As
embarcações utilizadas na viagem Lisboa - Índia - Lisboa eram construídas quase
exclusivamente na Ribeira das Naus, em Lisboa, ou na Índia, nas cidades de Goa
ou de Baçaim. Existem, no entanto, registos de naus da Índia construídas,
esporadicamente, em outros locais, como por exemplo na Terceira.
Tinham de porte cerca de 1500 a 2000 toneladas, ou seja, poderiam transportar entre 1.215.000 e 2.025.000 quilos de carga.
Tinham de porte cerca de 1500 a 2000 toneladas, ou seja, poderiam transportar entre 1.215.000 e 2.025.000 quilos de carga.
Apesar da
monumentalidade destas naus, raramente a sua construção resistia a mais de 2 ou
três viagens, perdendo-se mesmo uma parte substancial das embarcações na
primeira viagem de retorno, devido às deficientes condições de estiva da carga.
Tal é testemunhado por Duarte Gomes de Sólis, quando na nau em que regressava
da Índia, em 1591, se apartó el costado
de la cubierta,... ni puede ser menos
en naues tan sobrecargadas, y cargas em las oregas que las descompassan porque
cada quintal en los castillos, són mil quintales para los lugares de carga.
Outra causa
de naufrágio era a utilização, na construção das naus, de madeiras ainda verdes
como aconteceu, em 1593, com a nau São Cristóvão que se fue a pique a fondo, no pudiendo vencer el agua que por muchas
partes hazia porque fue hecha de maderas verdes, cogidas sin vez a quieu el
gusano de la India traspassò e criuò, como si fuera un panal de miel.
Geralmente,
as naus de maior porte possuíam quatro cobertas onde cabe um homem de pé, por mais alto que seja, sem tocar com a cabeça no
teto e ainda sobram mais de dois pés, conforme testemunha Pyrard de Laval.
Possuíam igualmente dois castelos, de proa e de popa, que tornavam a nau muito
pouco manobrável em condições de vento moderado. Eram armadas, geralmente, com
35 a 40 peças de bronze, havendo outras peças de menor calibre para luta
anti-pessoal. Os mastros eram de grande dimensão, sendo aparelhados a partir de
várias madeiras, cintadas com anéis de ferro e cordoalha.
Para
combater o teredo, um verme xilófago
que se destrói a madeira dos cascos, os portugueses inseriam pedaços de chumbo
nas juntas e revestiam o casco com uma nova fiada de tábuas de pinho, após o
que o cobriam com uma mistura de enxofre e sebo, o que conferia um aspecto escuro
ao navio, causando um enorme espanto aos povos asiáticos.
A tripulação e os passageiros
Cada
passageiro era obrigado a comprar um espaço coberto no navio, o agasalhado, que custava, no início do
século XVII, cerca de setenta pardaus, ou seja, 25.200 reis.
O agasalhado servia para o abrigo, quer do passageiro, quer dos seus mantimentos, visto que este era obrigado a levá-los consigo. Os espaços entre o mastro do traquete e a proa eram controlados pelo mestre enquanto que os agasalhados entre o mastro real e popa eram distribuídos ou vendidos pelo contra-mestre. Competia ao guardião o controlo dos espaços situados na tolda, a descoberto, por entre os mastros.
O agasalhado servia para o abrigo, quer do passageiro, quer dos seus mantimentos, visto que este era obrigado a levá-los consigo. Os espaços entre o mastro do traquete e a proa eram controlados pelo mestre enquanto que os agasalhados entre o mastro real e popa eram distribuídos ou vendidos pelo contra-mestre. Competia ao guardião o controlo dos espaços situados na tolda, a descoberto, por entre os mastros.
A
tripulação de uma nau da Índia era considerada a elite da marinhagem
portuguesa. Segundo o francês Pyrard de Laval, que viajou numa destas
embarcações no ano de 1611, é mais honra
ser marinheiro numa nau do que contra-mestre num navio meão... os marinheiros
das naus da carreira da Índia são corteses e benignos e parecem todos homens
honrados e bem nascidos, tratando-se todos com grande respeito uns aos outros.
Nos marinheiros franceses nunca vi coisa semelhante.
Para
governar um navio deste porte existia um capitão que tinha controlo absoluto
sobre o navio, podendo condenar qualquer tripulante á prisão ou ao tormento.
Abaixo dele existia um piloto que vigiava constantemente a agulha da bússola do
navio e era o segundo em comando a bordo. Para o coadjuvar existia um
sota-piloto.
O mestre
era a quem obedeciam directamente os marinheiros e os grumetes, tendo sob sua
responsabilidade directa a parte do navio compreendida entre a popa e o mastro
real. Era coadjuvado pelo contra-mestre, que superintendia a zona que ia desde
o mastro da mezena até à proa. O contra-mestre era também o único responsável
pelas operações de carga e descarga do navio. O capitão, os pilotos e os mestres
eram sempre nomeados directamente pelo Rei, o que por vezes levava a que os
favorecimentos pessoais ultrapassassem a competência náutica dos nomeados.
Sobre o
convés, entre os mastros, o guardião comandava os grumetes, em número de 60.
Como a zona era descoberta, estes protegiam-se dos elementos graças à
utilização de couros ensebados, com que se cobriam durante a noite. Os grumetes
não executavam manobras no aparelho nem podiam sair do convés. A eles cabiam os
trabalhos pesados, como o içar das vergas ou o manuseio das bombas e serviam
também como criados privativos dos marinheiros, com quem aprendiam as lides do
mar.
Os
marinheiros estavam dispensados de dar à bomba e competia-lhes executar as
manobras do navio, tal como largar e ferrar pano ou manusear os cabos do
aparelho. Não respondiam às ordens do guardião e repartiam-se por 3 esquadras,
às ordens do piloto e dos 2 mestres. Dentro dos marinheiros existiam ainda 2 a
3 trinqueiros, responsáveis pelo
conserto das velas e dos cabos. Ao todo, havia cerca de 60 a 70 marinheiros a
bordo de um nau de grande porte. A marinhagem completava-se com 4 pajens que
serviam essencialmente para serviço de comunicações no interior do navio, apregoando
ordens e transportando recados entre os mestres e os oficiais que eram,
geralmente, 2 cirurgiões, 2 carpinteiros, 2 calafates e 2 tanoeiros.
Dentro da
gente de armas existia um mestre bombardeiro, a quem competia o comando da
artilharia, e que superintendia igualmente sobre os cerca de 25 bombardeiros
que seguiam a bordo. O número de soldados variava, embora pudesse atingir
algumas centenas.
A navegação
precisa da nau era assegurada pela existência de três bússolas: uma junto à
popa, vigiada constantemente pelo piloto; outra junto ao convés, onde seguia um
marinheiro que repetia as ordens do piloto aos homens do leme; e uma outra de
reserva, geralmente localizada junto à proa.
As ordens
eram dadas através de apitos de prata, propriedade dos mestres, do guardião e
do mestre bombardeiro ou por pregões, declamados pelos pajens junto do mastro
real. Ao capitão competia assegurar a escrita do diário de navegação, onde se
assentavam as horas a que se alterava o rumo da nau, bem como a ocorrência de
fenómenos naturais, tais como trombas de água e tempestades ou o avistamento de
aves, alforrecas ou animais marinhos incomuns durante o percurso da nau.
O meirinho
A justiça e
a lei a bordo eram asseguradas pelo meirinho que fazia cumprir as decisões
legais do capitão. Competia também ao meirinho a guarda da pólvora, dos
projécteis de artilharia e do morrão, bem como das armas individuais presentes
a bordo. No entanto, a função mais importante do meirinho era a de tomar conta
do fogo. Para prevenir o perigo de incêndio a bordo - uma das maiores tragédias
que podem acontecer em alto-mar - competia ao meirinho fornecer fogo a quem
dele precisasse, quer para a confecção dos alimentos quer para a alumiação.
Justiça a bordo |
As prisões do navio, administradas directamente pelo meirinho, estavam situadas junto ao poço da bombas e acolhiam os infractores de maior periculosidade. Para os delinquentes de menor estatura existiam ferros no convés que os prendiam pelos pés ou pelas mãos.
Alimentação e higiene
Doenças a bordo |
As
condições de vida a bordo geravam graves perigos para a saúde dos tripulantes e
dos passageiros. Com efeito, ao contrário dos navios holandeses ou ingleses, os
navios portugueses da carreira das Índias eram
extremamente sujos e infectos, porque a maior parte da gente não toma o
trabalho de ir acima para satisfazer as suas necessidades, o que em parte é
causa de morrer ali tanta gente.
Tempos livres |
A religiosidade
Lisboa - Ribeira das Naus |
Missa a bordo |
Diariamente
rezava-se uma ladainha para encomendar a Deus a viagem e, ao entardecer,
rezavam-se outras ladainhas, da Nossa Senhora ou dos Santos. Aos sábados, à
mesma hora, cantava-se um Salvé,
organizado e cantado pelo piloto, ao som de órgão.
Também regularmente - e mais frequentemente em tempos de
aflição - se organizavam procissões que davam a volta à nau, geralmente depois
do anoitecer.
Promoviam-se
também as novenas, especialmente as dedicadas a São Francisco Xavier.
Outras efemérides do calendário litúrgico - como a Páscoa, a Ascensão, a festa do Espírito Santo ou dos Santos Populares - eram também celebradas com pompa e circunstância.
Outras efemérides do calendário litúrgico - como a Páscoa, a Ascensão, a festa do Espírito Santo ou dos Santos Populares - eram também celebradas com pompa e circunstância.
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das Batalhas, e Sucessos do Galeam Santiago com os Olandezes na Ilha de Santa
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Alvares, Lisboa
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1990, “Dicionário da Linguagem de Marinha Antiga e Actual, Centro de Estudos
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LUZ, F., 1992, “Regimento da
Casa da Índia”, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Lisboa
PYRARD, F., 1965, “Viagem de
Francisco Pyrard, de Laval, contendo a notícia de sua navegação às Índias
Orientais, ilhas de Maldiva, Maluco e ao Brasil, e os diferentes casos que lhe
aconteceram na mesma viagem nos dez anos que andou nestes países (1601 a
1611)”, B. H. Série Ultramarina, nº 11, Livraria Civilização, Lisboa
Texto de: Paulo Monteiro
Texto de: Paulo Monteiro
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