A Cerâmica Vieira
A arte de quem confecciona a louça dos Açores atingiu níveis reconhecidos a nível mundial. As peças da Lagoa, de Vila Franca do Campo ou da Graciosa despertam muito interesse não só em turistas, mas em todos os que têm em consideração as maravilhas da louçaria. No caso da Lagoa, as suas louças são uma das actividades que mais renome traz a vila, bem como a todo o Concelho. E falar de louças na Lagoa não é possível sem nomear a Cerâmica Vieira – de José Augusto Martins Vieira & Filhos, Lda, sita na Rua das Alminhas, na Freguesia de Nossa Senhora do Rosário.
Fundada em 1862 por Bernardino da Silva, natural de Vila Nova de Gaia, e outros companheiros, esta fábrica têm-se mantido na mesma família desde há cinco gerações. É lugar de paragem obrigatória para todos os que visitam a Lagoa e é, antes do mais, um ‘ex-libris’ do Concelho e de toda a ilha de São Miguel.
A fábrica, onde os visitantes podem acompanhar o processo de confecção de louça e azulejos, chegou mesmo a ser musealizada. Nas suas instalações são produzidas peças de louça predominantemente feitas na roda de oleiro e azulejos feitos manualmente, utilizando decorações características onde o azul é a cor dominante.
O processo de fabrico artesanal é mantido desde os primórdios da fábrica e a decoração e os desenhos são deixados ao critério artístico dos artesãos. Dentro das instalações há uma loja onde podem ser adquiridos os produtos denominados de ‘Louça da Lagoa’.
História da Fábrica
Quando, em 1862, Bernardino da Silva chegou a São Miguel acompanhado de um verdadeiro técnico de cerâmica vidrada, de seu nome Manuel Leite Pereira, ainda estava no segredo dos deuses o impacto que este empreendimento haveria de ter não só no Porto dos Carneiros, na Lagoa, onde a produção estava, mas em todo o arquipélago dos Açores. O técnico fez-se acompanhar de Tomás D’Ávila Boim, natural do Pico, e de Manuel Joaquim d’Amaral natural da Vila da Povoação, e assim se estabeleceu a Cerâmica Vieira, numa tranquila baía da Lagoa onde as embarcações vinham descarregar as bolas de barros da Ilha de Santa Maria. Estas eram de um material acizentado, rico em caulino gordo, que posteriormente era misturado com areia e barro do continente para o fabrico de louça.
O sucesso da Cerâmica Vieira ficou desde logo consolidado. Em 1888, esta indústria foi premiada com a medalha de cobre na Exposição Indústrial Portuguesa de Lisboa.
Entretanto, 1872, Manuel Leite Pereira havia abandonado a sociedade para afundar uma nova fábrica de confecção de louça, nas Alminhas. E, em 1882, recebera mesmo vários prémios na Primeira Exposição Portuguesa, Promovida pela Sociedade de Instrução do Porto.
Sabe-se que o modo de fabrico da louça se manteve praticamente praticamente inalterável desde o tempo dos primeiros colonos de São Miguel. Tudo era feito à mão com o barro trazido em bolas de Santa Maria, posteriormente amolecido com água, e amassado com os pés no ‘barreiro’ tanques, onde as impurezas eram filtradas com um peneiro, ou ‘crivo’, passando para outros tanques, onde era ainda mais apurado através da técnica de baldeação.
Então, juntava-se o ‘tocaz’ (aparas que restavam das rodas dos oleiros) e passava-se para a fase de secagem, na qual o barro era atirado às paredes de tijolo do pátio, de modo a que fosse excluída do material quase toda a água.
O barro passava então para o ‘laminador’, cilindro de ferro, com palhetas movidas por um eixo de ferro vertical, onde ia sendo aperfeiçoada a sua textura, até ser conseguida uma massa moldável e homogénea.
Quando o barro estava finalmente pronto, era levado em forma de bolas pelos aprendizes, em quantidades certas para o tipo de louça que iria ser confeccionada. Essas bolas eram colocadas sobre as ‘alpiocas’, massa de barro que servia de torno aos oleiros. Estes, por sua vez, faziam girar o pé da sua roda e aí começava o processo criativo.
Da roda saíam as peças ainda não completamente moldadas. Era necessário que passassem depois pelo ‘fretamento’ (aperfeiçoamento com auxílio de uma faca de vários fumes, feita de aros de pipa). Havia então que fazer a secagem das peças ao sol e levá-la depois ao forno.
A cozedura da louça levava cerca de oito dias, em fornos antigos a lenha. Quando a louça estava cozida, era necessário vidrá-la com um líquido acizentado, pastoso. Depois, havia que secá-la. Novamente de regresso às mãos criativas dos artesãos, a louça era pintada manualmente nos ‘tornitos’, discos de rotação onde era preparada para se tornar numa bela peça de decoração.
O mais extraordinário em todo este processo é o facto de se manter inalterado, após tantos séculos. Apesar da modernização da maquinaria com a qual se trabalha a louça, o que torna o processo mais rápido, continuam a ser os artesãos quem determina a qualidade do trabalho. A fábrica de Cerâmica Vieira que hoje conhecemos é o resultado da fusão entre a primeira, fundada no Porto dos Carneiros, e a segunda, das Alminhas.
Cabe ao artista João Alberto Simões Rego, desde há trinta e três anos, a pintura dos grandes murais, das paisagens, dos retratos e da estatutária que tão bem conhecem os apreciadores da arte da Cerâmica Vieira.
Refira-se que, além da louça, esta fábrica produz ainda azulejos moldados e pintados à mão.
A telha e os tijolos são fabricados em Porto dos Carneiros, enquanto a louça vidrada é feita nas Alminhas, na freguesia de Nossa Senhora do Rosário.
O actual proprietário, António José da Silva Martins Vieira, natural da Lagoa, pertence à quinta geração de descendentes do fundado da fábrica, um dos mais interessantes pontos de atracção dos Açores.
O Museu da Cerâmica Vieira é de certa forma um museu vivo porque mostra faiança produzida com métodos tradicionais de há mais 150 anos e ao mesmo tempo podemos ver artesãos a trabalhar.
Os visitantes são convidados a percorrer as instalações e acompanhar de perto todo o processo produtivo que é prolongado. Depois de moldada a peça na roda do oleiro fica a secar três a quatro dias.
Quando o barro já está mais duro retira-se o excesso e faz-se o acabamento. É nesta fase que se colocam as pegas nas peças que têm essa estrutura. Volta a secar mas agora durante duas semanas. Tem depois a primeira cozedura no forno durante sete horas a 1.700 graus. Segue-se a pintura com o banho branco que é o “vidraço” e depois pintado à mão. A peça regressa mais tarde ao forno.
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