sábado, 23 de novembro de 2019

A Ilha de São Miguel


A Ilha de São Miguel

Descoberta e povoamento



Acredita-se que a ilha tenha sido descoberta entre 1426 e 1439 já se encontrando assinalada em portulanos de meados do século XIV como "Ilha Verde". O seu descobrimento encontra-se assim descrito:

"O Infante D. Henrique, desejando conhecer se haveria ilhas ou terra firme nas regiões afastadas do Oceano Ocidental, enviou navegadores. (...) Foram e viram terra a umas trezentas léguas a ocidente do Cabo Finisterra e viram que eram ilhas. Entraram na primeira, acharam-na desabitada e, percorrendo-a, viram muitos açores e muitas aves; e foram à segunda, que agora é chamada de S. Miguel, onde encontraram também aves e açores e, além disso, muitas águas quentes naturais."

Constituiu uma capitania única com a Ilha de Santa Maria, tendo como primeiro Capitão do Donatário Gonçalo Velho Cabral. O seu povoamento iniciou-se em 1444, a 29 de Setembro, dia da dedicação do Arcanjo São Miguel, então patrono de Portugal e santo da especial devoção do Infante D. Pedro, então Regente do Reino, e que dá o nome à ilha.



Os primeiros povoadores desembarcaram entre "duas frescas ribeiras de claras, doces e frias águas, entre rochas e terras altas, todas cobertas de alto e espesso arvoredo de cedros, louros, ginjas e faias". Trouxeram consigo gado, aves e sementes de trigo e legumes e outras coisas necessárias. Fundaram então, a primeira "povoação de gente" na ilha que, mais tarde, ficaria conhecida apenas por Povoação Velha de S. Miguel, onde se ergueu a primitiva Igreja de Santa Bárbara, no local onde foi dita a primeira missa seca. Posteriormente, percorrendo a costa para oeste, encontraram uma planície à beira e ao nível do mar, que lhes agradou e onde decidiram fixar-se. A povoação ficou conhecida como "do Campo", e em pouco tempo receberia o estatuto de "vila franca" (isenta de tributos exceto o devido à Coroa de Portugal), o que contribuiu para atrair mais povoadores.


Entre os nomes destes primeiros povoadores registam-se os de Jorge Velho, Gonçalo Vaz Botelho, o Grande e Afonso Anes, o Cogumbreiro, Gonçalo de Teves Paím e seu irmão Pedro Cordeiro


Visando atrair mais povoadores para esta ilha, de maiores dimensões e características geológicas mais dinâmicas do que Santa Maria, foi necessário oferecer maior incentivo ao povoamento, o que veio a ser expresso por carta régia de 20 de Abril de 1447, pela qual se isentam os moradores desta  ilha da sdizima de todos os géneros nela produzidos:

"Dom Afonso, etc. A quantos esta carta virem (...). Temos por bem e quitamos deste dia para todo sempre a todos os moradores que ora vivem e moram, ou morarem daqui em diante em a dita ilha de todo o pão e vinho e pescados e medeiras e legumes e todas as outras coisas que nela houverem e trouxerem a estes nossos reinos por qualquer forma. (...)"


Aos primeiros povoadores juntar-se-ão outros, oriundos principalmente da Estremadura, do Alto Alentejo, do Algarve e da Madeira. Posteriormente, alguns estrangeiros também se instalam, nomeadamente Franceses, e minorias culturais como judeus e mouros.

A posição geográfica e a fertilidade dos solos permitiram um rápido desenvolvimento económico, baseado no setor primário, voltado para o abastecimento das guarnições militares portuguesas no Norte de África e na produção de açúcar e de urzela, um corante exportado para a Flandres. O sobrinho de Gonçalo Velho Cabral, João Soares de Albergaria, sucedeu-lhe no cargo. À época de Albergaria, anteriormente a 1472, receberam foral de vilas as localidades de Vila do Porto e de Vila Franca do Campo, as mais antigas dos Açores.





Por motivo de doença de sua esposa, D. Brites Godins, deslocou-se com ela para a Ilha da Madeira, em busca de clima mais favorável, sendo acolhidos pela família do capitão do Funchal, João Gonçalves da Câmara de Lobos. Aí foi decidida a venda da capitania de São Miguel, por 2.000 cruzados em espécie e 4.000 arrobas de açúcar. Este contrato teve a anuência da Infanta D. Beatriz, tutora do donatário, D. Diogo, Duque de Viseu, conforme carta de 10 de Março de 1474, sendo ratificada pelo soberano nestes termos:


"Fazemos saber que Rui Gonçalves da Câmara, cavaleiro da Casa do Duque de Viseu, meu muito amado primo, e prezado sobrinho nos disse como lhe per a Infanta Dona Beatriz, sua madre e tutor, em nome seu, era feita a doação da capitania da ilha de San Miguel para sempre aprovamos e confirmamos a dita doação.".
Ficaram assim definitivamente separadas as capitanias de São Miguel e Santa Maria.

Vila Franca do Campo, mais importante porto comercial da ilha, considerada sua primeira capital, e onde esteve localizada a alfândega até 1528, foi arrasada pelo grande terramoto de 22 de Outubro de 1522, em que se estima terem perecido 4000 pessoas. Após a tragédia, os sobreviventes transferiram-se para a povoação de Ponta Delgada, logrando obter do soberano os mesmos privilégios de que gozava cidade do Porto, conforme já o gozavam os de Vila Franca do Campo, iniciando-se o seu desenvolvimento, de tal modo próspero, que Ponta Delgada foi elevada a cidade por Carta-Régia passada em 1546, tornando-se capital da ilha.


No contexto da crise de sucessão de 1580, aqui tiveram lugar lutas entre os partidários de D. António I de Portugal e de Filipe II de Espanha, culminando na batalha naval de Vila Franca, ao longo do litoral sul da ilha (26 de Julho de 1582), com a vitória dos segundos. Após a batalha, D. Álvaro de Bazán, marquês de Santa Cruz de Mudela, desembarcou em Vila Franca do Campo, onde estabeleceu o seu quartel general e de onde fez supliciar por enforcamento cerca de 800 prisioneiros franceses e portugueses, no maior e mais brutal massacre jamais ocorrido nos Açores.

Pelo apoio dispensado à causa de Filipe II, a família Gonçalves da Câmara, na pessoa de Rui Gonçalves da Câmara, capitão do donatário, recebeu o título de Conde de Vila Franca por alvará de 17 de Junho de 1583.





O século XVII





Entre os ataques de corsários à ilha no período, destacam-se o da armada inglesa sob o comando de Robert Devereux, 2º conde de Essex, no Outono de 1597, que ascendia a cem velas, na sequência dos ataques às ilhas do Faial e do Pico. Mais tarde, um outro ataque deixou como testemunha a marca do impacto de um projétil de artilharia no alçado da torre sineira voltado para o mar da Igreja de São Miguel Arcanjo em Vila Franca do Campo, tendo abaixo dele sido inscrita a data: 1624.

Com a Restauração da Independência Portuguesa (1640), a ilha recuperou a sua posição como centro comercial, estreitando contatos com o Brasil, para onde enviou muitos colonos.

  


O século XVIII


  




Datam deste período muitos dos edifícios históricos da ilha, nomeadamente solares e igrejas, exibindo elaboradas cantarias, delicados azulejos e ricas talhas que podem ser apreciados até aos nossos dias. Essa expansão arquitectónica é justificada pelos lucros obtidos com a produção de laranjas para exportação, cujo principal mercado era a Grã-Bretanha.

 

 

 

 




 O século XIX


No contexto da Guerra Civil Portuguesa (1828-1834), após o desembarque das forças Liberais no Pesqueiro da Achadinha (concelho de Nordeste), sob o comando do 7º Conde de Vila Flor (1831), as forças miguelistas foram derrotadas no combate da Ladeira da Velha (2 de Agosto de 1831).

Em 1832, partiu de Belle-Isle, na Inglaterra, a expedição militar sob o comando de D. Pedro, rumo aos Açores (10 de Fevereiro), e que chegou a São Miguel a 22 de Fevereiro. Após organizar o governo regencial na ilha Terceira, em Angra, D. Pedro retornou a São Miguel, para embarcar as suas forças (20 a 22 de Junho) que partem (27 de Junho) rumo ao Desembarque do Mindelo (8 de Julho).


Após o fim do conflito registou-se a chamada Revolta dos Calcetas (1835). No mesmo ano, foi fundado o primeiro periódico em São Miguel. Com a paz foi retomada a anterior expansão económica da ilha.

No contexto da Revolução da Maria da Fonte em 1846 foi formada uma Junta Governativa no Distrito de Ponta Delgada.



A prosperidade trazida pela produção e exportação da laranja veio a ser abalada quando, em 1860, uma doença exterminou os laranjais. Essa crise foi superada com a introdução de novas culturas como o tabaco, o chá, a espadana, a chicória, a beterraba e o ananás, a que se juntaram, com o passar dos anos, indústrias ligadas à pesca e à pecuária. Na década de 1860 foi construído o porto de Ponta Delgada.


A 8 de Junho de 1893 foi apresentado ao Parlamento Português uma proposta para ligação telegráfica com os Açores. Autorizada, o Estado Português contratou a companhia inglesa Telegraph Construction and Maintenance Company Limitedpara o lançamento e exploração do cabo submarino. A 19 de Agosto desse mesmo ano, pelas 11:40h tocava em Ponta Delgada a ponta do cabo que ligava à estação de Cascais, sendo os serviços oficialmente inaugurados em 27 de Agosto de 1893.





O século XX

No contexto da Primeira Guerra Mundial a cidade de Ponta Delgada e seus arredores foram bombardeadas por 50 obuses de 125mm do "Deutschland", um submarino do Império Alemão, classe U-115 (4 de Julho de 1917). Além dos danos materiais, o ataque causou a morte de uma jovem de 16 anos (Tomásia Pacheco) e alguns feridos na Canada do Pilar, na Fajã de Cima. A unidade naval alemã foi repelida pelo fogo de artilharia (15 tiros) do navio carvoeiro estadunidense "Orion" estacionado na doca, apoiado pela artilharia portuguesa em terra, na Madre de Deus (4 tiros).

A partir desse ataque, foi instalada uma base naval estadunidense em Ponta Delgada, que se manteve em operação até Setembro de 1919. Nesse período, cerca de 2.000 navios demandaram o porto. O abastecimento a essas embarcações e a milhares de militares em trânsito, preservou a economia da ilha das dificuldades da guerra e permitiu a formação de algumas pequenas fortunas. A circulação de dólares e de libras em abundância permitiu que, entre 1914 e 1924 o número de casas bancárias passasse de 6 para 20, em paralelo à abertura de diversos cafés, restaurantes e outros espaços de diversão. Do mesmo modo, registaram-se investimentos de capitais em fábricas de maiores dimensões e na criação de companhias de transporte marítimo.



A ilha, de natureza vulcânica, sujeita a atividade sismíca, apresenta relevo montanhoso, sobretudo no seu interior, dominado pelo Pico da Vara, sendo recortada por vales, grotas e ribeiras - únicos cursos de água. A origem vulcânica é presente na tipologia das rochas e terrenos de "biscoito" (produzidos por camadas onduladas de lava) e "mistérios" (por lavas esponjosas, onde proliferam os musgos e as ervas) - típicos no arquipélago -, e fumarolas-sulfataras permanentes, como as do Vale das Furnas e na Ribeira Grande. O fundo de crateras de antigos vulcões extintos servem de leito a belas lagoas como a Lagoa das Sete Cidades, a Lagoa do Fogo e a Lagoa das Furnas. Essa combinação de fatores propicia a que no Vale das Furnas sejam reputadas as suas águas minero-medicinais.




As formações de relevo, na ilha são complementadas ainda pela presença das chamadas "lombas" - formas de relevo ligeiramente aplainadas - e de picos - formas de relevo relativamente aguçadas.

Como as demais ilhas do arquipélago, o clima de S. Miguel é temperado oceânico. O Atlântico e a Corrente do Golfo funcionam como moderadores da temperatura - a maritimidade - conferindo a ilha e ao arquipélago em geral uma pequena amplitude térmica. A pluviosidade distribui-se regularmente ao longo do ano, embora seja mais abundante na estação fresca.

No Inverno, também como as demais ilhas do arquipélago, é assolada por fortes ventos que sopram predominantemente do sudoeste, enquanto que no Verão se deslocam para o quadrante Norte. O céu apresenta-se geralmente com nebulosidade, o que causa insolação variável.

Graças ao seu clima temperado e húmido, a ilha recebeu bem as mais variadas espécies introduzidas pelos povoadores ao longo dos séculos. A obra "Flores", de Erik Sjogren regista cerca de 80 plantas vasculares, das quais apenas 56 endémicas, algumas referidas por Gaspar Frutuoso, que relatou:
"Estava esta ilha, logo que se achou, muito cheia de alto, fresco e grosso arvoredo, de cedros, louro, ginjas, sanguinho, faias, pau branco e outra sorte de árvores; (…)" (in: Saudades da Terra, Livro IV, vol. II. Ponta Delgada, 1931. cap. LV, p. 25.)
A densa cobertura vegetal que caracterizava a ilha à época do seu descobrimento, deu lugar, com o povoamento, à abertura de campos de cultivo, consumida históricamente como fonte energética e de material de construção das populações. Paralelamente foram sendo introduzidas novas espécies conforme os interesses económicos da Coroa portuguesa, como o trigo, o linho e o pastel, entre tantas outras.

A Lagoa das Sete Cidades, com as suas duas lagoas - azul e verde - limitadas por uma caldeira, o ilhéu de Vila Franca, reserva natural, assim como o vale das Furnas, com as suas fumarolas, de águas e lamas quentes e medicinais, são apenas alguns exemplos dos inúmeros pontos atractivos que São Miguel apresenta.

Outro dos pontos de interesse da ilha é a Lagoa do Fogo, que se situa na Serra de Água de Pau, bem como a Lagoa do Congro, localizada a poucos quilómetros da Vila Franca do Campo.

Na zona Este da ilha, fica o Pico da Vara - a maior elevação da ilha - com 1103 metros de altitude. Na zona central, a serra de Água de Pau com 940 metros de altura e na zona Oeste situa-se a Caldeira das Sete Cidades com 850 metros de altitude.

A cidade de Ponta Delgada mantém ainda as suas igrejas e palácios dos séculos XVI ao XIX. Aqui tem lugar a maior festa religiosa do arquipélago, aonde acorrem milhares de pessoas anualmente: as festas do Senhor Santo Cristo dos Milagres, no quinto Domingo depois da Páscoa.

Outra manifestação religiosa desta ilha são os Romeiros. Por altura da Semana Santa, grupos de algumas dezenas de homens percorrem a ilha a pé, durante oito dias, rezando e cantando em todas as Igrejas e Ermidas que se deparam pelo caminho.

O Centro de Monitorização e Investigação das Furnas (CMIF) integra uma intervenção mais alargada que articula, num único projeto e de forma transversal, os programas e ações do Plano de Ordenamento da Bacia Hidrográfica da Lagoa das Furnas (POBHLF), nomeadamente a requalificação das margens.

Inaugurado a 1 de Julho de 2011, o CMIF assume, desde logo, um papel importante na tradução da linguagem científica para formas de disseminação de conhecimento, capazes de cativar os visitantes para uma melhor compreensão da Natureza, assim como para atividades lúdicas e de recuperação ecológica numa paisagem em constante transformação.

Situado na margem sul da Lagoa das Furnas, este projeto, da autoria do arqt.º Manuel Aires Mateus veio, numa outra perspetival, dar visibilidade à Lagoa das Furnas, desta feita numa vertente arquitetónica, além da ambiental/natural que lhe é normalmente atribuída. Nas palavras do próprio “foi concebido como uma escultura de pedra colocado na paisagem, tendo por base o enquadramento da matéria-prima no verde circundante e a capacidade de relacionar o basalto vulcânico da região com o ambiente natural que é a Lagoa das Furnas.” Esta relação entre materialidade e natureza foi recentemente distinguida com a atribuição do "Premio Internazionale Architetture di Pietra 2011 – XII edizione", na cidade italiana de Verona, que premiou a qualidade espacial e arquitetónica do projeto e a sua execução em pedra local, neste caso concreto o basalto.

O CMIF dispõe de uma área de acolhimento ao visitante onde é disponibilizada informação sobre a missão e objetivos do projeto, capaz de despertar a curiosidade e interesse em conhecer, de uma forma mais aprofundada, a recuperação do ecossistema do vale das Furnas. Este espaço contempla um pequeno bar e loja na qual, através dos produtos de merchandising, promovemos a flora e fauna nativas.

A área destinada a exposição permite-nos “viajar” ao património natural que é o vale das Furnas e à sua lagoa, através de mecanismos interativos, ferramentas acessíveis aos utilizadores, plataformas multimédia e visitas guiadas. O visitante é conduzido à descoberta do ecossistema da lagoa através da caracterização da sua geologia e vulcanismo, ecossistemas lacustres e limnologia, hidrópole, fauna e flora nativas.

No auditório é possível visionar um pequeno documentário sobre o património natural das Furnas, a sua história e vivências, bem como o projeto que está em curso para a sua recuperação. Este espaço está também vocacionado para workshops, seminários, ações de formação, de educação e sensibilização ambiental.


Paralelamente, o CMIF dispõe de uma área de investigação, monitorização e desenvolvimento de projetos, da qual fazem parte, uma sala de trabalho,


pequenos gabinetes de apoio e laboratórios de monitorização preparados para acolher os seus convidados. Estas áreas são dedicadas à implementação e gestão do Plano de Ordenamento da Bacia Hidrográfica da lagoa das Furnas que pretende, de um modo regrado e coerente, compatibilizar os usos e atividades com a proteção e valorização ambiental da bacia hidrográfica, sendo que o principal objetivo é a melhoria da qualidade da água da lagoa.

Complementarmente a este pólo principal de atividades, a zona envolvente engloba um conjunto de áreas exteriores, nomeadamente, zona de merendas e estadia, instalações sanitárias, parque de estacionamento e um amplo espaço verde com vista privilegiada sobre a Lagoa, onde os visitantes podem contemplar a paisagem e desenvolver atividades de lazer.



1845 - Mapa da Ilha de São Miguel


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