(Breve história)
Século VI a.C.
“O berço de uma cana muito doce”
Antes de existir o açúcar, tal como o
conhecemos hoje, existiam apenas duas fontes de sabor doce no mundo: o mel e a
cana-de-açúcar.
No que se refere à cana de açúcar, não se sabe ao certo de onde veio, mas crê-se que há mais de 20 mil anos, os povos das ilhas do Sul do Pacífico terão descoberto as propriedades e as características desta planta alta, que crescia espontaneamente nas suas terras.
Segundo informações mais recentes, admite-se que a cana-de-açúcar foi cultivada pela primeira vez na Nova Guiné, onde a sua existência era tida como planta silvestre e ornamental. A partir desta zona a cultura estendeu-se a outras ilhas vizinhas, como as Fiji e a Nova Caledónia.
Mais tarde, a cana-de-açúcar prosseguiu a sua viagem e chegou a outras zonas, actualmente as Filipinas, a Indonésia, a Malásia e a Índia. Terão sido os indianos o primeiro povo a extrair o suco da cana e a produzir, pela primeira vez, açúcar “em bruto”, por volta de 500 a.C.
Não é por acaso que o nome para “açúcar” é
originário do sânscrito “çarkara”, que significa “grão” e do qual vai derivar o
nosso “açúcar”, “sukkar” para os Árabes, ”saccharum” em latim, “zucchero” em italiano,
“seker” para os turcos, “zucker” para os alemães, “sugar” em inglês e “sucre” em
francês, entre outros.
Foi nesta época que Darius, o imperador persa,
ao chegar à Índia, observou que ali havia “canas que dão mel sem a ajuda das
abelhas”. A novidade foi levada para casa e mantida em segredo durante muito tempo.
Século
VII /XII
“O segredo da cana chega ao Mediterrâneo”
O Mediterrâneo no Séc. XV |
Dos gregos, o Império Romano herda aquele a que
chamam “sal indiano”, muito apreciado pelas suas propriedades gastronómicas
e medicinais. Mas são os Árabes juntamente com os chineses, os responsáveis
pela expansão do açúcar nas regiões banhadas pelo Mar Mediterrâneo e pelo Oceano
Índico. Assim, graças aos Árabes iniciase a produção de açúcar sólido ao longo
do Mediterrâneo, arte aprendida com os Persas.
No século VII, a cultura do açúcar chegava,
assim, ao Chipre, a Creta, a Rodes e a todo o Norte de Africa, embora com as devidas
adaptações ao solo e ao clima variável.
Os Romanos no Mar Mediterrâneo |
Por isso, o açúcar permanecia como um produto
gastronómico e medicinal e de luxo, vendido nos boticários (as farmácias de então),
ao alcance de muito poucos. Na verdade, durante centenas de anos, o açúcar foi
considerado uma especiaria extremamente rara e valiosa. Apenas nos palácios reais e nas casas
nobres era possível consumir açúcar, visto que este atingia preços altíssimos, sendo
apenas acessível aos mais poderosos.
Nesta altura, eram os mercadores venezianos os
principais intermediários deste comércio: em Alexandria compravam o açúcar
proveniente da Índia, fazendo-o depois chegar ao resto da Europa.
“A cana e a Madeira dão-se bem”
No início do século XV, a história começa a
ficar mais doce. O infante D. Henrique resolve introduzir a cultura da cana
na ilha da Madeira. A planta adaptou-se muito bem às características desta região e
assim se lançou o negócio: Portugal começa a vender açúcar para o resto da Europa. Nesta
época, Portugal iniciava a sua política de expansão comercial por meio da conquista de
novos mercados. Foi numa das tentativas de chegar às Índias que o Brasil foi
descoberto, por Pedro Álvares Cabral em 1500. O cultivo da cana-de-açúcar estende-se a outras
ilhas – Açores, Cabo Verde, São Tomé e as ilhas Canárias, o que vai ser determinante para
a sua exploração no Novo Mundo. A acrescentar ao optimismo, o caminho marítimo
para a Índia abre-se em 1948 pelas mãos de Vasco da Gama, tornando Portugal no maior
negociante de açúcar e Lisboa, a capital de refinação e comércio deste produto.
“ A colonização da Madeira”
“Esta ilha da Madeira mandou-a o dito senhor
infante D. Henrique habitar pelos Portugueses. Fez capitães dela dois cavaleiros,
um dos quais chamado Tristão Teixeira e o outro, João Gonçalves Zarco.
Tiveram os primeiros (habitantes) que a
quiseram habitar de lhes deitar fogo. É muitíssimo fértil, pois produz muito trigo. O
dito senhor infante D. Henrique mandou (depois) pôr cana-de-açúcar, que deu muito boa
prova. Tem bons vinhos, mesmo muitíssimo bons.”
“Terreno fértil para a cana no Novo Mundo”
Engenho do açúcar no Brasil |
Engenho do açúcar no Brasil |
A cobiçada especiaria ganhou mesmo honras de metal precioso.
“A acção dos Portugueses no Brasil”
O comércio triangular |
(...) Aqui os escravos de África são muito
procurados porque os moradores do Brasil têm grande necessidade deles para os seus engenhos
(...). E prezam mais um escravo negro do que três do Brasil, que não são tão fortes
(...) mas gente branda e frouxa”.
Século XVII
“ Adoçante de bebidas novas”
A exploração de escravos, que se praticaria desde o século XVI até princípios do século XIX, viabiliza a expansão da indústria do açúcar de uma forma irreversível, com plantações praticamente em todo mundo, desde as Índias Ocidentais às Américas. O uso do açúcar vulgarizou-se, principalmente para adoçar as novas bebidas, também de origem exótica, como o café, o chá e o cacau, o açúcar conhece um maior consumo, embora v ainda no currículo restrito das classes abastadas.
Século XIX
Apesar do desenvolvimento das técnicas para
produção de açúcar mostradas pelos europeus no século XVI, foi somente no século
XIX, com a introdução da máquina a vapor, da evaporação, dos cozedores a vácuo e
das centrífugas, como reflexo dos avanços. Francisco P. Laval, Diário de
Viagem, apresentados pela Revolução Industrial, que a produção comercial de açúcar experimentou notáveis desenvolvimentos
tecnológicos.
Desta forma, o comércio do açúcar tornou-se
bastante lucrativo o que terá preocupado Franceses e Alemães, que se viam a
pagar caro um produto que nunca vingaria nas suas terras mais frias.
Impulsionado pelo seu governo a investigar outras fontes de sacarose (açúcar vulgar), Andreas
Margraff, um químico alemão, obtém os primeiros cristais a partir do suco extraído de
raízes de beterraba, em 1747.
Passados cinquenta anos, o discípulo de
Margraff, Franz Carl Achard, instala a primeira refinaria de açúcar de beterraba da
Europa. O produto não tinha, no entanto, a qualidade desejada e, para além disso, era
bastante caro.
Só durante as guerras napoleónicas, devido ao
bloqueio britânico e ao consequente racionamento do açúcar, é que a
nova indústria teve finalmente oportunidade para se desenvolver e aperfeiçoar. Inicia-se
uma guerra entre os importadores do açúcar de cana e os produtores de açúcar de beterraba.
A abolição da escravatura vai dar vantagem aos segundos e penalizar os primeiros.
No princípio do século XX, a beterraba vence a
cana de forma decisiva, cobrindo 3/5 do consumo mundial. Mais tarde,
curiosamente, a balança irá inverter-se com 3/4 da produção de açúcar a serem fornecidos pela
antiga cana.
Século XX
Século XX
“ O açúcar no século XX: a abundância”
No início do século XX, o planeta já produzia 9
milhões de toneladas de açúcar e consumia apenas 8 milhões.
Mas a Primeira Guerra Mundial veio travar
drasticamente a produção de açúcar.
Faltando mão-de-obra e matéria-prima para o
cultivo da beterraba açucareira , a cana-de-açúcar,produzida longe deste cenário
de destruição, conhece algum desenvolvimento até ao fim do conflito. No pós-guerra, a produção
restabelece-se e ganha mesmo maior dinamismo, a tal ponto que, em1920, com o açúcar de cana e
de beterraba, o excedente mundial alcança as 4 milhões de toneladas. Como consequência os
preços descem e levanta-se a primeira de muitas crises para regulamentar este
negócio. Em 1937 é realizado o primeiro acordo internacional para regular o mercado, do qual
sai também o primeiro Conselho Internacional do Açúcar.
Em 1953, sob a égide da ONU, assina-se o Acordo
Internacional sobre o Açúcar, que estabelece um sistema de quotas de
exportação.
Em 1968 cria-se o mercado comum do açúcar, que
levou a Comunidade Europeia a tornar-se o primeiro produtor mundial de
açúcar de beterraba.
Séc. XXI
“O açúcar no 3º milénio”
Hoje, entre 111 países produtores de açúcar, 73
cultivam cana-de-açúcar e são responsáveis por fornecer 3/4 da produção
mundial de açúcar. O maior produtor é o Brasil, seguido pela Índia e por Cuba. O açúcar
tornou-se um alimento comum na dieta de todos os países, constituindo uma fonte de
energia de fácil e rápida assimilação.
Consumido com moderação contribui para uma
dieta equilibrada, proporcionando um sabor agradável aos alimentos. Para além
disso, o sabor doce é um dos mais apreciados pelo ser humano, o que torna o
açúcar um dos alimentos capazes de oferecer momentos de bem-estar e de prazer.
Portugal tem uma quota de produção de 360 mil
toneladas de açúcar por ano, das quais cerca de 275 mil são consumidas.
AÇORES
O açúcar nas ilhas portuguesas do Atlântico séculos XV e XVI
Na ilha de Santa
Maria, e a mando do Infante dom Henrique, se terão começado as primeiras
plantações. Um catalão, mestre António, teria sido para aí enviado com esse
propósito. E "deram-se muito boas". Mas ainda não havia moendas, o que exigiu
que as canas fossem levadas para São Miguel, "e fez-se delas muito bom açúcar".
Porém, ou "pela pouca curiosidade dos homens, ou por não haver regadias, ou pelo
pouco poder, cessou a granjearia delas". Falta de interesse, de capitais e
escassez de águas.
Nos finais
do século XV a ilha rendia bem em trigo e em urzela, mas não há vestígios de
açúcar. Nas outras ilhas também se experimentou, mas o êxito terá sido sempre
limitado, salvo em São Miguel. A conjugação de abundantes chuvas com
temperaturas relativamente quentes não era fácil de ocorrer num clima atlântico
temperado. Mas algum açúcar se ia fazendo.
O que era uma esperança de mais rendimentos: o foral da alfândega dos Açores, de 1499, ainda o referia. E de 1502 a 1505 a fazenda régia arrecadou 5 mil arrobas cada ano no arquipélago. O que pode significar um total de 15 mil arrobas de produção. Em 1509, será da ordem das 20 mil arrobas, enquanto na Madeira atingiria por esse tempo as 70 mil. Não era abundante, nem viera para ficar. Quando muito interessava para o consumo local, longe de atingir a qualidade e as quantidades de uma colheita para exportação como a que se instalara na Madeira. Em 1515 o rei dom Manuel faz mercê à Misericórdia de Ponta Delgada de 2 arrobas de açúcar "para provimento dos doentes que à sua casa se vem curar". Açúcar a ser retirado dos rendimentos dos quintos do açúcar da Madeira.
O que era uma esperança de mais rendimentos: o foral da alfândega dos Açores, de 1499, ainda o referia. E de 1502 a 1505 a fazenda régia arrecadou 5 mil arrobas cada ano no arquipélago. O que pode significar um total de 15 mil arrobas de produção. Em 1509, será da ordem das 20 mil arrobas, enquanto na Madeira atingiria por esse tempo as 70 mil. Não era abundante, nem viera para ficar. Quando muito interessava para o consumo local, longe de atingir a qualidade e as quantidades de uma colheita para exportação como a que se instalara na Madeira. Em 1515 o rei dom Manuel faz mercê à Misericórdia de Ponta Delgada de 2 arrobas de açúcar "para provimento dos doentes que à sua casa se vem curar". Açúcar a ser retirado dos rendimentos dos quintos do açúcar da Madeira.
Pouco em quantidade
seria em São Miguel e, provavelmente, também pouco seguro seria que o houvesse
todos os anos. Tinha acabado o "tempo dos açúcares" – que nunca chegara a ser.
Todavia, a cultura
sacarina não terá ficado completamente esquecida: por 1540 houve algumas
tentativas de retomar o cultivo – talvez como resposta a uma crise generalizada
na agricultura regional – e também pela sua baixa na Madeira.
Aconteceu em São Miguel, na fachada sul da
ilha, nas imediações de Vila Franca do Campo. Trazendo mesmo mestres de engenhos
da Madeira. Parecia que as coisas iam bem, e estiveram os engenhos "moentes e
correntes alguns anos". Em 1552 na ilha Terceira há uma tentativa de plantar
cana na esperança de que se dê açúcar, "como se dá na ilha de São Miguel". Era
ainda uma experiência, que o requerente queria fazer, para o que pedia a
utilização de águas de um ribeiro.
Na Ribeira Grande, na ilha de São Miguel, em
1554, mais de 517 arrobas houve de produção, estando em laboração pelo menos um
engenho. A qualidade do açúcar e a forma de o tratarem pode ter contribuído para
o insucesso dos carregamentos. Pelo menos isso aconteceu em 1563 em Vila Franca,
em que venderam os açúcares "sem serem purgados e os estrangeiros que os levaram
escandalizados d'isso, dizem agora que nem de graça tomarão açúcar d'esta ilha".
Problemas com a transformação e com a qualidade que dela resultava. Por não ser
bem purgado nem ficar enxuto como convinha.
Porque o mercado
externo era exigente, havia que pôr todo o cuidado na preparação do que se
exportava. Sob pena de se arredar a procura. O que significa que os compradores
sabiam bem o que queriam, talvez por habituados aos muitos cuidados que a
produção madeirense e editerrânea conheciam. Com mestres sabedores na feitura,
com alealdadores competentes na verificação da qualidade. Destes não os havia
nos Açores, e como resposta a estas queixas a prevenção não era a mais capaz,
pois encarregava a câmara de Vila Franca de atestar a bondade do produto quando
a venda passasse as 2 arrobas.
Em finais do século
XVI o cronista das ilhas, Gaspar Frutuoso, já diz que numa ribeira em São Miguel
"estiveram quatro engenhos de açúcar, no tempo em que as canas dele floresciam
(
) e estes todos estão desfeitos de tudo, sem haver sinal deles, depois que o
bicho das canas prevaleceu". Mas ainda se insistia nessa safra, e em 1584, algum
açúcar se fazia, embora "não tão bom como na ilha da Madeira".
Por finais do
século ainda próximo de Vila Franca um engenho rendia muitas arrobas de
açúcar. Em 1597 os assaltantes
ingleses ainda aí acharam açúcar para saquear.
Também na Ribeira Grande, os "moradores não são
tão ricos como honrados e nobres, por perderem muito de suas fazendas com
fianças e invenções de canas-de-açúcar que o bicho comeu". Mesmo nas serranias
do meio da ilha se tentou o cultivo, sem êxito. Na ilha das Flores se deram
"canas-de-açúcar, mas, por não acharem proveito nelas, as deixaram". Entusiasmados com a fortuna que
se sabia que o produto podia proporcionar, muitas teriam sido as tentativas. Mas
o rendimento obtido desencorajava a continuação. Enquanto na Madeira o açúcar
"alevantava e engrossava muito os homens," nos Açores os canaviais "somente
estavam viçosos".
Interessaria à
fazenda real que o açúcar se tivesse expandido nos Açores? Talvez não, num
primeiro momento. A estas ilhas destinava-se a produção de trigo que interessava
ao Portugal deficitário em cereais – o que permitia ainda à ilha da Madeira
dedicar-se ao açúcar, recebendo o pão dos Açores. A especialização ocorreu. E a
cultura da cana doce, por fracos rendimentos iniciais, terá sido abandonada, ou
menos prezada. Por 1540, para fazer frente a dificuldades grandes, tentou-se
retomar uma produção que em outros lados se sabia que tinha mercado no exterior.
E que permitia diversificar as culturas, pelo menos na ilha de São Miguel. Com
resultados que não atingiram o que se pretendia. Por razões naturais, pela pouca
aptidão do clima em especial. Sem que se esqueçam as razões comerciais. É que
nos finais do século XVI já nem a qualidade do açúcar madeirense podia fazer
frente à produção brasileira. Porque esta era agora a região exportadora de
açúcar. Com dois concorrentes tais – apesar de ocorrerem em dois tempos
diferentes –, o açúcar açoreano nunca se destacou no mercado internacional. E
acabou por ser quase esquecido: no século XVII não há vestígios dessa cultura
nas posturas municipais de Ponta Delgada. Fora um breve namorico.
Ilha do Corvo |
Por 1460-1462 mais
ilhas foram descobertas no Atlântico "contra Guiné através do Cabo Verde".
Dever-se-á o achamento a Diogo Gomes e António da Noli, as cinco primeiras
(Santiago, Fogo, Maio, Boavista e Sal) – e a Diogo Afonso, as restantes (São
Nicolau, Santa Luzia, São Vicente, Santo Antão); só depois se verá a que
denominaram Brava.
Ilha das Flores |
Ilha do Pico |
Todavia, difícil e moroso se
tornou encontrar gente disposta a ir para lá. Isto por "ser tão alongada de
nossos reinos". Isto também
apesar das isenções fiscais que o monarca concedeu. Mais: os moradores ficavam
livres de pagamento de direitos alfandegários na introdução no reino de produtos
do trato com as costas africanas fronteiras. Desde que os conseguissem por troca
com "suas novidades e colheitas". O que acabou por significar fazer do
arquipélago um entreposto no trato de escravos africanos, que era o que de mais
comum e de maior valor os moradores traziam dos rios de Guiné. A que havia que
juntar milho, arroz, marfim e cera, também daí provenientes.
Ilha do Faial |
Começa a colonização do arquipélago precisamente pela ilha de Santiago, a maior do conjunto destas ilhas, de razoáveis ancoradouros e com alguma água. A que se reconhece alguma fertilidade. "Esta ilha dá todas as frutas de Portugal que se nela plantam, figos, uvas, melões, açúcares, e todas as outras frutas há por todo o ano. Não dá trigo nem cevada. Dá milho e arroz como em Guiné. Ele tem grandes criações d'animálias e gados"; assim se pode ler no Códice de Valentim Fernandes (1506-1508), onde o mapa mostra um traçado bem próximo da realidade.
Ilha Graciosa |
Mesmo assim,
às vezes sofriam "muitas mínguas" de mantimentos. Porque Santiago interessava,
mas como escala dos navios que iam e vinham para Guiné, Mina, Angola, Brasil e
Índia e como fornecedor de algodão para com ele se resgatarem escravos nos rios
de Guiné.
Como as
temperaturas pareciam propícias, também em Cabo Verde se tentará aclimatar a
cana doce. Mas aí não se poderão multiplicar explorações extensivas. Só se
planta junto das ribeiras, que a água era escassa: "os frutos não se dão nesta
terra senão de regadio".
Ilha de São Jorge |
Ilha Terceira |
A agricultura, salvo a do algodão na ilha do Fogo – cultura de sequeiro – para pouco chegava, tendo as subsistências muitas vezes de ser importadas. Para os que nas ilhas moravam e para fornecimento aos que iam aos tratos nos rios de Guiné vai biscoito de Lisboa, ou de Castela. Como vai farinha, trigo, passas, figos e outros comestíveis. E até mesmo algum açúcar das Canárias, em 1515. Embora exporte couros e mesmo alguma carne salgada. O atrativo comercial de Santiago residiu desde cedo nos escravos, que em grandes quantidades aí eram embarcados com destino à Europa ou à América.
Não era o açúcar,
pois, uma produção que tivesse nas ilhas de Cabo Verde uma expressão que se
destacasse. Mas nem por isso deixava de se tentar. Por 1540, se sabe que em
Santiago dentro da fazenda da Trindade "estão dois engenhos trapiches de fazer
açúcares, com todo o cobre e mais cousas necessárias aos ditos engenhos". Em
Santa Cruz, uma outra fazenda do mesmo senhorio, se escreve que havia "um
engenho trapiche de açúcar".
Açores - Turismo |
O que significa que não dava nas
vistas, mesmo a um visitante curioso dos recursos das ilhas. Em finais do século
Gaspar Frutuoso assinala que a "ilha de Santiago dá muito açúcar, e fazem-se
nela muito boas conservas, ainda que nada disto chega ao da ilha da Madeira".
Açores - Turismo |
Embora continuando
a ser cultivada, desde cedo se constatou que a cana doce apenas dava para algum
abastecimento local em açúcar e em aguardente, não sendo suficiente para
exportação. Abastecimento local, pois, e para o trato nos rios de Guiné onde a
aguardente era apreciada e se tornará valiosa para a troca de mercadorias.
Na maioria das ilhas de Cabo
Verde a secura e a aridez do clima não podiam ser vencidas. Os três meses de
chuvas por ano, e por vezes escassas, para mais não dariam. E esses eram os
principais obstáculos, porque não faltaria mão-de-obra servil, proveniente da
costa africana fronteira para os trabalhos da plantação e mesmo da
transformação.
Da colonização de
Cabo Verde se pode dizer que se formou uma sociedade escravocrata. E
encontram-se até escravos especializados em tarefas ligadas com o açúcar – mesmo
um "mestre de açúcares".
Açúcar que não está isento do pagamento do terço ao rei, todavia avaliando-se
pelos preços da ilha da Madeira.
Mas isso não basta. E os resultados dessa muito
pequena produção ficam evidentes logo no princípio do século XVI: para 70 mil
arrobas na Madeira (1508) e 20 mil nos Açores (1509), não mais de 4 nas ilhas de
Cabo Verde (1508 e 1509).
Os portugueses
persistem nos seus intentos de devassar o Atlântico para sul. Durante o período
de arrendamento das explorações da costa africana a Fernão Gomes – 1469-1473 –
os navegadores descobrem mais ilhas no golfo de Guiné. Serão Fernando Pó, Ano
Bom, Santo António (depois chamada Príncipe) e São Tomé. Destas, pela sua
posição e pela fertilidade do solo, será a de São Tomé que atrairá as atenções
da Coroa. Também pela sua situação favorecer as relações marítimas.
E será essa uma ilha que
satisfará plenamente os requisitos para a aclimatação da cana-de-açúcar – água
em abundância, temperaturas elevadas, solo fértil – que primeiro havia que
limpar da sua densa cobertura de árvores de grande porte. A colonização arrancou
de forma mais lenta do que a das demais ilhas do Atlântico anteriormente
achadas. A distância a que fica de Portugal explica essa demora. O senhorio da
ilha sempre se manteve na posse da Coroa. Os infantes ou os seus sucessores não
a receberam em doação, como ocorrera com as outras ilhas. Novos tempos em que a
aristocracia já não tem o mesmo poder dos tempos anteriores? É muito provável.
Logo na carta de privilégios que segue de perto a doação ao primeiro capitão da ilha, o escudeiro João de Paiva, em 1485, se prevê a cultura da cana sacarina. Pelo mesmo tempo aos moradores é concedido o privilégio de navegarem para o litoral do golfo de Guiné, na região a que chamavam os "Cinco rios dos Escravos" que ficavam para além da Mina – ou seja, na costa norte do Golfo. Com excepção do resgate do ouro, que se reservava em monopólio para a Coroa.
Poderoso incentivo, este do trato de escravos.
Que depressa se desenvolve. Atenta às primeiras experiências de aclimatação de
plantas logo a realeza se convenceu que aí as "canas crescem três vezes mais que
na ilha da Madeira", o que implica alguma observação já feita. Mas o primeiro
donatário, como o segundo, o fidalgo João Pereira, em 1490, não conseguiram que
se iniciasse a colonização da ilha. O falhanço destas primeiras tentativas não
apressaria a chegada de povoadores, embora se presuma que alguns tenham ido. Com
a entrega da capitania ao fidalgo da casa real Álvaro de Caminha, que para lá se
deslocou em 1493, então sim se começa o povoamento de mais uma ilha.
Com ele foram uns 2 mil meninos
de 8 anos para baixo, que tinham sido retirados aos pais, judeus castelhanos, e
enviados depois de baptizados à força. Cerca de 600 terão sobrevivido,
contribuindo para o povoamento de São Tomé. Também seguiram degredados, como
tinha acontecido para a Madeira e para os Açores, e para aqui em bom número.
Poucos anos depois
aí se contavam uns mil moradores, alguns que para lá foram "por seu grado (
),
deles por soldo, deles pelo resgate de Guiné, porém os mais são os degredados".
Sociedade que arranca logo com uma ampla base de escravos. A cada degredado
mandava o rei que fosse entregue um escravo ou uma escrava negra "para sua ajuda
e serviço qual ele quisesse." Depressa se instalam e multiplicam os servos, "que
lhe trabalham e roçam e criam inhames e milho com que ganham bem". Mais de 2 mil
seriam os escravos na ilha, em princípios de quinhentos, a que há que somar os
que por lá transitavam, por vezes 5 ou 6 mil.
Aproveitando a abundância de águas e as elevadas temperaturas equatoriais, logo se plantam "grandes canaviais de açúcar e as canas maiores que da ilha da Madeira, de que já fazem melaço e daqui avante quer o capitão mandar fazer açúcar e cada dia cresce mais".
Aproveitando a abundância de águas e as elevadas temperaturas equatoriais, logo se plantam "grandes canaviais de açúcar e as canas maiores que da ilha da Madeira, de que já fazem melaço e daqui avante quer o capitão mandar fazer açúcar e cada dia cresce mais".
Em 1499 ainda se não fazia
açúcar, embora o capitão tivesse consigo os necessários utensílios de cobre para
as operações. Era a espera para ver o que dava a produção dos canaviais. Poucos
anos depois, em 1506, se escreveu que nesta "ilha se criam as canas d'açúcar em
tanta vantagem das outras partes que não pode mais ser". O que coloca o plantio da cana doce já bem
dentro do século XVI, a que se vai juntar alguma produção na pequena e próxima
ilha do Príncipe. Mas os
colonos de São Tomé ter-se-iam dedicado de início sobretudo aos negócios no
espaço marítimo em que se encontravam, e muito em especial navegando para São
Jorge da Mina. No trato de escravos.
O binómio
açúcar-escravos instala-se pela primeira vez no império português. Porque se o
trabalho escravo já ocorrera nas outras ilhas, nada de semelhante dimensão até
então acontecera. Em 1515 e em 1517 os escravos e descendentes dos que
acompanharam os primeiros povoadores foram alforriados. Faziam parte do grupo
diversificado que iniciara a exploração da ilha e teriam relações de trabalho e
de solidariedade com os colonizadores europeus que primeiro se instalaram.
Ligações de interesses que se estabelecem em sociedades isoladas. Mas ficariam a
formar um grupo social bem distinto. Como antigos servos que se não confundem
com os escravos que continuamente vêm de Benim, de Guiné, do Gabão e do
Manicongo. A somar – e a
complicar – esta diversidade estavam os mestiços que entretanto se criaram. Que
formariam um estrato social crioulo diferenciado.
Primeiro houve que
desbravar a ilha, desbastando a cobertura vegetal cerrada. Derrube e queima, que
deixaram tratos de solos bons para o plantio das canas-de-açúcar, sobretudo
junto das costas. Porque a exuberante floresta equatorial continuou no interior
montanhoso. A produtividade logo se revela alta, e contínua: "em todos os meses
as plantam e cortam [as canas]". O número dos engenhos vai multiplicar-se,
sobretudo no Nordeste da Ilha, com boa aptidão para a cultura canavieira.
Por 1517 já a cana doce devia
produzir com toda a pujança. Tratava-se então de construir o terceiro engenho,
grande, que dois outros já laboravam. Havia água, não faltava lenha. "E as canas
as mais façanhosas que em minha vida vi. (
) Há cá muitas canas tão grandes que
nenhum homem em pé alevantado a mão lhe pode alcançar. E pela mor parte são
todas tais". A cana estava em
plena expansão. Em 1522 teme-se na Madeira a concorrência desta nova produção.
Que por 1525 devia atingir as 111 mil arrobas ou talvez mais. E que tinha saída para a Flandres. Em 1532 a
câmara de Lisboa proibiu o uso do açúcar de São Tomé misturado com açúcar da
Madeira em conservas, o que indignou os mercadores e confeiteiros da capital. O
próprio rei negocia em açúcar que manda comprar na ilha.
Em 1540-1541
contam-se ali "cerca de 60 [engenhos] movidos a água, com a qual se mói e
espreme a cana". "Esta ilha produz à volta de 150 mil arrobas de açúcar e até
mais". O surto açucareiro de São Tomé contou com a ida de homens da ilha da
Madeira, experimentados na fabricação. Já então era comum a ida de navios de
Lisboa para carregar açúcares a São Tomé. Porque a "principal ocupação dos
habitantes é fabricar açúcar e vendê-lo aos navios que todos os anos o vão
buscar".
Mercado para o açúcar – agora o de São Tomé – continua a ser o flamengo. 112 navios entram com açúcar no porto de Antuérpia de 1535 a 1548, quase exclusivamente de São Tomé. Atividade assente no trabalho de escravos, que cultivam "a terra para plantar e fazer o açúcar. E há homens ricos que possuem 150, 200 e até 300 [escravos], entre negros e negras, os quais têm a obrigação de trabalhar toda a semana para o seu senhor, menos ao sábado, em que trabalham para a sua sobrevivência". Servidão, mais do que escravidão? As duas situações coexistem, e tornam-se muitas vezes conflituais.
Mercado para o açúcar – agora o de São Tomé – continua a ser o flamengo. 112 navios entram com açúcar no porto de Antuérpia de 1535 a 1548, quase exclusivamente de São Tomé. Atividade assente no trabalho de escravos, que cultivam "a terra para plantar e fazer o açúcar. E há homens ricos que possuem 150, 200 e até 300 [escravos], entre negros e negras, os quais têm a obrigação de trabalhar toda a semana para o seu senhor, menos ao sábado, em que trabalham para a sua sobrevivência". Servidão, mais do que escravidão? As duas situações coexistem, e tornam-se muitas vezes conflituais.
No entanto, a
qualidade do açúcar não seria a melhor devido à humidade elevada, que não
permitia que enxugasse e endurecesse como convinha ao seu transporte. Apesar de
o guardarem com cuidado, as condições naturais punham limites à sua conservação,
pelo que havia pressa em o vender. A sua qualidade, porém nunca foi considerada
como semelhante à da ilha da Madeira. Pelo contrário, em 1578 a arroba de açúcar
de São Tomé valia 4 vezes menos do que a da Ilha da Madeira. Mas ainda seria
muito volumosa a produção, da ordem das 200 mil arrobas nos anos terminais do
século XVI. Para rapidamente
decair. No que pode ter intervindo a moléstia das plantas. Em 1579 deu sobre as
canas "o mal de praga, nunca visto", de que resultou que "se não fez açúcares
nenhuns". Seria doença temporária, ligada com ocasional escassez de chuvas, mas
que causou fortes abalos à regularidade da produção.
Ao contrário da
Madeira, dos Açores ou mesmo de Cabo Verde, é aqui que surge a primeira cultura
de plantação. Obtida a terra, a pessoa que se quer tornar produtor
compra imediatamente uns tantos negros com as suas negras e põe-nos a cultivar o terreno, isto é a abater as árvores e depois a queimá-las para plantar a cana-de-açúcar. O senhor não fornece coisa nenhuma a estes negros, mas como ficou dito acima, eles trabalham toda a semana para o senhor e apenas ao sábado para garantir o seu próprio sustento.
Andam nus, só
resguardando as partes vergonhosas. A "raiz do inhame é o seu sustento". Bastante escravaria ocupada em
permanência; em grandes quantidades ainda a escravaria que por ali transita a
caminho de outros destinos. A ilha é um "depósito e centro distribuidor" de
escravos. E poucos são os
colonos para dirigirem o aproveitamento da ilha.
Porque poucos eram
os europeus aí moradores. Muitos os escravos, muitos os mestiços. O que vai pôr
em perigo o estabelecimento colonizador do golfo de Guiné. Desde cedo os
escravos fogem, organizam-se em comunidades, revoltam-se. Assim evitavam serem
enviados para as plantações do Brasil ou das Caraíbas. Quilombos agressivos.
Pelo menos desde 1530 que ocorrem as fugas de grande número de escravos. Nesse
ano foram para as serras 230. Eram chefiados pelos designados mocambos. Mocambo
é nome depois dado a estes grupos de escravos fujões.
É verdade e notório que o mocambo com muita gente andam no mato fazem quanto dano podem em matar e roubar homens e destruir fazendas, o que todo é perda e dano do povo desta ilha e moradores dela e desserviço d'el-rei nosso senhor e muita perda de sua fazenda e rendas que em esta ilha tem.
escreve-se em
1535. O que vai provocar uma
repressão destes desmandos. Em que avulta um novo cargo de "meirinho da serra."
Que irá organizar uma persistente "guerra do mato". Por meados do século
enceta-se um movimento inverso, de regresso destes fugidos. Que eram acolhidos
como homens livres.
A grande rebelião
de 1574 dos angolares provoca destruições nos engenhos e leva à quebra da
produção açucareira. A exportação baixa, naturalmente. No fim do século também
já se diz que as plantações estão diminuindo, devido a uma doença que rói as
raízes das canas. Mas a doença social não seria menos grave. Porque se temiam
sempre os "negros alevantados" que podiam provocar mortes e pilhagens. Os
revoltosos chefiados pelo proclamado rei Amador destroem 70 engenhos de açúcar,
em 1595. O grupo dominante da sociedade local também se não entendia dentro de
si mesmo, lutando pela riqueza e reputação, com conflitos graves entre as
autoridades civis e religiosas.
O "governador queria ser prelado, o cabido queria ser governador, o ouvidor queria ser soldado e todos eles queriam ser tudo". E de tudo a economia se ressente. Inevitável. Com esta instabilidade interna e em período de concorrência com o Brasil, o açúcar de São Tomé entra em depressão.
O "governador queria ser prelado, o cabido queria ser governador, o ouvidor queria ser soldado e todos eles queriam ser tudo". E de tudo a economia se ressente. Inevitável. Com esta instabilidade interna e em período de concorrência com o Brasil, o açúcar de São Tomé entra em depressão.
O açúcar e os
escravos fizeram a fortuna da ilha. Ilha que, arruinada a cultura sacarina, se
mantém atrativa para o trato de mão-de-obra, pelo que será atacada e pilhada por
piratas e por tropas estrangeiras. Conquistada pelos holandeses e de seguida
retomada, no século XVII. Porque era considerada indispensável para sustentar o
fornecimento de escravos ao Nordeste brasileiro. A prosperidade açucareira dos
anos de quinhentos fica para ser lembrada.
Oriundo do sueste
da Ásia, estabelecido e desenvolvido no mar Mediterrâneo pelos árabes, conhecido
na Europa com as Cruzadas, o açúcar vai expandir-se pelas ilhas do Atlântico
durante os anos de quatrocentos e de quinhentos. Onde quer que cheguem os
portugueses tentam adaptá-la ou pelo menos observar a existência de condições
favoráveis à aclimatação. Na África, também se poderia ter instalado a nova
cultura. Na região do Gâmbia se sabe que "se podiam fazer formosos canaviais de
açúcar".
Também no vale do Quanza, em Angola, poderia ter sido tentada uma boa produção. Mas não: nos anos de quinhentos a África não interessava como produtora de plantas, mas como fornecedora de cativos e de metais preciosos: ouro, que se resgatou em grandes quantidades, prata que em vão se procurou. Por isso nem sequer a cultura canavieira foi experimentada. A concessão da capitania de Angola a Paulo Dias de Novais foi tardia: 1571.
Mais tardio ainda o início da instalação: 1579-1580. Os rendimentos que imediatamente se esperavam eram os da venda de escravos e as miríficas minas de prata que a fantasia europeia por ali tinha colocado, não se sabia onde. Minas buscadas sem nunca se acharem. Em ocupação do território dificultada pelas resistências dos naturais, que levaram a imprimir à presença portuguesa o cariz de verdadeira conquista à mão armada. Embora a cana sacarina se adaptasse bem, não se seguiu a sua exploração. Com o estado de guerra quase permanente e a preocupação com o trato de escravos não ficavam lugares para uma pacífica economia agrária destinada à exportação.
Também no vale do Quanza, em Angola, poderia ter sido tentada uma boa produção. Mas não: nos anos de quinhentos a África não interessava como produtora de plantas, mas como fornecedora de cativos e de metais preciosos: ouro, que se resgatou em grandes quantidades, prata que em vão se procurou. Por isso nem sequer a cultura canavieira foi experimentada. A concessão da capitania de Angola a Paulo Dias de Novais foi tardia: 1571.
Mais tardio ainda o início da instalação: 1579-1580. Os rendimentos que imediatamente se esperavam eram os da venda de escravos e as miríficas minas de prata que a fantasia europeia por ali tinha colocado, não se sabia onde. Minas buscadas sem nunca se acharem. Em ocupação do território dificultada pelas resistências dos naturais, que levaram a imprimir à presença portuguesa o cariz de verdadeira conquista à mão armada. Embora a cana sacarina se adaptasse bem, não se seguiu a sua exploração. Com o estado de guerra quase permanente e a preocupação com o trato de escravos não ficavam lugares para uma pacífica economia agrária destinada à exportação.
A cana doce foi
sendo experimentada nas ilhas do Atlântico, passando depois ao Brasil – como
pelas Canárias terá chegado às Caraíbas. Arrancando com alguma lentidão na Terra
de Santa Cruz a partir do litoral de São Vicente, em breve se diz na Paraíba do
Sul que há "muitos engenhos d'água feitos e pode já agora render muito havendo
paz na terra". Mas a grande
produção vai estabelecer-se em Pernambuco, com o capitão Duarte Coelho. Por
volta de 1570 o açúcar já atingia enormes quantidades além-Atlântico, chegando a
1200 mil arrobas por 1600. A cana estava transformada numa grande produção
tropical. Ao conquistar o
Brasil o açúcar tinha conquistado o mundo. Foi uma das grandes culturas que de especiaria
cara, usada em medicina por gente de posses, se tornou comum e de consumo muito
elevado. Embora mantendo-se como produto de luxo, porque nem todos, em toda a
parte, lhe podiam chegar. Ao encontrar solos, climas e águas propícias volveu a
mais próspera indústria de base agrícola da cristandade. Para o que contou com o
ser-lhe afetado um contingente de mão-de-obra numerosa. Mão-de-obra forçada ao
trabalho, mão-de-obra escrava, espoliada à África negra.
As primeiras
canas-de-açúcar idas para o Brasil seriam de São Tomé? Não se sabe, mas é mais
provável que tenham sido levadas da Madeira. Porque se o açúcar da Madeira era
considerado o melhor dos dois, não seria do que se tinha por menos bom que se
iriam transportar as plantas para que se aclimatassem e expandissem
além-Atlântico. Tanto mais que experientes mestres madeirenses para o Pernambuco
foram, logo entre os povoadores que acompanharam Duarte Coelho. De São Tomé
teriam sido transportados muitos escravos. Isso sim. Alguns tendo aí feito a
aprendizagem dos trabalhos de cultura e transformação.
Açúcar e escravos:
a doçura do produto vinha amargada pela violência a que eram forçados os que
plantavam, cortavam e transportavam a cana de açúcar e ainda os que moíam,
vigiavam a cozedura, purgavam, secavam, enformavam e embalavam o açúcar. Para
além da apanha e carreto da lenha para aquecer as caldeiras. Entre o lavrador e
o consumidor interpunham-se muitas e especializadas operações até se obter o
doce final que chegava às mesas e às mezinhas dos que podiam comprá-lo. Açúcar e
escravos, conjugação que vai ter consequências de monta no que se irá passar no
Novo Mundo, no Brasil e nas Caraíbas. Porque cedo se articularão. E um não vai
sem os outros. Exigindo a violência da captura, prisão e transporte de africanos
para as Américas. Multiplicando as cores dos homens com que se vai povoando o
mundo.
Expansão Portuguesa (Séculos XV e XVI) |
As "Donas Amélias" são as queijadas típicas da Ilha
Terceira
A receita original |
Esta é a receita original, foi preparada e oferecida pelas
senhoras de Angra do Heroísmo
à Rainha D. Amélia de Orleans e Bragança, em 1901, durante a sua
Visita Régia
O Alfenim ainda hoje é muito frequente e apreciado nas ilhas do grupo central, sobretudo na ilha Terceira
Alfenim, o sabor árabe no ritual cristão…
No Século VIII, os Árabes invadem e ocupam a Península Ibérica e terá sido nessa altura que introduziram esta gulodice, confeccionada com açúcar ou melaço de cana, designada por “al-fenid” ou “al-fanid” significando a palavra árabe branco ou alvo e derivando em “alfenim” na língua portuguesa e que era um doce muito popular no sul de Portugal.
A guloseima “al-fenid” ou “alfenim” vai influenciar a confecção de doçaria na região do Algarve e, também, em Portugal.Em 1404, no tempo de D. João I, inicia-se o cultivo da cana do açúcar no Algarve devido à grande procura do açúcar.Em 1425, o Infante D. Henrique manda introduzir a cana do açúcar na ilha da Madeira. Assim, aumenta a produção de açúcar a nível nacional e permite a variedade e a qualidade da doçaria em Portugal.Em 1465, algumas famílias do Algarve vem povoar a parte oeste da ilha Terceira, ou ilha de Jesus Cristo e, possivelmente, poderão ter introduzido esta arte de confeccionar o açúcar e transformá-lo em “alfenim”.
Por exemplo, essa influência mourisca está patente na Ribeira do Mouro na freguesia das Cinco Ribeiras.No século XVI, o Alfenim aparece citado em obras de Gil Vicente e de Jorge Ferreira de Vasconcelos por ser uma gulodice popular em Portugal.Com o descobrimento e colonização do Brasil é introduzida a cana do açúcar onde também, se passa a fabricar o “Alfenim” ou “Alfeninho”. Em 1516 foi enviado ao Papa Leão X a escultura do Sacro Colégio, com todos os cardeais em tamanho natural feitos em alfenim que foi oferta do Terceiro Capitão Donatário do Funchal, D. Simão Gonçalves da Câmara.
O culto do Espírito Santo tem um grande incremento a partir do século XII-XIII aquando do “Milagre das Rosas” da Rainha Santa Isabel e a Coroação dos Pobres na Vila de Alenquer iniciando-se a Devoção ao Divino do Espírito Santo - Terceira Pessoa da Santíssima Trindade simbolizado pela Pomba Branca.
Mais tarde, o “alfenim” ou “al-fenid” devido á sua brancura, que é subentendida como pureza e purificação, foi assimilado e introduzido no culto religioso cristão. Desde então, o doce “alfenim” foi transformado em peças de arte gastronómicas tais como a Pomba Branca representando o Espírito Santo, e todos os outros símbolos utilizados no ritual de celebração da Festa do Espírito Santo ou dos Santos Padroeiros como a coroa, a rosquilha de pão, os animais e outros motivos decorativos que eram doados à Irmandade do Espírito Santo ou outras e, mais tarde, leiloados revertendo a venda para a organização da festa. No caso de graça obtida, a pessoa encomenda à doceira que confeccione uma peça com a simbologia ou outras formas, em “alfenim”, indicando o peso da peça que pretende, a parte do corpo que beneficiou de uma graça do Divino Espírito Santo: um braço, uma perna, um pé, etc..O “alfenim” surge assim, associado às Festas do Espírito Santo e dos Santos Padroeiros, ofertado em retribuição das graças obtidas
Texto de: J. H. Pires Borges
HISTÓRIA DA SINAGA
1950 - Fábrica da SINAGA em São Miguel |
Como o mercado do Continente era ávido de
álcool industrial, a cultura da batata-doce levou à construção, nos Açores, de
cinco fábricas de álcool (duas na Terceira e três em S. Miguel).
Na Ilha
de S. Miguel, a primeira a surgir foi a fábrica da Lagoa, em 1882, a seguir foi
a fábrica de Sta. Clara, em 1884, e finalmente foi a vez da unidade da Ribeira
Grande, em 1890.
É este o contexto histórico que conduz ao grande incremento do fabrico de álcool nos Açores, sendo de realçar que, no fim do século passado, foi a cultura da batata doce que contribuiu decisivamente para a modernização da mesma indústria.
A Região dos Açores, nessa altura era
ponto de passagem obrigatório para os navios que iam para a Europa, razão pela
qual os residentes no Arquipélago acompanhavam o processo de evolução da mesma
indústria.
Havia a consciência de que a batata-doce tinha grandes
possibilidades de ser cultivada nas ilhas. Associando este aspecto ao da crise
da laranja, fica a perceber-se o surgimento da indústria do
álcool.
Porém, na Europa, a doença da filoxera atingiu gravemente as
vinhas.
A imediata consequência disso foi uma crise séria na produção do
vinho, e por isso, o consumo de álcool começou a aumentar, aspecto este que foi
determinante para o incremento da cultura da batata-doce.
A produção do
álcool, na Região, foi muito importante e positiva durante os últimos 20/30 anos
do século XIX - isto, apesar dos muitos obstáculos que lhe foram levantados,
conforme foi o caso da criação do monopólio do álcool.
Nessa altura, o
Ministério da Fazenda introduziu taxas de captação de dinheiro que arruinavam
completamente a indústria do ramo, o que provocou profundas reacções na época,
tanto da parte dos investidores, como da parte da própria classe
trabalhadora.
Para agravar ainda mais a revolta na Região, sabia-se que
os lucros da indústria açoriana do álcool, eram para aplicar na construção dos
caminhos-de-ferro de Portugal Continental.
Além disso, a publicação de um Decreto de 1901 que visava defender os interesses da indústria continental, veio limitar a produção de álcool nos Açores!
E nesse tempo, a Região dos
Açores já produzia 10 milhões de litros de álcool por ano, tanto quanto Portugal
consome actualmente.
Assim, o Decreto de 1901, fez com que a produção de
álcool no Arquipélago fosse reduzida para 2 milhões de litros/ano encerrando-se
quatro unidades do ramo, duas na Ilha Terceira, e duas na Ilha de S.
Miguel.
O continente, deste modo, prejudicou, sem margem para dúvidas, o
desenvolvimento da indústria do álcool nos Açores.
É assim que aparece a
beterraba - a nova cultura que serviu para os Açores responderem à política
restritiva do Governo de Lisboa. As primeiras experiências com a cultura da
beterraba açucareira já haviam sido feitas no último decénio do século XIX, por
Henrique Bensaúde, pelo Eng. José Cordeiro e pela antiga Estação
Agrária.
Em 1902, assim (devido à crise gerada pelo Decreto de 1901),
formou-se a União das Fábricas Açorianas do Álcool, UFAA, (que só viria a
desaparecer em 1969), e que pediu autorização do Governo para instalar uma
fábrica de laboração beterraba açucareira em S. Miguel, com vista à produção de
açúcar.
O álcool passaria então, a ser extraído, também, de melaço, um
derivado da beterraba sacarina, ultrapassando-se, desta forma, a crise do álcool
da batata doce que, mesmo assim, continuou a ser produzido na fábrica da Lagoa,
até 1969.
Em 1903, foi finalmente dada autorização pelo Governo, para a
instalação de uma unidade industrial para a produção de açúcar, mas com a
condição do projecto ficar concluído no período máximo de três anos.
A
UFAA aceitou o desafio e mandou mesmo construir a Fábrica de Açúcar de Sta.
Clara, exactamente no mesmo espaço que era ocupado pela Fábrica de Destilação de
Álcool.
No mês de Dezembro de 1905, a fábrica de Sta. Clara ainda fez a
sua última campanha do álcool, e seis meses depois (em meados de 1906) a unidade
açucareira já estava instalada (um tempo verdadeiramente recorde, de facto)
tendo a fábrica laborado, então, já no mês de Julho desse ano 7.500 toneladas de
beterraba, durante um período de cerca de três semanas.
1969 foi o ano da
grande viragem histórica, no que respeita à produção do açúcar e do álcool nos
Açores.
A SINAGA (actualmente com capital social de 800.000 contos)
adquiriu à UFAA as duas unidades industriais de que aquela empresa era
proprietária - a de Sta. Clara (açúcar) e a da Lagoa
(álcool).
Presentemente a SINAGA excede 100 funcionários efectivos e
trabalha com mais de mil agricultores micaelenses que lhe fornecem
beterraba.
A fábrica do açúcar é uma industria sazonal, tal como qualquer
outra fábrica beterrabeira que só trabalha de 50 a 80 dias por ano, em regime
contínuo de três turnos, durante 24 horas por dia, complementando-se com a
fábrica do álcool que nunca trabalha em simultâneo.
Atendendo ao clima
temperado e húmido dos Açores, a laboração da fábrica começa sempre no mês de
Agosto.
Nos tempos da UFAA, a fábrica do açúcar trabalhava cerca de
500/600 toneladas de beterraba por dia.
Na década de 70, a SINAGA decidiu
fazer uma remodelação profunda na unidade, processo esse que foi acompanhado, na
íntegra, pela British Sugar Corporation (ao tempo, a maior produtora de açúcar
de beterraba do mundo).
A partir daí, a fábrica de Sta. Clara ficou com
uma capacidade de corte de 1.000 toneladas de beterraba/dia.
Contudo,
nesse tempo, só havia uma cultura de beterraba por ano em S. Miguel - a chamada
"cultura da Primavera" - semeada em Fevereiro/Março de cada ano e colhida em
Agosto.
Como informação, refira-se que a maior produção beterrabeira de
sempre foi aquela que se registou no ano de 1964 - 160.000 toneladas - nunca
mais se tendo repetido números semelhantes. A laboração da fábrica começou em
Agosto e só terminou em Maio do ano seguinte.
Realce-se que essas 160.000
toneladas de beterraba dariam para o dobro do nosso consumo actual de
açúcar.
Actualmente a SINAGA possui uma quota de produção de açúcar de
beterraba de 10.000 toneladas, para o que necessita de 100.000 toneladas de
matéria-prima.
Única no país, até Julho de 1997, altura em que começou a
laborar uma fábrica em Coruche, a Fábrica de Açúcar da SINAGA actualmente está
preparada para um trabalho contínuo de 120 dias.
A fábrica está
instalada numa área de 60 mil m2, e está apetrechada com um forno de cal, com um
laboratório de análises de beterraba, com armazém preparado para receber 4 mil
toneladas de açúcar – cerca de 3.200 Big-bags de 1.250kg - e com um posto de
transformação de energia eléctrica, que é o maior posto privado da
Região.
Recentemente a Sinaga juntou ás unidades de produção de vapor, um
turbo gerador que lhe permite ser auto-suficiente em energia eléctrica sempre
que labora raízes de beterraba açucareira, ou refina ramas de beterraba
açucareira.
A sementeira é feita com base num contrato com os
agricultores, sendo que, deste modo, os mesmos agricultores, quando se decidem
pelo cultivo da beterraba, já sabem, de antemão, que têm garantido a venda do
produto.
Os agricultores com contrato sabem ainda, quanto receberão pela
produção dado que preço é prefixado em tabelas anunciadas antes da sementeira, e
a SINAGA, além de tudo, preza-se de liquidar as suas dividas num prazo de 8 dias
depois da entrega da beterraba na fábrica.
Recorde-se que, nos anos 60 os
fortes surtos de emigração reduziram bastante a mão-de-obra nos
campos.
Na actualidade os poucos recursos humanos existentes nos meios
rurais estão a ser canalizados para o sector terciário, o que faz com que muitos
agricultores preferiram investir na pecuária, sector bastante incentivado a
nível governamental e menos exigente em mão-de-obra.
É de notar ainda que
na década de sessenta o arroteamento das terras altas, fez com que se tivesse
gerado um desequilíbrio na ocupação das terras, principalmente motivado pelas
necessidades da pecuária em pastos permanentes, e que originou o seu alargamento
até junto do mar, o que veio contribuir para o decréscimo da área própria para
as culturas industriais.
Cultura da beterraba em São Miguel |
A
Sinaga dispõe actualmente de uns Serviços Agrícolas, dirigidos por Técnicos
competentes, que comandam uma equipa de trabalhadores com muita experiência na
cultura da beterraba sacarina.
Os Serviços Agrícolas da Sinaga têm ainda
á disposição equipamentos próprios para a preparação de terras, máquinas para as
sementeiras, máquinas para efectuar tratamentos fito sanitários e de aplicação
de herbicidas, e por fim máquinas colhedoras de beterraba, adaptadas á
morfologia e á dimensão dos terrenos das ilhas da Região Autónoma dos
Açores.
Esta particularidade da Sinaga permite que os proprietários dos
terrenos agrícolas que não sejam agricultores a tempo inteiro, possam contratar
a totalidade do trabalho a desenvolver.
PERIGLICOFILIA
Periglicofilia é o nome dado ao coleccionismo de pacotes de açúcar, que resulta de perí (do grego, “ao redor”) + glico (do grego glykñs , “doce”) + filia (do Grego phílos , “amigo”).
A periglicofilia é um coleccionismo simples de realizar, com os pacotes de açúcar à disposição de todos de um modo fácil e pouco dispendioso. Tem diversas comunidades online e encontros em várias partes de Portugal e resto da Europa, que o têm vindo a expandir.
A maioria dos Periglicófilos despejam os pacotes de açúcar para guardar na sua colecção. Há no entanto quem os preserve cheios.
Parabéns pelo seu artigo que denota aturada compilação histórica. Sendo eu periglicófilo, trouxe de S. Miguel na década de 60/70 uma caixa recordação com 24 pacotes de açúcar de beterraba da Sinaga, alguns publicados no seu artigo. Tenho-os virgens na caixinha de cartão específica da Sinaga em que foram guardados e, por conseguinte, o conteúdo está petrificado. Toda a minha coleção é composta por milhares de pacotes vazios, de muito mais fácil catalogação em pastas de folhas de 8 "gavetas". Coloca-se a questão: guardo estes assim, inteiros, ou fico só com invólucro? Haverá procura de pacotes integrais? Agradeço antecipadamente qualquer comentário. Carlos Justo Marques - 19-09-2023 - Ourém
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