Desenho do artista terceirense Emanuel Félix (21-NOV-2021) |
1492
O HOSPITAL DOS DESCOBRIMENTOS
O HOSPITAL DOS DESCOBRIMENTOS
I
OMBRO A OMBRO COM A HISTORIA
Século XVIII - Igreja da Misericórdia |
A expansão ultramarina portuguesa, iniciada com a conquista de Ceuta, abriu a era das descobertas com a chegada ao Porto Santo, em 1417. Em 1512, António de Abreu chegava às Molucas e ao Pacífico, roçando a Austrália (1) e atingindo partes que Fernão de Magalhães alcançaria em 1522 pelo hemisfério espanhol. O Tratado de Saragoça (1529), deslocando 17 graus para Leste o meridiano de Tordesilhas, completava o abraço que os povos ibéricos deram à volta do mundo.
António de Abreu, no seu regresso a Portugal, veio morrer aqui nos Açores, e quem sabe se teria sido um dos moribundos acolhidos no Hospital do Santo Espírito, fundado duas décadas atrás.
É que – assim nos vamos distraindo de marcos da nossa História – foi no
mesmo ano em que Colombo atingiu as Caraíbas, e até uns meses antes dessa viagem,
que se instituiu, na que então era a vila de Angra, um hospital sob a invocação
do Espírito Santo.
Passaram já mais de 500 anos sobre esta instituição. E é a comemoração deste acontecimento notável que nos reúne agora aqui.
Passaram já mais de 500 anos sobre esta instituição. E é a comemoração deste acontecimento notável que nos reúne agora aqui.
O texto que se conhece como carta da fundação do hospital foi divulgado
há mais de 20 anos pela mesa da Santa Casa da Misericórdia de Angra, segundo a leitura
dele feita por João Afonso, membro dela e do Instituto Histórica da Ilha
Terceira. É o seguinte :
«Anno do nascimtº de nosso Sor. Jesu Christo de mil, e quatro centos, e noventa e dous annos, aos quinze dias do mes demarço da ditta era em ailha Terçeira na villa dangra dentro em a caza de Santo espirito daditta vila estando o Sr joão Vaaz corte real capitão, e João Borges cavaleiro da caza DelRei nosso Snr., e João de laguos Juiz doditto hospital, e Afonso Annes da Costa, e João de lameguo mordomo da ditta confraria e assi os confrades da ditta confª, que forão todos chamados á campa tangida, e com elles Vasco Fz escudeiro delRei nosso Snr. que ora tem carreguo de provedor das capellas, e hospitaes, & Alberguarias em todas hestas ilhas dos assores. E loguo por todos os sobredittos juntam.te foi ditto que por serviço de Deus e louivor do espirito santo em hesta villa se ordenara de se fazer heste hospital, E porquanto pª semelhantes hospitaes e couzas que dão agrado e serviço de Deus era mtº necessario todallas couzas suas andarem por regra, e ordenança em guiza que tudo viesse a boa arrecadação e nosso S.or for servido, e as almas delles todos que esta obra comessarão, e fazem e ordinario fazerem sejão satisfeitos e comprido pª sempre o que elles; e cada hu Delles mandão fazer nos encargos, comque dão suas fazendas pª o ditto hospital forem compridos, e andar todo emverdadeira ordem : assi o que aguora he aoprezente, como o que depois usar em tal guiza que toda seja a serviço de deus como ditto he : Disserão que era necessario fazer-se entre elles hu compromisso da ordem, e maneira, que se em o ditto hospital ha-de estar para sempre : e assi hu livro de tombo, em que todalas couzas hajão de ser muito declaradam.te, e os sobredittos todos fizerão, e ordenarão heste compromisso nesta maneira, que sesegue.(...)» (2)
O Hospital começou, pois, como obra da irmandade do Espírito Santo. Só
mais tarde – bastante mais tarde, diga-se – se juntou com a «Casa da Santa Misericórdia».
Foi em 1556, e o acordo sobre este ajuntamento
também faz parte daqueles documentos publicados em 1970 : são agora os
«capitolos, que sefizerão pª o ajuntam.to das cazas do hospital, e misa. desta
cidade de Angra dailha terceira» «aos doze de abril de mil, e quinhentos,
sincoenta, e seis annos». Incluem minuciosas reservas, conservatórias dos
antigos direitos da irmandade do Hospital, agora absorvida pela Misericórdia,
de protecção real. Essas cautelas e ressalvas não vão ser agora aqui expostas,
por falta de tempo, e só mais adiante se referirá um aspecto delas. Mas
sente-se que houve uma conquista – um pouco como a sucessão filipina na coroa
portuguesa e as garantias prestadas pelo rei espanhol nas Cortes de Tomar.
Rua Direita em Angra do Heroísmo (ao fundo a Igreja da Misericórdia) |
2. Por
isso, a igreja do Hospital é conhecida como a igreja da Misericórdia. E
provavelmente foi a Misericórdia que a construiu – e não só esta, em que
estamos, mas a primitiva, que se implantava aqui também. A igreja actual, hoje
a findar a sua reconstrução, é uma das mais modernas da cidade de Angra. Data
do século XVIII e a sua traça interior assemelha-se aos vários templos de uma
só nave e da mesma época que se encontram, por exemplo, na cidade de Lisboa. A
igreja primitiva seria, provavelmente, já do século XVI. É certo que o segundo
documento publicado pela mesa da Misericórdia em 1970 e que é de 1497 tem uma
epígrafe que refere, como se fosse um título : «Seguemse os Assentos.e Acordos
sobre as missas do hospital e confraria do Spirito Santo. E das mais couzas
dellas pertencentes. E à igreja do Spirito Santo e Caza do hospltal. que se
diga missa todas as quintas feiras do anno em louvor do Spirito Santo». Mas
esta epígrafe não é o documento de 1497 o qual, após nomear os confrades
presentes, se limita a dizer que «assentarão, que se digua missa do spirito
santo todas as quintas feiras de cada hu ano por louvor do Spirito Santo». É,
por isto e à falta de outros elementos, mais presumível que a missa das quintas
feiras fosse celebrada em uma capela do
próprio hospital e não ainda na igreja que António Cordeiro nos descreve no roteiro
da cidade de Angra: «Tem mais a dita cidade, ao entrar do porto, pela famosa
Rua Direita, e à mão direita também, a Real Misericórdia com o seu Hospital
anexo, e tudo primo fundado por el
Rei, e aumentado depois por várias pessoas; é igreja que corre com a rua, sem
se afastar da direitura da casaria, e por isso muito larga, de três naves e
três como altares mores, e outros vários à roda, e menos funda do que pedia a
largura, por lhe correr por detrás a rua de Santo Espírito; mas ainda assim
tem todas as casas e repartições que costuma ter uma nobre Misericórdia; e logo
na rua de Santo Espírito tem seu Real Hospital, e com mais largueza para trás
(...) e tem a Misericórdia tantos capelães com seus ordenados, que celebram
cada dia os ofícios divinos em seu coro juntos» (3).
1903 - Igreja da Misericórdia |
O que resta desta primeira igreja?
As obras de consolidação e restauro da actual revelaram o que parecem ser
os caboucos da igreja anterior, efectivamente voltada à Rua Direita, larga e
curta. Esses caboucos podem visitar-se, pois se lhes tem acesso por debaixo do
sobrado da igreja agora restaurada. Vêem-se restos mortais de gente que foi
enterrada nessa primeira igreja. E sentimo-nos tentados a supor que as duas
capelas que se projectam sobre a Rua do Santo Espírito possam corresponder a
dois daqueles «como altares mores» que António Cordeiro registou.
O hospital, «anexo», como reza a descrição, ficava do outro lado da Rua, mas ligava-se à igreja por uma passagem coberta que atravessava a mesma rua, como um arco. Linschöten desenhou assim o Sprital na sua carta de Angra, de 1595.
O hospital, «anexo», como reza a descrição, ficava do outro lado da Rua, mas ligava-se à igreja por uma passagem coberta que atravessava a mesma rua, como um arco. Linschöten desenhou assim o Sprital na sua carta de Angra, de 1595.
II
OS
AÇORES NOS DESCOBRIMENTOS
Brasão de Armas Real |
Gaspar Frutuoso, nas páginas que dedica a este homem – e em que, até pelo modo como o conta («alguns querem dizer», «dizem também») aparece a lenda e a confusão entre João Vaz e o seu próprio pai, Vasqueanes Corte-Real (4) é peremptório numa coisa : «Estando (a ilha Terceira) sem capitão, vieram Ter a ela dois homens fidalgos, por nome um deles João Vaz Corte Real e outro Álvaro Martins Homem, os quais vinham da Terra do Bacalhau que, por mandado de el-rei, foram descobrir e (...) a pediram de mercê por seus serviços à infanta D. Beatriz (...) a qual lhes fez mercê dela, e ambos a partiram pelo meio, e lograram, e possuíram seus descendentes (...)» (5).
Álvaro Martins Homem |
Que significado teria a «descoberta» da Terra do Bacalhau, para tornar
esses dois homens merecedores do prémio de uma capitania para cada um, com todos
os seus poderes senhoriais?
4. Os
historiadores contemporâneos, retomando a etimologia correcta, alargaram o
conceito do adjectivo «Mediterrâneo» – inicialmente aplicado àquele mar
interior, fechado entre a Europa do Sul, a África do Norte e a Ásia Ocidental –
à qualificação de outros mares entre outras terras que por via deles se
relacionavam. É assim que se fala do «Mediterrâneo Nórdico» (o Mar do Norte com
o Báltico) e do «Mediterrâneo Gaélico» (6).
Este último, cuja vida se anima
durante a Idade Média, é um espaço marítimo que se estende da Península
Ibérica à Escócia, pelo Golfo da Biscaia e o Mar da Irlanda. Ao longo deste
espaço – que, nas terras circundantes, se traduz na presença de povos com raiz
céltica – se desenvolveu, durante a primeira Dinastia portuguesa, boa parte
das relações externas de Portugal.
João Vaz Corte Real |
A sua longa costa tinha muitos portos e ancoradouros e do mar vieram importantes e decisivas ajudas para as conquistas dos primeiros réis.
No tempo de D. Dinis, pescadores portugueses iam já pescar a águas inglesas, e os salvo-condutos de 1294, confirmados em 1308, bem como a criação de uma bolsa de comércio na Flandres, atestam a intensidade destas relações (7).
Tais relações estreitam-se com a Inglaterra e a Flandres em termos políticos durante a guerra dos 100 anos, que se estendeu de 1337 a 1453, definindo uma linha de alianças que, de alguma maneira, apartou a um lado a Europa continental e, a outro, as (futuras) potências marítimas, marginais do solo europeu e dele excluídas pela própria natureza das coisas. Vale a pena rememorar isto mesmo agora, com as clivagens que se vão desenhando relativamente à ainda problemática união europeia.
No tempo de D. Dinis, pescadores portugueses iam já pescar a águas inglesas, e os salvo-condutos de 1294, confirmados em 1308, bem como a criação de uma bolsa de comércio na Flandres, atestam a intensidade destas relações (7).
Tais relações estreitam-se com a Inglaterra e a Flandres em termos políticos durante a guerra dos 100 anos, que se estendeu de 1337 a 1453, definindo uma linha de alianças que, de alguma maneira, apartou a um lado a Europa continental e, a outro, as (futuras) potências marítimas, marginais do solo europeu e dele excluídas pela própria natureza das coisas. Vale a pena rememorar isto mesmo agora, com as clivagens que se vão desenhando relativamente à ainda problemática união europeia.
João Vaz Corte Real - Estátua existente no Museu de Angra do Heroísmo |
O Tratado de Londres, de 29 de Outubro de 1353, entre Eduardo III de Inglaterra e D. Afonso IV, depois o Tratado de Tagilde (10 de Julho de 1372) e o de Westminster (16 de Julho de 1373) entre Eduardo 111 e D. Fernando de Portugal, seguidos do Tratado de Windsor (9 de Maio de 1386) entre Ricardo II e D. João I, confirmam-no (8).
Por outro lado, o casamento da Infanta Isabel com o Duque de Borgonha, senhor da Flandres, encontra-se nesta mesma linha. Este relacionamento económico-político vem a projectar-se nos Açores logo que, na segunda metade do século XV, as ilhas são povoadas e entram na História. Os flamengos estão presentes entre os primeiros povoadores. E a relação marítima com a Inglaterra tem, como um dos seus expoentes, João Vaz Corte-Real, como depois teve com João Fernandes, o Lavrador.
Terra do Lavrador |
Navios portugueses lidavam neste tráfego e o próprio Cristóvão Colombo, na sua estância em Portugal, por ele andou, indo até à Islândia e recolhendo informes das viagens que se faziam e tinham feito por essas partes do Norte. João Vaz Corte Real era homem do mar e andou por Inglaterra. Se foi ele ou o pai, Vasco Anes (Vasqueanes) o cavaleiro da Jarreteira – como refere Frutuoso – não é bem claro (10). Mas não pode negar-se a prática deste homem quanto aos mares ao Norte da Península. Foi numa dessas viagens que João Vaz raptou, na Galiza, Maria de Abarca, com quem casou. E, em 1472, porventura em articulação com uma expedição dinamarquesa, há a viagem à Terra do Bacalhau (11).
Arquipélago dos Açores |
Havia, pois, bem 100 anos que os estabelecimentos nórdicos para esses lados estavam abandonados. Os islandeses, marítimos por longa tradição, pescavam no Mar do Norte, que todo ele é um grande banco, com os seus fundos não excedendo os 500 metros. Conservariam na sua memória colectiva esses mares ocidentais onde o bacalhau abundava – predador natural de águas pouco profundas, onde se encontravam uma corrente quente e uma corrente fria –. Mas quem reabriu essa rota e a actividade pesqueira que ela facultava foram os portugueses, justamente nos fins do século XV.
A Partilha do Mundo |
Esta viagem, durante a qual se «descobriram» as Flores e o Corvo, parece estar na origem de um interesse, mais do que curiosidade, em procurar por esses lados uma passagem para a Ásia. Paolo daI Pozzo Toscanelli, em 1429 (14) havia sido consultado precisamente sobre este assunto.
A carta de Toscanelli ao cónego Fernão Martins é de 1474 – e recomenda que se persista no rumo do Ocidente para atingir a Ásia. É neste contexto – anterior à concessão e à viagem de Fernão Teles (1475) e às de Fernão Dulmo (1486), e à grande viagem de três anos de Pero Pinheiro de Barcelos e de João Fernandes, o lavrador (1492/95) – que se realiza a viagem de Corte Real e de Álvaro Martins Homem, logo premiados com as capitanias da Terceira, que ambos ganharam.
A Terra dos Corte Reais |
Índia |
Novo Mundo |
Mas não a actividade piscatória. Tão intensa que já em 1506 o rei de Portugal a taxava com direitos de importação. A Terra de Corte Real manteve o seu nome nos mapas de então e a hegemonia piscatória portuguesa foi aí respeitada (18). Até que em 1583 os ingleses estabeleceram na Terra Nova a sua primeira colónia. Curiosamente, no mesmo ano em que a herdeira dos Corte-Reais, casada com Cristóvão de Moura, orientava a família ilustre para Espanha e para o valimento de Filipe II, finalmente vencedor da Terceira e das restantes seis ilhas que o haviam posto em xeque durante os três anos da sua longa, porventura ingénua e sem dúvida sacrificada resistência, por fidelidade a um rei português.
III
O HOSPITAL DO MAR
Rampa de acesso à Igreja da Misericórdia |
6. Em
1492 estava-se ainda longe destes últimos acontecimentos. A dinâmica
portuguesa era ascensional. A 15 de Março desse ano, data da instituição do
hospital, talvez já Pero de Barcelos e o lavrador houvessem partido para a sua
demorada expedição à Terra do Bacalhau, por onde João Vaz, o principal da
confraria fundadora, navegara 20 anos atrás. Colombo ainda nem preparava a sua
frota de três caravelas (18-A) que sairia de PaIos de Moguer apenas em 3 de
Agosto seguinte. Em 15 de Maio, dois meses depois da instituição do hospital de
Angra, lançava-se em Lisboa a primeira pedra do Hospital de Todos os Santos,
que tinha a fachada principal para o Rossio e se desenvolvia em grande parte no
espaço que é hoje o da Praça da Figueira.
A dinâmica era ascensional e era marítima. O novo hospital da Terceira
localizou-se, por isso, à beira do mar e chegava-se a ele subindo a rampa que
havia, e há, a seguir ao cais da Alfândega. Este cais era diferente do actual.
Enraizava-se no lado poente da antiga foz da ribeira dos Moinhos, que Álvaro
Martins Homem transformara em fonte de energia motriz e passara a desaguar por
uma boca estreita mais a nascente, à beira da rocha do Corpo Santo. A ponta
deste cais virava-se a sul. E era mais baixo, com paredes oblíquas, para serem
facilmente galgadas pelo mar e assim melhor resistirem a ele. O cais actual
pretendeu «opor-se» ao mar. Por isso este periodicamente o destrói e deixa a
descoberto as pedras do primitivo, que em boa parte ainda lá estão...
Mapa de Linschoten |
Quando Gaspar Frutuoso escreveu isto, o hospital tinha (já !) 100 anos. A
sua criação, na altura em que se deu, mostra uma visão – e antevisão – das
coisas que nos deixa surpreendidos e que não é propriamente timbre dos portugueses
de hoje e mesmo dos de ontem... A esse tempo, somente a volta da Mina tinha
Angra como escala de retorno e mais algum navio da Madeira ou da costa
africana.
Talvez também da Terra Nova, desenhando a elipse setentrional (20), com os seus frutos, que eram do mar e
não da terra, e que João Vaz, o capitão de Angra, e Álvaro Martins Homem, o seu
verdadeiro fundador, haviam revelado ao mundo de então. Esta vocação de hospital
portuário, oásis na terra para os homens do mar, ressalta da sua localização.
Mais tarde, quando a Irmandade do Espírito Santo e a Misericórdia se
«ajuntaram», os confrades do hospital fizeram questão de salvaguardar uma séria
de condições que mostram muitas coisas, incluindo a garantia desta vocação e as
especificidades que ela impunha. «Capítulos» lhes chamaram. Eles ficaram
escritos e o provedor da Santa Casa – era João da Silva do Canto, filho e irmão
do Provedor das Armadas, neto de Duarte Galvão, o cronista-mór do reino e pai
de Violante do Canto – declarou aceitá-los, com os demais irmãos.
Às tantas
nesses Capítulos lê-se o seguinte:
Baía de Angra do Heroísmo (ao fundo a Igreja da Misericórdia) |
Vista parcial de Angra do Heroísmo (ao fundo a Igreja da Misericórdia) |
«Que os infermos, que seouverem de recolher no ditto hospital, pera se
nelle curarem, senão recebão, senão na ditta meza da quinta feira, oqual estara
prezente com oditto Juiz, mordomo, escrivão o ftzico da caza pa ver, e
repairar, diguo pª ver, E ex aminar, se se pode o tal infermo curar na ditta
caza, ou não, e assi pera dar informação de todalas couzas, que tocarem de
cura dos dittos infermos, epera mais não – E os ditos offes. tão bem farão
Exame, Se otal infermo tem fazenda, por onde se cure, porque tendoa, não he
razão que acaza guaste a sua com elles, pois senão fundou, senão pª pobres. E
tanto que for recolhido otal infermo, se escreverá em Livro, que pª isso
avera, no qual se pora odia, e anno, em que serecolhe, e o seu nome, e sobre
nome, e deque terra he, como sechama seo pai, e sua may, Eluogo se entreguara
ao mordomo, pª que o mande {...), e prover, e ante delhe fazerem mezinha algua
corporal, chamarão ao capellão da caza que o venha confessar, e dar
o santissimo sacramento da Eu charystia; e tanto que assi for confessado e
communguado, Então o comessara a fazer de curar, segundo acalidade desua infirmidade
o requerer. (...) Porque muitas vezes
aconteçe, e principalm.te noverão, quando vem as naos da. India,_e navios
daguine, e armadas, trazerem m.tos infermos à caza do hospital, que tem
muita neçessidade de ser curados, epor virem ao dia de quinta frª, correrião
periguo, se por ella esperassem, Em tal cazo o mordomo com o fizico reco lhera
os taes infermos, e lhe fara os remedios neçessarios com toda charidade; E
porem a quinta frª loguo seguinte dara razão na mo (...) dos dittos infermos
que assi quaes, equantos são, pª hi serem examinados pelo Juiz, e officiaes,
pera verem, sesão dos que acaza he obriguada a curar, e se fazerem sobre isso
as mais diligençias neçessarias, e segundo o que se então na ditta meza
assentar, assi se uzara, e fara com os dittos infermos.» (21).
7. Ajuntadas que foram as casas, o hospital permaneceu. E permaneceu com o seu nome, que era o da invocação sob que nascera – e que tinha força tamanha que ficou na própria rua (do Santo Espírito) para a qual abria e por cima da qual passou a comunicar com a sua igreja –.
É de recordar que, no século XV, o Espírito Santo correspondia provavelmente ao mais intenso culto português : e exprimia uma concepção inteiramente católica, porque universal, de um Cristianismo destinado a abarcar o mundo, todos os homens, por diferentes que fossem – e logo nessa altura em que, numa sucessão vertiginosa, novas terras, novas raças, novas gentes iam sendo encontradas (22).
7. Ajuntadas que foram as casas, o hospital permaneceu. E permaneceu com o seu nome, que era o da invocação sob que nascera – e que tinha força tamanha que ficou na própria rua (do Santo Espírito) para a qual abria e por cima da qual passou a comunicar com a sua igreja –.
É de recordar que, no século XV, o Espírito Santo correspondia provavelmente ao mais intenso culto português : e exprimia uma concepção inteiramente católica, porque universal, de um Cristianismo destinado a abarcar o mundo, todos os homens, por diferentes que fossem – e logo nessa altura em que, numa sucessão vertiginosa, novas terras, novas raças, novas gentes iam sendo encontradas (22).
Bilhete postal máximo triplo comemorativo do 1.º Encontro de Postcrossing realizado nos Açores (Angra do Heroísmo) em 2018. Desenho da Igreja da Misericórdia do artista terceirense Emanuel Félix. |
NOTAS
(1) K. G. MCINTYRE, «A
descoberta secreta da Austrália», 66. O A. releva a prioridade para os
portugueses na chegada ao Pacífico (Balboa só o alcançou no ano seguinte, nas
costas ocidentais da América Central).
(2) «O
Hospital de Angra nos Séculos XV e XVI», 4/5.
(3)
«História Insulana das Ilhas a Portugal Sujeitas no Oceano Ocidental», 280.
(4)
«Saudades da Terra», Lº VI, capº 8º; cf. ERNESTO DO CANTO, «Os Corte Reais», in «Arqº dos Açores» (AA), 1V, 394, com
base em genealogistas portugueses.
(5)
«Saudades...» cit., cap. 9º.
(6) F.
MAURO, «Les Açores et la Dynamique de l'Atlantique du XV ème siècle à nos
jours», in «BoI. do Instit. Histº da
Ilha Terceira» (BIHIT), XLV, 1º, 12.
(7)
CALVET DE MAGALHÃES, «Breve História Diplomática Portuguesa», 35/36.
(8)
Ibid., 35/40.
(9) S.
E. MORISON, «The European Discovery of America – The Northern Voyages»,
161/166.
(10)
E. CANTO, loc. cit., 386/390. Vasqueanes (pai) é que era o homem das forças
lendárias; teria sido também o primeiro a entrar em Ceuta, e talvez um dos Doze
de Inglaterra. Era filho de Vasco Anes da Costa, companheiro de D. João I.
(11)
Sobre o nome «Terra do Bacalhau», E. CANTO (loc. cit., 415) duvida que lhe
tenha sido dado nesse tempo. Porém LUÍS DE ALBUQUERQUE ("Navegadores,
Viajantes e Aventureiros Portugueses, Séculos XV e XVIII», I, 150) refere que o
nome já existia em Portugal no seco XV.
(12)
S. E. MORISON, op. cit., 60/61.
(13)
J. CORTESÃO, «A Expansão Portuguesa no Período Henriquino», 187/221.
(14)
E. CANTO (AA, XVI, 355) situa a consulta no mesmo ano da resposta -147~~; Porém
J. CORTESÃO demonstrou que em 1459 já Toscanelli tinha contactos com
embaixadores do rei de Portugal («Descobrimentos Portugueses», 1141).
(15)
S. E. MORISON, op. cit., 159 e ss..
(16)
E. CANTO, «Quem deu o nome ao Labrador?», AA, XII, 357 e ss. (docs. a pp.
369 e 529).
(17)
M. C. BAPTISTA DE LIMA, «A Ilha Terceira na Colonização do Continente Americano
no Século XVI», BIHIT, XVIII, 5/37, e Adenda, I a XIII.
(18)
V. MAGALHÃES GODINHO, «Mito e Mercadoria, Utopia e Prática de Navegar», 237 e
480; F. MAURO, loc. cit., 23.
(18-A)
As Capitulações de Santa Fé são de Abril. A escolha dos navios, de 30/31 de
Maio. O recrutamento dos marinheiros está a decorrer a 15 de Julho (JACQUES
ATTALI, «1492», 153/158, 161/162, 170.
(19)
G. FRUTUOSO, loc. cit., 27 (cap. 3º).
(20)
V. M. GODINHO, op. cit., 77,99, 103, 240.
(21)
«O Hospital de Angra...» cit., 15/16.
(22)
A. MONJARDINO, «Uma dinâmica espiritual», in BIHIT, XLV, tomo 1º, 93 e ss..
Transcrição parcial do texto do Dr. Álvaro Monjardino, escrito em 1992
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