A NOVA VIA-SACRA DA SÉ CATEDRAL DE ANGRA
In: Diário Insular (25-MAIO-2014)
Fotografias de: António Araújo
A opinião de Álamo de Oliveira
Quem visitar a Sé Catedral de Angra ficará, com certeza, surpreendido com as catorze telas que, suspensas nas colunas, constituem a nova Via-Sacra. A surpresa é tanto maior porque as interpretações plásticas de cada quadro não permitem a leitura uniforme que é hábito acontecer em tais circunstâncias - antes, correspondem ao estilo personalizado dos artistas intervenientes. No entanto, é nessa diversidade de expressão que reside parte significativa e responsável pelo encantamento que os quadros desta Via-Sacra provocam.
Poder-se-á dizer que estão ali representadas duas ou três gerações de artistas açorianos, pontificadas pelos veteranos Carlos Carreiro e José Nuno da Câmara Pereira, cada um deles deixando visível a sua marca estética sob uma espécie de discurso plástico diferente, que se preocupou apenas em obedecer ao propósito temático que lhe foi atribuído. O resultado é, no mínimo, encantatório, embora se adivinhe que outros olhares possam sugerir outros sentimentos, entre eles, os da rejeição e da controvérsia, o que, por si só, revela a importância artística da Via-Sacra da Sé de Angra. Nela, faz-se a interpretação de factos que têm sobrevivido ao longo da História, através de uma simbiose socio-religiosa, que comemora os momentos mais dramáticos da vida de Cristo (a Paixão e a Morte), aqui reconstituídos com uma narrativa que, paradoxalmente, se expressa sob a gramática da contemporaneidade.
Cada artista recorreu aos materiais que melhor entendeu utilizar e preencheu a tela de acordo com o seu estilo narrativo. Nenhum se repete e todos acabaram por reconstituir, de forma sensibilizante, não só o que foram como o que são os momentos dramáticos da Paixão e Morte de Cristo. A placidez do "condenado à morte", de José Nuno e o sofrimento de carregar a cruz, de André Laranjinha, contrastam com as três "quedas de João Decq e de Diogo Bolota, reservando a atenção sugerida pela segunda queda, assinada por Luís Brilhante, acontecida num recanto idílico e amortecida por uma impressionista cortina de nevoeiro. Tem impacto cromático o "Cireneu" de Vitor Almeida, e não menos impacto o realismo expresso no encontro de Cristo com a Mãe sob o olhar mascarado dos guardas, na versão de Luís Pinheiro Brum. À Nina Medeiros coube mostrar "Verónica" enxugando o rosto de Cristo, tripartindo a tela em apontamentos realistas (Cristo, Verónica e a toalha). Paula Mota surpreende com os rostos, em colagem, das "mulheres de Jerusalém", seguindo-se o despojamento das vestes que Rui Melo interpretou com um expressionismo cromático contido e limpo de artificialismos. A espetacularidade da crucifixão é presenciada por uma multidão de rostos, a que André Almeida e Sousa emprestou emoções diversas. Contrasta, de forma perturbadora com o silêncio árido da morte de Cristo e dos seus parceiros de infortúnio, em quadro assinado por Luisa Jacinto. Ao Urbano, coube evocar o sofrimento da Pietá em desenho vigoroso e, simultaneamente, delicado, sobre a superfície, consistente e irregular, de colorações de fogo, de terras, de enxofre, de magmas abandonados. O funeral de Cristo decorre sob o olhar surrealista de Carlos Carreiro. Figurativo e com o excêntrico, mas alegre, cromatismo que este artista habitualmente utiliza, o quadro dá por finda esta "novíssima" Via-Sacra da Sé de Angra.
Obviamente que cada olhar poderá fazer emergir outras leituras deste conjunto de quadros que tem, como mérito principal, enriquecer o espólio patrimonial da Diocese e da Região. A quem teve a ideia e a fez concretizar, se fica a dever esta Via-Sacra que é, com certeza, umas das mais originais e mais belas que se podem apreciar nas igrejas católicas do Mundo. Isto quer dizer também que há mais um motivo irrecusável para visitar a Catedral de Angra.
Via Sacra contemporânea
A opinião do P. Hélder Fonseca Mendes
Conscientes que Angra tem uma catedral sebástica, da renascença, talhada pela arte e engenho de cada século, na luta humana contra forças destrutivas de uma natureza sísmica e vulcânica que faz doer, erigimos no século XXI, com direito próprio, na senda dos nossos antepassados, uma nova Via-sacra suspensa em cada uma das colunas que suportam o edifício e aqueles que o habitam.
Tal como no mistério de Cristo, longe de qualquer heresia, encontramos a divindade e a humanidade, inconfundíveis e inseparáveis, o maravilhoso e o brutal lado a lado, o escândalo do pecado contra o falso escândalo, aprendemos também ‹‹a levar a cruz que a carne e o mundo impõem aos ombros dos que buscam construir a paz e a justiça››.
Se no princípio era o Verbo e o Verbo se fez carne, no fim não será da morte a última palavra, mas do Vivente, o Ressuscitado.
É um conjunto novo, que nada pretende imitar, a não ser dizer a Paixão de Cristo, conjunto saído das mãos e do lado de catorze artistas distintos, nas tendências, linguagens e processos criativos contemporâneos, para uma Catedral que se vai construindo ao longo dos séculos, e que agora tem muito gosto em acolher a marca do nosso tempo. Faz parte da pedagogia da Igreja dar a conhecer os mistérios de Cristo, em linguagens e imagens de cada época. Trata-se de uma ação pedagógica e catequética, que, para seu melhor dizer, há de ser poética e artística.
O discurso evangélico para o percurso crente e turístico é o seguinte: pela nave da esquerda para quem entra na Sé: Jesus é condenado (José Nuno da Câmara Pereira), carrega com a cruz (André Laranjinha), cai pela primeira vez (Luís Brilhante), encontra a sua mãe (Luís Pinheiro Brum), é ajudado por Simão de Cirene (Victor Almeida), a Verónica limpa o rosto de Jesus (Nina Medeiros), e Ele cai pela segunda vez (Diogo Bolota). Pela outra nave, de quem entra pela direita, continua o caminho da paixão de Cristo e da humanidade, no encontro de Jesus com as mulheres (Paula Mota), na terceira queda (João Deq), no despojamento das suas vestes (Rui Pereira de Melo), Jesus é pregado da cruz (André Almeida e Sousa), morto (Luísa Jacinto), entregue a sua mãe (Urbano) e sepultado (Carlos Carreiro).
Se no princípio era o Verbo e o Verbo se fez carne, no fim não será da morte a última palavra, mas do Vivente, o Ressuscitado.
As meditações da Via Sacra são baseadas nas tradicionais 14 estações ou etapas em que se apresentam as cenas da Paixão de Cristo a serem meditadas pelos Seus seguidores e devotos:
- Estação I - Jesus é condenado à morte
- Estação II - Jesus toma a cruz aos ombros
- Estação III - Jesus cai pela primeira vez
- Estação IV - Jesus encontra a sua mãe
- Estação V - Simão de Cirene ajuda Jesus a levar a Cruz
- Estação VI - Verónica enxuga o rosto de Jesus
- Estação VII - Jesus cai pela segunda vez
- Estação VIII - Jesus encontra as mulheres de Jerusalém
- Estação IX - Jesus cai pela terceira vez
- Estação X - Jesus é despojado das suas vestes
- Estação XI - Jesus é pregado na cruz
- Estação XII - Jesus morre na cruz
- Estação XIII - Jesus é descido da cruz e entregue a sua Mãe
- Estação XIV - Jesus é depositado no sepulcro
VIA-SACRA DA SÉ CATEDRAL DE ANGRA
01 - Jesus é condenado à morte (José Nuno C. Pereira) |
02 - Jesus carrega a cruz às costas (André Laranjinha) |
03 - Jesus cai pela primeira vez (Luís Brilhante) |
04 - Jesus encontra a sua Mãe (Luís Pinheiro Brum) |
05 - Simão Cirineu ajuda Jesus (Vitor Almeida) |
06 - Verónica limpa o rosto de Jesus (Nina Medeiros) |
07 - Jesus cai pela segunda vez (Diogo Bolota) |
08 - Jesus encontra as mulheres de Jerusalém (Paula Mota) |
09 - Terceira queda de Jesus (João Deq) |
10 - Jesus é despojado das suas vestes (Rui Vasco Pereira de Melo) |
11 - Jesus é pregado na cruz (André Almeida e Sousa) |
12 - Jesus morre na cruz (Luísa Jacinto) |
13 - Jesus morto nos braços da sua Mãe (Urbano) |
14 - Jesus é sepultado (Carlos Carreiro) |
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