segunda-feira, 14 de novembro de 2022

Passagem Silva Sarmento

 





José da Silva Sarmento 


José da Silva Sarmento nasceu em Angra do Heroísmo em 1837 e faleceu no Rio de Janeiro (?), cuja data de falecimento, no Brasil, se desconhece.

Terceirense radicado no Brasil desde os 16 anos de idade, é na imprensa brasileira que aparece ligado à atividade comercial: em 1865 e 1866 como “negociante”; em 1882 como “Guarda-Livros”; e em 1884 e 1885 acrescenta a função de “jurisperito” à de guarda-livros, cargos que exerce sempre no Rio de Janeiro.




No mesmo período, a imprensa maçónica brasileira identifica -o como membro ativo da maçonaria carioca (BOLETIM, 1873, 274) com ascensão assinalada, já que na Assembleia de 23 de fevereiro de 1876 se procede à sua passagem “para a classe dos membros honorários” (BOLE- TIM, 1876, 32).




A visita à ilha em viagem de saudade e, certamente, também de negócios, em 1874, dá lugar a uma empenhada participação em projetos filantrópicos, à semelhança do que muitos indivíduos e associações da comunidade açoriana no Rio de Janeiro desenvolviam ativamente, tendo em vista a (re)afirmação de laços identitários e a construção de representações sociais compatíveis com a ascensão social proporcionada pela emigração.





O “engrandecimento da pátria” é o seu propósito e, para tanto, inicia uma troca de cor- respondência, favores e ofertas simbólicas com o representante local do Partido Progressista – Jácome de Ornelas Bruges de Ávila Paim da Câmara, 2.º conde da Praia da Vitória – que, rotativamente, disputava e exercia o cargo de Governador Civil com o representante local do Partido Regenerador – António da Fonseca Car- vão Paim da Câmara, 2.º barão do Ramalho.




É neste contexto de rotativismo local que surgirá, por sua sugestão e iniciativa, a primeira experiência museológica levada a cabo na ilha Terceira (e nos Açores): o Museu Terceirense.




Criado por Alvará, de 17 de março de 1877 (RELATÓRIO, 1877, 63 -83v), pelo então Governador Civil de Angra, o regenerador Paim da Câmara, o museu será uma experiência com existência efémera, apesar do empenho e dos contributos dos terceirenses radicados no Rio de Janeiro liderados por Sarmento Júnior, identifi- cado no alvará de criação do museu como o autor da iniciativa.




Na sequência desse alvará, terceirenses e brasileiros amigos do museu, convocados por Sarmento Júnior, reúnem -se no Imperial Lyceu de Artes e Officios do Rio de Janeiro, a 26 de maio de 1877, com o fim de constituir uma comissão responsável pela coleta de bens para o acervo.




Na ata que então é redigida, Sarmento Júnior é adjetivado como “iniciador” do museu e, no Relatório que ele próprio redige e que acompanha essa ata, esclarece:

“As instituições scientíficas e industriaes são os mais belos marcos d’onde o povo estende a vista para o horisonte sem termo da civilização e do progresso."


"Dai instrucção ao povo, animai o artista e abri templos em que a sciencia de mãos dadas com as bellas artes celebrem suas festas, e a civilização consagrará vossos esforços, e a gloria realçará vossos triumphos."





"A creação de um Museu na formosa Ilha Terceira teve apenas por ideia o amor da pátria, sendo-lhe o gérmen a saudade profunda do filho que conservará constante na lembrança a imagem querida d’aquelles céos sempre azues e transparentes” (MUSEU, 1877, 2).

É com o mesmo espírito que reafirma, em carta datada de 30 de março de 1879, ao amigo Teotónio de Ornelas Bruges:

“… ao meu bom amigo e aos nossos patrícios faça sentir que o fim único que guiou meus passos para tão arriscada empresa foi unicamente o amor pátrio nada querendo para mim senão a gloria de concorrer com o meu fraco contingente para um fim de elevado alcance, qual o de ter nossa pátria um Museu.” (BPARLSR, Fundo CP).



Defendendo a ideia da ilustração do povo e do progresso social Sarmento Júnior, primeiro isoladamente e, depois, através da comissão responsável pela angariação de bens, enviará, principalmente, espécies da flora e da fauna brasileira, filiando o museu no âmbito dos museus de História Natural, enquadramento consentâneo com o interesse naturalista comum ao ambiente intelectual da época.

A colaboração do diretor do Museu Nacional do Rio de Janeiro, Ladislau Neto, abordado pessoalmente por Sarmento Júnior, testemunha a integração da iniciativa nas redes internacional e intercontinental de troca e circulação de espécie de História que tinha como parceiro principal o Museu Nacional do Rio de Janeiro e, por seu intermédio, o Museu de História Natural de Londres e alguns jardins botânicos europeus (MAR- TINS, 2003:351).




A alternância na chefia do Governo Civil, entre outras dificuldades de vária ordem, condiciona que a inauguração do Museu Terceirense, apenas ocorra a 28 de setembro de 1879, em instalações no edifício do Governo Civil, em Angra do Heroísmo. O acontecimento leva o ativo “iniciador” a expressar o seguinte desabafo ao amigo conde em carta de maio desse ano:

“Acredito que neste momento estará o meu amigo de posse do cargo de Governador Civil visto as últimas noticias políticas, e por isso o felicito sinceramente, e a seu cuidado entrego o engrandecimento do Museu Terceirense.”

A imprensa terceirense (Açores, 1880, 3) e brasileira (Jornal, 1880, 1) noticiará a atribuição a Sarmento Júnior, pelo governo português, em 1880, da Comenda da Ordem de Cristo, mas apesar disso o museu virá a ser transferido e integrado no acervo do Museu de História Natural do Liceu de Angra em 1885 (Diário, 1885, 2) esclarecendo -se enfaticamente haver ficado “ao cuidado do guarda do gabinete de física”.




A perda de valor social e simbólico, quer do acervo, quer da instituição, que essa união denuncia, acentuar-se-á com o progressivo esquecimento, dispersão e desconhecimento do acervo inicial. O atual Museu de Angra do Heroísmo conserva ainda duas curiosas caixas-vitrinas entomológicas, contendo insetos fixados por alfinetes, executadas pela mulher de Sarmento Júnior e enviadas pelo casal; no con- torno de uma das tampas, em vidro, um galão apresenta a seguinte legenda: Ao Museu de Angra oferece Paulina da S.ª Sarmento; Rio de Janeiro: 31 de Dezembro de 1876.




A dissolução do Museu Terceirense diluirá, também, a presença e a memória do seu Museu Terceirense. Acta e Relatório da reunião efectuada em 26 de Maio de 1877.


MARIA MANUEL VELASQUEZ RIBEIRO

Técnica Superior do Museu de Angra do Heroísmo desde 1995. Chefe de Divisão do Património Móvel e Imaterial da Direção Regional da Cultura entre 2003 e 2011. Membro do Grupo Trabalho de Sis‑ temas de Informação em Museus da Associação Portuguesa de Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas (BAD) desde 2013, e do CHAM/Açores, desde 2017. Licenciada em História (FLL), pós ‑graduada em História Insular e Atlântica e mestre em Museologia e Património (UAç) com uma dissertação sobre o colecionismo privado no arquipélago, tem participado em conferências e colóquios e publicado artigos da especialidade. Desenvolve investigação sobre a formação de coleções, privadas e institucionais e sobre a história da museologia aço‑ riana. Responsável pelo projeto Colectio que, no âmbito do Instituto Histórico da Ilha Terceira, promove a realização de um atlas do colecionismo açoriano.


BIBLIOGRAFIA

AÇORES (Os). Angra do Heroísmo, n.º 35, 22 de abril de 1880

BOLETIM DO GRANDE ORIENTE UNIDO E SUPREMO CONSELHO DO BRAZIL. Jornal Oficial da Maçonaria Brasileira. 1873 -1877. 2.º ano, n.º 4 a 6 (abril a junho). Rio de Janeiro, Tipografia do Grande Oriente Unido e Supremo Conselho do Brazil

BPARLSR. Fundo do Conde da Praia da Vitória. Correspondência:Correspondência de António José da Silva Sarmento Júnior, 1874 -1882

DIÁRIO PORTUGUEZ. Rio de Janeiro, 15 de junho de 1885 JORNAL DO RECIFE. Recife, 29 de abril de 1880 MARTINS, Rui de Sousa. 2003. “Museu Terceirense. Benemerência brasileira, Rotativismo e História Natural”. Ernesto do Canto. Retratos do homem e do tempo. Atas do Colóquio. Ponta Delgada: Universidade dos Açores / Câmara Municipal de Ponta Delgada

MUSEU TERCEIRENSE. Acta e Relatório da Reunião effectuada em 26 de Maio de 1877 no Imperial Lyceu de Artes e Officios do Rio de Janeiro convocada pelo iniciador do mesmo museu…. 1877. Rio de Janeiro

Relatório apresentado à Junta Geral do distrito de Angra do Heroísmo na sua Sessão Ordinária de 1877 pelo Governador Civil Barão do Ramalho. 1877. Angra do Heroísmo: Tip. do Governo Civil.


Fotografias de José Maria Botelho - Angra do Heroísmo

Bilhetes postais - coleção particular


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