1848 - Pintura existente no Museu dos Baleeiros no Pico
A BALEAÇÃO AÇORIANA
(Breve história da sua origem)
A primeira referência documental à captura de baleias nas águas dos Açores
remonta ao século XVI, ao
largo da ilha de Santa Maria. De acordo com Frutuoso:
"No ano de 1574 acharam os pescadores uma baleia morta onde se chama o Mar de
Ambrósio, e, por ser longe e estar um só batel, a não levaram a terra, inteira,
senão muitas postas dela, de que fizeram muito azeite.
No ano seguinte de 1575, a derradeira
oitava de Páscoa, apareceu outra,
junto da Vila, e três ou quatro batéis, que foram a ela, a levaram à costa,
junto de Nossa Senhora da Concepção, da qual se fez muito proveito e tiraram ambre (sic),
que lá foi buscar desta ilha o feitor de el-Rei, Jorge Dias. Dizem que
aproveitou, mas os pobres nada dele gozaram.
No mesmo ano, em meio de Junho, apareceu outra da banda de Sant'Ana, a
qual tiraram em terra no porto de Nossa Senhora dos Anjos, de que se fizeram dez
ou doze pipas de azeite.
Daí a poucos dias, acharam outra da mesma banda de Sant'Ana, mas porque
já andavam os homens enfadados, e ser tempo de aceifa, não curaram dela, até que
desapareceu de todo.
Os anos passados, foi achado em Sant'Ana um grande pedaço, que parecia
tábua de uma coisa como cevo e da mesma sua cor, que ardia mui bem, e diziam que
também aproveitava para frialdade, sem se acabar de determinar o que seria. E muitos há que em São Lourenço saiu um
baleato pequeno, afora outros que não lembram."
Embora se registe a presença de baleeiros ingleses no século XVIII, a caça sistemática ("baleação")
nas águas do arquipélago só se iniciou na segunda metade do século XVIII e do século XIX, com a chegada
dos navios baleeiros estadunidenses, nomeadamente aqueles oriundos de New Bedford e de Nantucket. Ao arregimentavam homens
para completar as suas tripulações nas ilhas, foi com eles que os açorianos
aprenderam as técnicas e o domínio dos instrumentos, patente no uso do próprio
vocabulário baleeiro, quase que totalmente de origem anglo-saxónica.
É com a experiência desses homens que, na década de 1850 se constituíram as primeiras
armações baleeiras nos Açores, nas ilhas do Oeste. Para isto foram fundamentais
as embarcações baleeiras (adaptações dos primeiros modelos importados de New
Bedford pela família Dabney, do Faial), de
palamenta apropriada e com tripulação de, pelo menos, 7 homens (mestre,
arpoador/trancador, remador e marinheiros). O Topo, na ilha de São Jorge, foi a primeira localidade onde se armaram canoas. Nas Velas, foi
arpoada a primeira baleia em janeiro de 1886.
Na década de 1880, constituíram-se armações no Grupo Oriental, a partir da ilha de São Miguel. Nesta
ilha existiram quatro companhias baleeiras:
No Calhau Miúdo das Capelas, junto ao Morro, fundada a 29/10/1884;
No porto de Santa Iria, na freguesia da Ribeirinha, fundada no mesmo ano
(1884);
Na Grota, junto à Praia Grande dos Mosteiros, a "Companhia Pescadora",
fundada em 23/10/1885 da qual era gerente o conhecido industrial João de Melo Abreu;
No Castelo do Porto Formoso, a "Companhia Baleeira Esperança", fundada por
alvará de 20/04/1886.
Além destas, o Governo Civil de Ponta Delgada passou ainda, com data de 5 de Agosto
de 1885, alvará provisório a Amâncio Júlio Cabral e José Maria Pimentel, para
criação de uma empresa dedicada à pesca de cetáceos no Areal Grande de S. Roque,
na costa sul da ilha.
Todas estas empresas tiveram existência mais ou menos efémera, à excepção da
Companhia Baleeira das Capelas/São Vicente que, ao longo dos anos cresceu em
meios e equipamentos, tendo aumentado as suas capacidades operacional e técnica,
a ponto de ter se constituído uma das empresas de maior dimensão e com mais
longa existência no arquipélago (1884-1983).
As campanhas baleeiras no arquipélago tinham lugar anualmente, de 15 de Maio
a 15 de Setembro. Eram utilizados os chamados "botes de boca aberta", típicos
dos Açores, e arpões.
Após a captura,
as carcaças dos cetáceos eram
objecto de desmanche para a extracção do óleo ("azeite"), do âmbar-gris,
das barbatanas e da carne. Os ossos eram reduzidos a farinha. Até à década de 1930, a
extracção do chamado "azeite de baleia" ainda era processada pelos próprios
baleeiros, por um processo artesanal conhecido como "a fogo directo", em
instalações denominadas "traióis", constituídas por duas caldeiras adossadas, assentes sobre uma fornalha. Na ilha de São Jorge, em 1936, registavam-se quatro
armações: três nas Velas e uma no Topo.
Em meados do século XX,
esse trabalho foi gradualmente sendo substituído pela industrialização do
processo, em fábricas de derretimento, que utilizavam auto-claves a vapor de grande capacidade.
Desde 1987 que deixou-se de praticar a
"caça" à baleia em Portugal, tendo o último cachalote sido caçado naquele ano,
ao largo da vila das Lajes do Pico. O
comércio dos produtos extraídos da baleia foi proibido.
A partir de 1992 tem sido pedida a concessão de quotas para a exploração comercial de algumas espécies, o que tem sido recusado pela IWC. Para além da caça tradicional, apenas a Noruega retomou a caça, já que tinha apresentado uma objecção à moratória, o que lhe permite legalmente prosseguir a baleação. O Japão, sob a guisa de investigação científica, tem vindo a caçar um número crescente de baleias.
Apesar do óleo de baleia não ter hoje valor comercial que justifique a caça, a carne da baleia é considerada um acepipe no Japão e na Noruega, pelo que a caça agora é cada vez mais dirigida para o consumo humano da carne.
No caso do Japão, dada a escassez da oferta, o preço da carne de baleia atinge valores extremamente elevados, havendo uma procura crescente por parte dos consumidores. Daí que a pressão para retoma da baleação comercial seja grande.
A espécie mais caçada hoje é a rorqual-anã-austral, a mais pequena de entre os balenopterídeos. Estima-se que a sua população actual atinja os 180 000 animais no Atlântico central e nordeste e 700 000 animais em torno da Antárctida.
Em 2003, a Comissão Baleeira
Internacional iniciou um estudo plurianual das águas do Oceano Antárctico com o objectivo de estabelecer novas e mais seguras estimativas do
efectivo populacional. A Noruega tem
também vindo a fazer estudos plurianuais das populações de cetáceos daquela área
desde 1995, conforme é sua obrigação nos
termos da Convenção enquanto Estado que mantém baleação comercial.
Apesar de se esperar que o estudo revele um aumento generalizado das
populações de cetáceos, alguns dos Estados membros mais influentes da Comissão
Baleeira Internacional, como o Reino Unido, Austrália e Nova Zelândia deverão bloquear o reinício da
baleação comercial. Este bloqueio prende-se essencialmente com questões de bem
estar animal relacionadas com os métodos de captura e não com quaisquer
políticas de conservação das populações de cetáceos. Esta política tem vindo a
polarizar as actividades da IWC e tem-se vindo a registar uma "corrida ás armas"
com ambos os lados, pro a a favor da caça á baleia, a aliciar países muitos
deles sem qualquer tradição baleeira e mesmo sem costa litoral, a juntar-se a
comissão com o objectivo de subverter as votações.
Scrimshaw é uma palavra da língua inglesa, de etimologia discutida, mas que designa a arte de
entalhe e gravação ou pintura em marfim - dentes e ossos da mandíbula - de cachalotes.
As peças são muito variadas, utilitárias e decorativas, como por exemplo
caixas, talas para corpetes de vestidos de senhora, dedais, cabos de sinete,
punhos de bengala, dados e até carretilhas para recorte da massa tenra.
Essa manifestação artística está ligada tradicional à atividade da baleação e, em Portugal, apenas despertou a atenção
dos estudiosos a partir dos finais da década de 1950. Constitui a mais autêntica
e conhecida manifestação da chamada "arte baleeira" que teve as suas origens no século XIX, nas frotas de
baleação, inicialmente formadas por marinheiros norte-americanos, mas em pouco
tempo integradas também por numerosos açorianos e até
cabo-verdianos. É uma arte
feita por marinheiros e a eles destinada, embora, com o decorrer dos tempos, os
destinatários deste tipo de peças artísticas se tenham diversificado, atingindo
já não apenas familiares, namoradas e amigos dos marinheiros, mas um vasto
número de pessoas apreciadoras das actividades marítimas e do artesanato ligado
ao mar.
A arte de "scrimshaw" correspondia à ocupação nas horas de ócio a bordo e a
uma expressão de saudade da família e da terra do artista.
As invocações
religiosas são menos frequentes ou mais recentes. As técnicas mais utilizadas
são a incisão ou a gravação, sendo os entalhes pigmentados. Já no século XX,
surgiram os motivos incrustados, por vezes em alto-relevo.
O PATRIMÓNIO BALEEIRO
NOS AÇORES
Nas sociedades contemporâneas, fortemente marcadas pelos fenómenos crescentes
da globalização e da massificação cultural, apercebemo-nos de que os valores
culturais permanecem ao longo do tempo, como algo que garante a unidade do
tecido social e realça e promove a especificidade cultural de cada comunidade.
Neste quadro, de homogeneidade global crescente e de erosão das culturas
tradicionais e singulares, as pequenas comunidades sentem cada vez mais a
necessidade vital de reabilitarem a sua identidade cultural.
Pela importância sócio-económica que teve na vida das populações e pelo
carácter épico-dramático de que se revestiu, a baleação deixou marcas – traços
“identitários” - profundas na memória coletiva de muitas localidades
açorianas.
Apesar da dimensão regional da actividade baleeira foi, no entanto, na ilha do
Pico que o complexo cultural da baleação se exprimiu com maior intensidade. O
Pico, como reconhecido e inquestionável referente paradigmático do imaginário
baleeiro regional, tem cultivado os valores e as memórias da baleação,
consagrados no Museu dos Baleeiros e do Museu da Indústria Baleeira (com
projecção nacional e internacional) e revividos na Semana dos Baleeiros.
O bote baleeiro é, incontornavelmente, um dos mais importantes vestígios
materiais do património baleeiro e da cultura da baleação. Inspirados na herança
norte-americana os açorianos produziram um novo modelo de bote baleeiro, mais
comprido e melhor adaptado às condições de navegabilidade dos nossos mares e ao
modelo de baleação costeira e artesanal que se praticou nas ilhas dos
Açores.
Resultado da capacidade criativa e do génio inventivo dos primeiros grandes
construtores navais açorianos, o bote baleeiro açoriano, no entender de muitos
especialistas, “a mais perfeita embarcação que alguma vez sulcou os mares”, é um
misto de robustez, elegância, eficácia e singularidade.
A actividade da caça à baleia marcou de forma indelével o carácter e o modo de
estar de muitos açorianos, abrindo os horizontes das ilhas para o continente
norte-americano, factor determinante no nascimento da diáspora açoriana nos
E.U.A. e Canadá.
Com o seu termo, ditado por fatores económicos e ambientais, nos finais dos
anos 80, do séc. XX, ficou um valioso património de saberes, ao qual está
associado um não menos valioso património material, constituído pelas
embarcações baleeiras (botes e lanchas de reboque) e a sua palamenta e pelos
edifícios e maquinaria que em terra deram corpo às actividades ligadas à
baleação.
Caça à baleia Medalhas comemorativas Baleação no Pico
1988 - Inauguração do Museu dos Baleeiros no Pico
1994 - Inauguração do Museu da Industria Baleeira de São Roque do Pico
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