Santo António nasceu em Lisboa em data incerta, numa casa, assim se pensa, próxima da Sé, às portas da cidade, no local onde posteriormente se ergueu a igreja sob sua invocação. A tradição indica 15 de agosto de 1195, mas não há documento fidedigno que confirme esta data. Também foi proposto o ano de 1191, mas, segundo um seu biógrafo, o padre Fernando Lopes, as contradições em sua cronologia só se resolveriam se ele tivesse nascido em torno de 1188. Tampouco se sabe com certeza quem foram seus pais. Nenhuma das biografias primitivas os citam, e somente no século XIV, a partir de tradições orais, é que se começou a atribuir ao pai o nome de Martim ou Martinho de Bulhões, e à mãe, o de Maria Teresa Taveira.
Fixando-se esses nomes na memória popular, e com a crescente fama do santo, não custou a biógrafos tardios atribuírem também aos seus pais uma dignidade superior. Do pai foi dito ser descendente do celebrado Godofredo de Bulhões, comandante da I Cruzada, e da mãe, que descendia de Fruela I, rei de Astúrias, mas tal parentesco nunca pôde ser comprovado. A forma de seu nome de batismo é igualmente obscura, pode ter sido Fernando Martins ou Fernando de Bulhões.
Fez os primeiros estudos na Igreja de Santa Maria Maior (hoje Sé de
Lisboa), sob a direção dos cónegos da Ordem dos Regrantes de Santo Agostinho. Como era a prática da ordem, deve ter recebido instrução no
currículo das artes liberais do trivium e do quadrivium, o que
certamente plasmou seu caráter intelectual.Ingressando ainda um adolescente como noviço da mesma Ordem, no Mosteiro de São Vicente de Fora, iniciou os estudos para sua formação religiosa. A biblioteca de São Vicente de Fora era afamada pela sua rica coleção de manuscritos sobre as ciências naturais, em especial a medicina, o que pode explicar as constantes referências científicas em seus sermões.
Coimbra era na época o centro intelectual de Portugal, e ali se deve ter envolvido profundamente no estudo das Escrituras e nos textos dos Padres da Igreja. Nesta época entrou em contato com os primeiros missionários franciscanos, chegados em Portugal em 1217, e que estavam a caminho do Marrocos para evangelizar os mouros. Sua pregação do Evangelho no espírito de simplicidade, idealismo e fraternidade franciscana, e sua determinação missionária, devem ter tocado o sentimento de Fernando.
Por essa altura, decidiu deslocar-se ele também a Marrocos, mas, lá chegando,
foi acometido por grave doença, sendo persuadido a retornar. Fê-lo desalentado,
já que não havia proferido um único sermão, não convertera nenhum mouro, nem
alcançara a glória do martírio pela fé. No regresso, uma forte tempestade
arrastou o barco para as costas da Sicília, onde encontrou antigos companheiros. Ali
se quedou até a primavera de 1221, dirigindo-se com eles então para Assis a fim de participarem do Capítulo da Ordem - o último que
seria feito com a presença do fundador. Em Assis
encontrou-se com São Francisco de Assis e os seus
primeiros seguidores, um evento de grande importância em sua carreira. Sendo
designado para um eremitério em Montepaolo, na província da Romagna, ali passou cerca de quinze meses
em intensas meditações e árduas disciplinas.
Pouco depois aconteceu uma ordenação de frades em Forlí, quando deixou o isolamento e para lá se
dirigiu. Até então os franciscanos não sabiam de sua sólida formação, mas
faltando o pregador para a cerimónia, e não havendo nenhum frade preparado para
tal, o provincial solicitou a António que falasse o que quer que o Espírito Santo o
inspirasse. Protestou, mas obedeceu, e dissertando para os franciscanos e dominicanos lá
reunidos de forma fluente e admirável, para a surpresa de todos, foi de imediato
destinado pelo provincial à evangelização e difusão da doutrina pela Lombardia. Entretanto, a prática
franciscana desencorajava o estudo erudito, mas em Novembro de 1223 o papa Honório III sancionou a forma final da Regra da Ordem Franciscana, onde uma formação
mais aprimorada se tornou autorizada, desde que submissa ao trabalho manual, à
prece e à vida espiritual. Recebendo a aprovação para a tarefa pastoral do
próprio Francisco, fixou-se então em Bolonha, onde se dedicou ao ensino da teologia na universidade e à pregação. Deslocando-se
em seguida para a França, ensinou nas universidades de Toulouse e Montpellier, passando também por Lomoges.Quando sua tumba foi aberta para iniciar o processo de translado, sua língua foi encontrada incorrupta, e São Boaventura, presente no ato, disse que o milagre era prova de que sua pregação era inspirada por Deus. E incorrupta está até hoje, em exposição na Capela das Relíquias da Basílica.
Foi proclamado Doutor da Igreja pelo papa Pio XII em 16 de Janeiro de 1946 e é comemorado no dia 13 de Junho.
| 1895 - Santo António Série Açores Obliterada em Angra do Heroísmo |
Embora a tradição atribua seu dom à inspiração divina, não é possível deixar
de considerar o importante papel que sua formação erudita desempenhou neste
aspecto de sua vida e obra. A análise das referências que fez em seus escritos,
junto com o levantamento das fontes literárias presentes em seu tempo nas
bibliotecas que frequentou, especialmente a de Santa Cruz, atestam sem sombra
para dúvidas que sua preparação intelectual foi ampla e profunda. Além de um conhecimento detalhado da Bíblia, dos escritos dos Padres da
Igreja e outros escritores cristãos, são encontradas citações de clássicos como Aristóteles, Cícero, Catão, Sócratres, Dioscórides, Donato, Eliano, Escribónio, Euquério de Lião, Festo Solino, Filão de Alexandria, Tíbulo, Sérvio, Públio Siro, Juvenal, Plínio, o Velho, Varrão, Sêneca, Flávio Josefo, Horácio,Ovídio, Lucano e Terêncio. Seu conhecimento das ciências naturais
ultrapassa em muito o currículo regular das artes liberais medievais, aprofundando-se em
áreas como a medicina, a física, a história natural, a cosmografia, mineralogia, zoologia, botânica, astronomia e óptica. Nas
palavras de José Antunes,-
- "Não haveis de pedir a Santo António como aos outros, nem como quem pede graça e favor, senão como quem pede justiça. E assim haveis de pedir a Santo António: não só como a quem tem por ofício deparar tudo o perdido e demandado como a quem deve e está obrigado a o deparar. E senão dizei-me: por que atais e prendei esse santo, quando parece que tarde em vos deparar o que lhe pedis? Porque deparar o pedido em Santo António não só é graça, mas dívida. E assim como prendei a quem vos não paga o que vos deve, assim o prendeis a ele. Eu não me atrevo nem a aprovar esta violência, nem a condená-la de todo, pelo que tem de piedade".
É um dos santos honrados nas popularíssimas Festas Juninas e diversos
costumes folclóricos estão ligados ao santo. a título de exemplo, no Brasil
moças casadoiras retiram o Menino Jesus das estátuas e só o devolvem quando
arrumam casamento; uma prece especial, os "responsos", são feitas para que ele
ajude a encontrar objetos perdidos; no dia de sua festa muitas igrejas
distribuem um pão especialmente abençoado, os "pãezinhos de Santo António", que
deve ser guardado em uma lata de mantimentos para que não falte alimento na
casa.SANTO ANTÓNIO
Nasci exactamente no teu dia —
Treze de Junho, quente de alegria,
Citadino, bucólico e humano,
Onde até esses cravos de papel
Que têm uma bandeira em pé quebrado
Sabem rir...
Santo dia profano
Cuja luz sabe a mel
Sobre o chão de bom vinho derramado!
Santo António, és portanto
O meu santo,
Se bem que nunca me pegasses
Teu franciscano sentir,
Católico, apostólico e romano.
(Reflecti.
Os cravos de papel creio que são
Mais propriamente, aqui,
Do dia de S. João...
Mas não vou escangalhar o que escrevi.
Que tem um poeta com a precisão?)
Adiante ... Ia eu dizendo, Santo António,
Que tu és o meu santo sem o ser.
Por isso o és a valer,
Que é essa a santidade boa,
A que fugiu deveras ao demónio.
És o santo das raparigas,
És o santo de Lisboa,
És o santo do povo.
Tens uma auréola de cantigas,
E então
Quanto ao teu coração —
Está sempre aberto lá o vinho novo.
Dizem que foste um pregador insigne,
Um austero, mas de alma ardente e ansiosa,
Etcetera...
Mas qual de nós vai tomar isso à letra?
Que de hoje em diante quem o diz se digne
Deixar de dizer isso ou qualquer outra coisa.
Qual santo! Olham a árvore a olho nu
E não a vêem, de olhar só os ramos.
Chama-se a isto ser doutor
Ou investigador.
Qual Santo António! Tu és tu.
Tu és tu como nós te figuramos.
Valem mais que os sermões que deveras pregaste
As bilhas que talvez não concertaste.
Mais que a tua longínqua santidade
Que até já o Diabo perdoou,
Mais que o que houvesse, se houve, de verdade
No que — aos peixes ou não — a tua voz pregou,
Vale este sol das gerações antigas
Que acorda em nós ainda as semelhanças
Com quando a vida era só vida e instinto,
As cantigas,
Os rapazes e as raparigas,
As danças
E o vinho tinto.
Nós somos todos quem nos faz a história.
Nós somos todos quem nos quer o povo.
O verdadeiro título de glória,
Que nada em nossa vida dá ou traz
É haver sido tais quando aqui andámos,
Bons, justos, naturais em singeleza, Que os descendentes dos que nós amámos
Nos promovem a outros, como faz
Com a imaginação que há na certeza,
O amante a quem ama,
E o faz um velho amante sempre novo.
Assim o povo fez contigo
Nunca foi teu devoto: é teu amigo,
Ó eterno rapaz.
(Qual santo nem santeza!
Deita-te noutra cama!)
Santos, bem santos, nunca têm beleza.
Deus fez de ti um santo ou foi o Papa? ...
Tira lá essa capa!
Deus fez-te santo! O Diabo, que é mais rico
Em fantasia, promoveu-te a manjerico.
És o que és para nós. O que tu foste
Em tua vida real, por mal ou bem,
Que coisas, ou não coisas se te devem
Com isso a estéril multidão arraste
Na nora de uns burros que puxam, quando escrevem,
Essa prolixa nulidade, a que se chama história,
Que foste tu, ou foi alguém,
Só Deus o sabe, e mais ninguém.
És pois quem nós queremos, és tal qual
O teu retrato, como está aqui,
Neste bilhete postal.
E parece-me até que já te vi.
És este, e este és tu, e o povo é teu —
O povo que não sabe onde é o céu,
E nesta hora em que vai alta a lua
Num plácido e legítimo recorte,
Atira risos naturais à morte,
E cheio de um prazer que mal é seu,
Em canteiros que andam enche a rua.
Sê sempre assim, nosso pagão encanto,
Sê sempre assim!
Deixa lá Roma entregue à intriga e ao latim,
Esquece a doutrina e os sermões.
De mal, nem tu nem nós merecíamos tanto.
Foste Fernando de Bulhões,
Foste Frei António —
Isso sim.
Porque demónio
É que foram pregar contigo em santo?








Sem comentários:
Enviar um comentário