais do
que no Castelo de São João Baptista. É o reflexo do abandono a que a defesa
militar dos Açores fora votada há muitas décadas. Como naquela data regista
João Júdice, a artilharia que então por cá existia era exactamente a mesma e
apenas a que os espanhóis haviam deixado em 1641. A guarnição do Castelo de
São Sebastião era, então, dada pelo Castelo de São João Baptista, sob o comando
de um capitão. Isto é, continuava a ter guarnição permanente. E o cargo de
Capitão do Castelo era disputado, movendo influências na corte. Por este tempo
o Castelo de São Sebastião terá sido objecto dos necessários melhoramentos, tal
como parte da restante fortificação da ilha.
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Séc. XX - Castelinho (Tourada no Porto de Pipas) |
No final do século, a partir de 1797, é
grande o temor de que os Açores possam ser atacados pelas tropas francesas.
Numa situação de penúria extrema de armas e munições, o armamento do Castelo de
São Sebastião sempre esteve nas preocupações dos responsáveis pela defesa da
ilha. Ele continuava imprescindível para a defesa da cidade. Como
imprescindível se mantinha em 1822, a crer na planta do sistema defensivo da
baía de Angra, desenhada por José Carlos de Figueiredo.
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Castelinho (Vista aérea) |
Extraordinária relevância foi dada
pelos liberais no sistema defensivo mantido para contrariar qualquer tentativa
de desembarque das forças absolutistas (1828-1832).
Foram executadas
importantes obras na frente voltada ao mar com a construção da bateria da
heroicidade; o Castelo teve governador próprio.
Com a saída das tropas liberais,
ter-se-á dado início a um processo de degradação da fortaleza. Pelos anos
cinquenta são propostas obras de restauro, mas uma relação de 1862 já o dá em
bom estado de conservação, o que significa que ainda valia como posição
estratégica a contar na defesa do porto de Angra. E um relatório do Corpo de
Engenharia, datado de 1868, informa que ele estava guarnecido, tal como o
Castelo de São João Baptista, de que dependeria.
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Castelinho (ao fundo) |
lnsubstituível na defesa da baía de
Angra durante três séculos, agente do desenvolvimento da cidade cosmopolita, o
Castelinho foi, entretanto, testemunha e espaço de muitos episódios da vida
social e política local e regional, servindo, nomeadamente de prisão a
perseguidos pela justiça ou pelos poderes públicos, e de depósito de recrutas
vindos das diversas ilhas do Arquipélago nas frequentes levas, nomeadamente, do
século XVIII, enquanto aguardavam embarque para o Reino, para o Brasil ou para
outras paragens lusas.
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Castelinho - Portão de Armas |
Quando em 1885 grassou em Espanha uma
epidemia de cho/era morbus e se receou, com justos motivos, que ela
invadisse Portugal e pudesse chegar aos Açores, o Governo Civil do Distrito de
Angra do Heroísmo pediu ao Ministério do Reino que obtivesse do Ministério da
Guerra autorização para construir, no Castelo de São Sebastião, um lazareto, a
fim de ali serem tratados, vigiados e saneados todos os indivíduos que
chegassem à Ilha, vindos de portos suspeitos de tal epidemia. Não havendo
razões que contrariassem esta pretensão, face ao clima de segurança militar que
então se vivia no Arquipélago, foi ela satisfeita, e instalado o lazareto no
terrapleno baixo -Bateria da Heroicidade -, com trânsito directo para o Porto
das Pipas por uma pequena porta aberta na muralha.
Um relatório de 1887 regista o mau
estado de conservação da fortaleza, propondo e seu encascamento e a reposição de
pedras em falta nas raízes das muralhas.
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1942 - Carta censurada e perfurada (para ser desinfectada)
expedida de Londres para Angra |
Nos primeiros anos do passado século, a
Junta Geral do Distrito de Angra do Heroísmo satisfazendo a uma necessidade
há muito reclamada pelos povos deste distrito encomendou um projecto (1902)
e deu início à construção (1904) de um Posto de Desinfecção Terrestre e
Marítimo no Castelo de São Sebastião.
A localização deste posto no Castelinho
foi bem escolhida. Destinado à desinfecção de pessoas, roupas, bagagens e
mercadorias que por mar chegassem, ficava mesmo ali à mão, à saída do cais do
Porto das Pipas; mas concebido, também, para responder ao frequente
aparecimento e desenvolvimento na Terceira de doenças de carácter
classificado de epidémico, tais como febre tifóide, meningite cérebro-espinal,
difterias, varíola, tuberculose, escarlatina, carbúnculo, sarampo, situava-se
à distância de isolamento necessária, relativamente ao aglomerado urbano de
então.
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Castelinho - Brasão de Armas |
Não foram, porém, pacíficas estas
obras. Do projecto constava o rasgamento da muralha a Oeste, para acesso ao
interior do forte, o que levou o Exército a pedir o embargo das obras.
Reconhecendo que o Posto de Desinfecção era indispensável para a cidade e que o
forte era o local adequado para a sua instalação enquanto razões de ordem
defensiva não se sobrepusessem, o Exército opôs-se a alterações na estrutura
arquitectónica, pelo seu grande valor como monumento histórico, valor este
proveniente da sua antiguidade e dos feitos heroicos que a ele estão ligados.
De
forma diversa se pronunciou o Presidente da Junta Geral de Angra do Heroísmo
para quem o Castelo de São Sebastião [...] Como monumento histórico
ou de arte é também de pouco valor, pois não possue obras de arquitectura que o
recomendem, nem a ele se acham ligados factos da nossa história militar ou
política que lho avolumem. E para acabar com as disputas, propunha a
cedência definitiva da propriedade à Junta Geral.
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Castelinho - Ponte sobre o fosso (Acesso) |
A postura esclarecida e o prestígio do
Exército venceram, e, por auto de cedência precária, de 10 de Julho de 1905, o
Castelinho foi entregue à Junta Geral para conclusão das infraestruturas do
Posto de Desinfecção, obras a todo o tempo removíveis, com reserva absoluta de intervenção nas muralhas ou
outras obras defensivas sem prévia autorização do Exército.
Só em 1935 o castelo de São Sebastião
voltou à posse do Exército.
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Castelinho - Vigia |
Por entretanto o Posto de Desinfecção ter sido
transferido para outro local da cidade? Por necessidade de instalações do
Exército na previsão de novo conflito armado? O estado lamentável em que se
encontravam as instalações do Posto de Desinfecção, paralelamente com a
construção de novas instalações algures na cidade sugere que, se tratou da
dispensa do Castelo para esse fim, por falta de condições. Não só, aliás, as
instalações do Posto de Desinfecção estavam degradadas, mas toda a estrutura defensiva
se encontrava profundamente arruinada, passado que fora mais de meio século sem
que obras de manutenção fossem feitas.
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Castelinho - Vista sobre os ilhéus |
Veio o Castelo de São Sebastião a
acolher, sucessivamente, a Bateria de Artilharia de Defesa Móvel de Costa n.O
2, Depósito de Presos da Polícia de Vigilância e Defesa do Estado, Quartel das
Forças Britânicas, 3.0 BE do GACA n.o 1 da Base Aérea n.o 4, Serviço de Obras
de Engenharia do Comando Militar da Terceira, e Capitania do Porto de Angra do
Heroísmo, ocupante até há pouco.
Para além do Castelo de São Sebastião
ter sido uma presença constante e interveniente em mais de quatro séculos de
vida de Angra do Heroísmo, importante é, também, no plano arquitectónico, pela
sua tipologia.
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Castelinho - Bateria baixa |
De que há conhecimento, a primeira
fortificação erguida em Angra (e nos Açores), data da segunda metade do século
XV: o Castelo dos Moinhos ou de São Cristóvão.
Necessariamente ainda de
concepção medieval, pouco conhecemos da sua arquitectura, por falta de
representações iconográficas credíveis. Dos pequenos fortes que se lhe seguiram
no perímetro da baía de Angra, também pouco sabemos, embora, aqui, estejamos em
crer que as construções já seriam muito mais adequadas às necessidades
defensivas contra o poder de fogo da artilharia dos navios hostis. Mas é com a
construção do Castelo de São Sebastião que Angra é dotada de uma moderna
fortificação, à altura das necessidades defensivas de uma cidade que passara a
estar na confluência das grandes rotas marítimas intercontinentais. Para o
projectar, veio a Angra, como se disse, Tomaso Benedetto, engenheiro italiano,
da pátria de Leonardo da Vinci e dos mestres construtores de fortificações no
século XVI, nomeadamente Tiburcio Spanochi, o projectista do Castelo de São
João Baptista do Monte Brasil.
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1941 - Cartografia da Baía de Angra |
As muralhas perdem a altura do castelo medieval
e ganham a robustez necessária para contrariar o poder destrutivo da
artilharia; as torres dão lugar a dois baluartes virados a terra,
desenvolvendo-se duas ordens de baterias para o lado do mar. O interior é
espaçoso, nele se erguendo até inícios do século passado, praticamente apenas a
casa do Governador e a cisterna; ficando os alojamentos para o ajudante e a
guarnição adossados aos baluartes; os próprios paios abriam-se sob o terrapleno
dos baluartes.
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1870 - Cartografia de Angra |
Com objectivos exclusivamente estratégicos, quanto menos
edificios comportasse, menor seria, logicamente, a destruição, em caso de
ataque. Para além de ter sido concebido para ser guarnecido por ordenanças,
gente do povo, com suas casas e família na cidade, que apenas ali permanecia o
tempo necessário para prestar serviço. Um exemplar de excepção, pela tipologia
e pelas ressonâncias históricas e sociais, do primeiro abaluartado nacional e
da fortificação defensiva destas Ilhas.
Obras empreendidas pelos Monumentos
Nacionais em meados dos anos noventa últimos, vieram reabilitar a antigo casa
do governador e, parcialmente, o quartel do ajudante e caserna das praças. Por
outras palavras, foram criadas as condições que permitiam o alojamento da
Marinha nos edificios tradicionais do forte, e a remoção das construções
recentes, sem qualidade estética, e perturbadores da harmonia arquitectónica e
funcional do sistema defensivo. O Castelinho podia assumir plenamente a sua
natural função cultural e pedagógica. Só que, pela mão do Governo da Região
Autónoma dos Açores e da Câmara Municipal de Angra do Heroísmo, no interior é
construída uma Pousada de Portugal, ficando do sistema defensivo do mais antigo edifício da cidade património mundial, referência monumental estruturante no processo
da sua inclusão na lista de classificação da UNESCO, apenas as muralhas e os
modestos alojamentos castrenses, transformados em mais valia ornamental do
empreendimento turístico.
Texto de : Manuel Faria
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