quinta-feira, 13 de abril de 2023

Açores - O Correio por Bóias

 A localização geográfica das Ilhas dos Açores no Oceano Atlântico Norte fez deste Arquipélago um ponto fulcral e geoestratégico, crucial no aprovisionamento de matérias primas e de víveres a navios  



A correspondência entre os homens transportam o pensar e agir de quem transpôs para o papel o que transmitir ao destinatário. Nos seus textos encontramos amor - quem nunca escreveu a sua primeira carta de amor! - e desventuras; informações simples, dum quotidiano que se pretende partilhar, e relatórios que decidem do futuro dos reinos; uma grande vontade de comungar alegrias e uma ansiedade de receber informações que nos deem força para viver.




Essas cartas são também parte de uma época, fruto de um conjunto de circunstâncias da vida. São histórias que fazem História. O filatelista ao olhar para os selos, as cartas e os carimbos, fá-lo com o prazer da posse e o gosto de ter uma coleção bonita, mas também o faz com a argúcia do observador atento ou do cidadão que deseja conhecer o que o rodeia.







Imaginem marinheiros encerrados por tempo indeterminado num barco ou submarino. A crescente autonomia de navegação dispensava-os cada vez mais de abastecimento nos portos. Estava-lhes coartada a possibilidade de enviar e receber correspondência, pelo menos com a frequência que desejariam e pelas formas que lhes permitissem expressar em plenitude os seus sentimentos. Em período de guerra toda esta situação se agravava.

Os dias são longos, plenos de ansiedade e vontade de comunicar com familiares e amigos. Vai-se escrevinhando palavras que são sentimentos em brasa. Ignora-se quando esses gritos cravados no papel poderão chegar ao seu destinatário. Em períodos de guerra sê-lo-ia sempre difícil porque nesses tempos conturbados as cartas perdem-se em acidentes, extraviam-se com a desorganização, são sujeitas a censura.

Se as anedotas mostram frequentemente um habitante isolado numa minúscula ilha enviando a sua mensagem dentro de uma garrafa, porque não haveriam esses marinheiros que utilizar um procedimento semelhante?



A localização geoestratégica dos Açores fazia daqueles mares passagem de navios e submarinos, eventual local de usufruto de alguns minutos de lazer. Porque não pegar nos textos escritos, metê-los num sobrescrito, colocar a respetiva morada, colocar algum dinheiro para o envio pelo correio e deixar essas cartas a boiar, à espera que algum habitante daquelas ilhas as encontre e tenha a amabilidade de colocá-las no correio? Havia o risco de se perderem, mas ainda assim mereceria a pena.
Assim fizeram. Hoje uma, amanhã outra, numa aleatoriedade marcada pelos percursos, pela divulgação da ideia e pelo eventual conhecimento do sucesso.


Exemplar único recolhido e entregue em Angra do Heroísmo



Provas documentais

Imaginem agora os pescadores açorianos, praticando uma pesca tradicionalmente difícil e pobre. Qual não teria sido o seu espanto quando encontraram a flutuar uma carta e algum dinheiro. Já que o acaso assim os levava a tão estranha descoberta e o amor ao próximo está acima das querelas que os homens fomentam, porque não colocá-la, como deve ser, no correio.

Se os tempos vão maus e a prática de por aqui deixar cartas se está a tornar hábito, se as formas de sinalização permitem uma descoberta cada vez mais fácil e o dinheiro deixado a mais dava tanto jeito nas parcas economias domésticas, porque não estar atento e entre dois lançamentos dos aparelhos, fazer a sua procura? Recolher cartas, quando a fortuna lhes sorria, tornou-se boa pesca.

Estas práticas "institucionalizaram-se". A navegação ao largo dos Açores tronou-se um momento oportuno de comunicação por correio. Como se afirma na pagela:

"(...) passageiros e tripulações entregavam a sua correspondência ao comandante. O carpinteiro de bordo construía uma balsa com madeira. As cartas eram metidas numa lata bem fechada. (...) Juntamente com as cartas era colocado dinheiro, bebidas e outras ofertas que diferiam de navio para navio.

Este sistema de enviar correio por meio de bóias nos Açores manteve-se desde o início da década de 30 até 1996/97."

O artigo de Leão refere ainda dois outros factos curiosos:

(1) "embora o risco de perca aqui fosse grande, devido às correntes marítimas, não se conhece este tipo de correio sem ser nos Açores; 

(2) conhecem-se cartas com carimbo dos correios açorianos sobre selo alemão.




Este correio de bóia nos mares dos Açores tornaram-se uma das coleções mais interessantes de História Postal recente. De curiosidade que um ou outro procurava estudar transformou-se num acontecimento filatélico mundial. Sobre esta matéria foi editado um livro, (GASPAR, Manuel Vieira, As Bóias de Correio no Mar dos Açores e outras Histórias, 2ª Edição, Revista e Aumentada, 2000, Ponta Delgada, Núcleo Filatélico "O Milhafre", 2 Volumes).



Fonte: Dr. Carlos Pimenta in: /www.fep.up.pt




*** PROFESSOR DOUTOR CARLOS PIMENTA ***

Através da Secção Filatélica da Associação Académica de Coimbra tivemos hoje conhecimento do falecimento (25-10-2022) do Ilustre Doutor Carlos Pimenta. Deixou-nos uma obra filatélica invejável. O NFAH apresenta aos seus familiares as suas mais sentidas condolências.

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