Ferreira Drummond (1796-1858)

Matriz de São Sebastião
Desenho de Emanuel Félix


Francisco Ferreira Drummond nasceu na vila de São Sebastião (Terceira), a 21 de Janeiro de 1796, tendo sido baptizado, na respectiva Matriz, a 27 desse mesmo mês. Faleceu em São Sebastião a 9 de Novembro de 1858.



Certidão de Baptismo de
Francisco Ferreira Drummond








*** IGREJA MATRIZ DE SÃO SEBASTIÃO ***

Foi edificada pelos primeiros povoadores da ilha Terceira em 1455, tendo sofrido importantes obras de conservação durante o século XVI, mais precisamente as iniciadas em 1568, dado que a sua capela-mor se encontrava bastante arruinada. Nesta data foram acrescentados alguns elementos construtivos ao templo.

O Dr. Baptista de Lima, numa comunicação ao "XVI Congresso Internacional de História da Arte", resume a evolução, em quatro fases, deste monumento:

"A primeira fase, gótica e arcaisante já para a época, é da fundação da igreja afonsina; compara-a aquele autor [Alfredo da Silva Sampaio] às das igrejas de Santa Clara de Santarém, Santa Maria dos Olivais de Tomar, São Domingos de Guimarães e Sé de Silves, todas do século XIII, duas centúrias anteriores à de São Sebastião."


"São dessa fase a cabeceira poligonal que forma a capela-mor, com seus botaréus, cachorrada e cimalha, bem como as três portas ogivais, a principal e as duas laterais."


"Planta simples, de três naves, cruzeiro com duas capelas manuelinas acrescentadas à planta primitiva - As de Nossa Senhora da Encarnação e dos Passos."


"Numa terceira fase, ainda no século XVI - em 1568 - a capela-mor, talvez por ameaçar ruína, foi inteiramente reconstruída, ficando muito mais ampla, e alinhando com as duas colaterais. Dessa reconstrução data abóbada actual; antes seria de artesões, como as demais capelas da igreja manuelina."
"Mais tarde, durante o século XVII e o século XVIII, a planta da igreja sofre novos acrescentos: a sacristia, o baptistério, uma arrecadação junto da capela dos Passos."


"Finalmente, depois do incêndio de 1789, o frontispício da igreja foi inteiramente modificado ao gosto da época, ficando com um portal barroco, a encobrir a primitiva porta principal, gótica."


"Assim, e com a decoração interior que Alfredo da Silva Sampaio nos descreve, nos começos deste século, permaneceu até às obras de restauro que ali promoveu a direcção-geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais."









Era filho de Tomé Ferreira Drummond, lavrador abastado, e Rita de Cássia, ambos residentes na Vila de São Sebastião, em cuja Matriz foram também baptizados.







A família Drummond estava, então, intimamente ligada ao magistério primário e à governança da Vila de São Sebastião, tendo a presidência da Câmara sido ocupada por seu pai (em 1821). O seu irmão, o capitão de ordenanças José Ferreira Drummond, dominou a vida política local durante várias décadas.

Cedo aderiu à causa liberal, tendo sido eleito pelo novo sistema constitucional, em 1822, secretário da Câmara Municipal de São Sebastião.  Tal eleição valeu-lhe grandes dissabores, tendo, para escapar às perseguições dos absolutistas, fugido da Terceira, durante a noite, numa embarcação que o levou à ilha de Santa Maria, de onde passou a Ponta Delgada, dali partindo, com passagem pela Madeira, para Lisboa.







Em 1836 foi eleito Presidente da autarquia, cargo que exerceu por três anos. No seu exercício destacou-se pela defesa dos interesses de autonomia do Concelho, em que acabou vencido. Garantiu, entretanto, a canalização de água potável para a vila com a sua captação das nascentes do Cabrito e o seu aproveitamento para moagem, à época a maior obra hidráulica da Terceira e uma das maiores dos Açores.


Em 1839 foi eleito Procurador à Junta Geral. Exerceu ainda, durante vários anos, o cargo de Provedor da Santa Casa da Misericórdia.

Distinguiu-se na luta contra a extinção do concelho de São Sebastião, extinção que, em boa parte graças à sua actividade, apenas se consumou em 1 de Abril de 1870, apesar de decretada em 24 de Outubro de 1855.











Os Anais da Ilha Terceira são uma obra de natureza histórica da autoria de Francisco Ferreira Drummond. O trabalho foi redigido segundo o critério cronológico típico dos Anais, cobrindo o período desde a descoberta e povoamento da ilha Terceira até 1832. O manuscrito foi ofertado à Câmara Municipal de Angra do Heroísmo, que a fez editar em quatro volumes, contendo 1 420 páginas de texto e 510 de documentos.


É complementada pelo volume dos "Apontamentos Topográficos, Políticos, Civis e Ecclesiásticos para a História das nove Ilhas dos Açores servindo de suplemento aos Anais da Ilha Terceira", publicado pelo Instituto Histórico da Ilha Terceira em 1990.

As datas de publicação são:
  • 1850 - Volume I
  • 1856 – Volume II
  • 1859 – Volume III
  • 1864 – Volume IV (póstumo)


Em 2020 irá comemorar-se o



ANO FERREIRA DRUMMOND










O Dr. Dionísio de Sousa será o seu impulsionador.

Com a sua colaboração dá-se início, neste blogue, a um conjunto de textos divulgadores da actividade de Ferreira Drummond em defesa da sua terra e, particularmente, da sua Vila de São Sebastião.











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Documento do provimento do tabelião
Francisco Ferreira Drumondo
                                       30 de Outubro de 1834

                                                    (Publicação n.º 12)


A primeira observação sobre este texto do provimento de Francisco Ferreira Drummond como Tabelião de Notas é a aposição à margem do documento da seguinte informação: passei outra certidão a 27 de Novembro de 1837 por despacho de 8 do referido mês do Presidente da Câmara- Drummond(assinatura)










Pode interpretar-se que Drummond neste caso fez o duplo papel de Presidente da Câmara e de tabelião, que com a sua assinatura confere autenticidade e validade à certidão que pede para si próprio. Pode parecer uma artificiosa manobra de burocrata de muita acumulada experiência. Este desdobramento da mesma pessoa em duas diferentes funções, não me parece inverosímil, mas também está longe de ser certa e segura.

Vamos, então, à parte do texto da nomeação de Drummond como Tabelião de Notas.

É a seguinte a sua transcrição:

Manda Sua Majestade Fidelíssima a Rainha pelo Presidente Interino da Relação dos Açores em conformidade do artigo 247 do decreto número 24 de Maio de 1832 que Francisco Ferreira Drumondo exerça interinamente o ofício de tabelião de notas na Vila de S. Sebastião da ilha Terceira e no termo desta, notando pela informação do Juiz de Direito da Comarca de Angra.

Breves observações:

A transcrição, embora tenha o essencial da nomeação, é apenas da parte inicial do documento. O restante documento é de muito difícil leitura. Nos textos dos outros provimentos e tomadas de posse com juramento já anteriormente nesta página do blogue publicados, a dificuldade da sua leitura resultava dos defeitos da caligrafia ou da sua disposição no papel.

Neste caso presente, a dificuldade não está tanto ligada à caligrafia ou a erros de ortografia, como também muita vez acontece. O problema é da tinta usada que está de tal forma diluída ou esborratada que mais do que ler, quase se tem de adivinhar o sentido pelo contexto.

O próprio Ferreira Drummond se refere muitas vezes às dificuldades que encontrou para fazer a transcrição de determinado documento.
Numa delas, diz que foi com bastante custo que pude alcançar e traduzir um fragmento que se achava num arquivo [1]

Noutro caso, salienta os erros de datas, por estarem em numeração romana e por esta causa quase todos os tradutores se enganaram[2].

Continuemos a dar a palavra a Drummond, mas agora para ele próprio resumir o seu entendimento da função de Tabelião de Notas.

Vem referida esta actividade de Tabelião de duas perspectivas: a histórica e a de conteúdo.

Do ponto de vista histórico, escrevendo sobre o ano de 1513, diz que obteve Mateus Jacques, escrivão a da Câmara de Angra, alvará para usar público e raso sinal e não sabemos que antes dele algum outro tivesse privilégio para os negócios em que a Câmara era aceitante e estipulante[3].

Como se vê, um antecessor de Ferreira Drumond nessa mesma dupla função de escrivão da Câmara e Tabelião.

Quanto ao conteúdo da função de Tabelião de Notas vem explicitado em nota o sentido dos termos público e raso sinal que Drummond acabara de usar. Diz-se:
O sinal raso é a assinatura. O sinal público é um sinal exclusivo do tabelião ou oficial com cargo público relevante, normalmente desenhado com letras do próprio nome, como as iniciais.

Corresponde, como garantia de autenticidade, ao selo branco, embora fosse desenhado pelo titular em cada documento.[4]

Com este texto encerro o conjunto de artigos sobre as datas da provisão e tomada de posse de Ferreira Drummond, nos três importantes cargos públicos que exerceu. Escrivão dos órfãos, escrivão da Câmara, ambos em 20, 23 e 26 de Janeiro de 1830) e Tabelião de Notas-data ut supra.

Só uma observação final.

Fiz empenho e tive muito gosto em tornar públicas estas datas, que como disse não encontrei em nenhuma das biografias de Francisco Ferreira Drummond, através desta página do blogue do António Couto, que muito bem serve pelos temas e pela qualidade do blogue a memória e a história desta ilha Terceira, dos Açores e do próprio País.

Bem haja, amigo António.
Em a Vila de S. Sebastião, 21.4.2020
Dionísio Sousa




[1] ( Anais ,vol.II p.27 nota 2
[2] Iem,  p.147
[3] Idem, vol.III,p.14
[4] (idem,  vol.III, ,p.14 nota V







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Francisco Ferreira Drummond
Escrivão da Câmara
Auto de Posse e Juramento
26 janeiro 1830



(Publicação n.º 11)





Aos vinte e seis dias do mês de janeiro de mil oitocentos e trinta nesta Vila de S. Sebastião da ilha Terceira, na casa da Câmara dela, presente o Juiz por bem da lei e perante o Senado da mesma  e do capitão José Ferreira Drummond compareceu Francisco Ferreira Drummond e lhe foi apresentada a Provisão retro do dito  registo na forma da mesma para ser provido no ofício de Escrivão da Câmara e requerendo ao Juiz que lhe conferisse a posse, o que o dito juiz houve por bem dar a posse ao suplicante com juramento sobre os Santos Evangelhos e verdadeiro servidor do dito ofício guardando o segredo e a justiça das partes e o seu Direito. Tendo o suplicante aceite o dito juramento e prometendo cumprir com as suas obrigações na forma que Deus lhe der a entender.







E assinou com o dito Juiz perante mim, José Leonardo Coelho de Sousa
Francisco Ferreira Drummond
26 de Janeiro de 1830

É de notar que Francisco Ferreira Drummond neste dia 26 de Janeiro de 1830 tomou posse de duas funções como escrivão. A de escrivão dos órfãos que já foi lembrada e esta de escrivão da Câmara da Vila.






Provavelmente não terá sido por causa desta acumulação no mesmo dia destas duas funções, mas este texto acima mostra como Drummond no mês de Novembro deste ano de 1830 regista um acto camarário com um lapso.

Assina assim F(rancisco) F(erreira) Drumondo(sic) escrivão dos órfãos, digo, da Câmara.

Já agora, vem, talvez a propósito notar que Drummond deixa registos muito curiosos nas suas acta da Câmara. Desde esboços de desenhos. Linhas ondulantes de alto abaixo do papel e inclusive a sua assinatura iniciada com a clave de Fá.
Lembrei-me destas curiosidades de menor importância quando escrevia este texto, mas, de momento, não tenho disponíveis exemplos destes entretenimentos de Drummond nas suas funções de escrivão. Vou procurar exemplificá-los em outra oportunidade. E já agora que a pena, digo, o teclado, me levou por esses caminhos do deslise para o humor, Ferreira Drummond, muitas vezes, fazia observações bem humorados sobre acontecimentos por vezes muito sérios. De momento, lembro-me de um.

Em meados de Junho de 1843, Drummond teve uma polémica, mais amigável do que violenta, com o redactor do jornal de que ele era colaborador habitual - o Angrense- sobre a data da descoberta da Terceira. O jornal   na sua secção de efeméridas tinha afirmado ter sido  a 23 de Abril de 1445.

Drummond insistiu com o jornal em saber como é que ele conseguira desvendar tal data, que sempre ocupou e ocupa a curiosidade de infinitos escritores. E acrescentava, por Escritura Sagrada terei qualquer livrinho, calhamaço ou tombo onde se ache esta espécie de mistério.

A resposta foi que constava da Corografia Açórica. Drummond ripostou que para ser confirmada essa data o autor da Corografia, que era o Sr. Albergaria de São Jorge tinha de fazer uma viagem de 200 léguas até à Torre do Tombo em Lisboa. E recomendava (estava-se perto das festas de S. João) Saia o toiro. É o que queremos. E que seja antes das nossas festas para sabermos quando fomos ou quando deixámos de ser terceirenses.

Na Vila, Dionísio Sousa, 15.4.2020       



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Provisão de Francisco Ferreira Drummond
como escrivão da Câmara da Vila de S. Sebastião
23 janeiro 1830


(Publicação n.º 10)


António Francisco José de Sousa Manuel de Meneses  Severim de Noronha, Conde de Vilas Flor, Par do Reino, do Conselho de S. M. Fidelíssima, seu Copeiro Mor, Gentil homem de sua Real Câmara ,Grão Cruz da Ordem de Aviz e de Nossa Senhora da Conceição, Comendador da Torre Espada condecorado com a medalha de seis campanhas e comandante da batalha  de Mar Chão de Campos do Reis, Excelentíssimo Governador e capitão General das ilhas dos Açores, faço saber aos que esta provisão virem que Francisco Ferreira Drummond me requereu fosse servido provê-lo no ofício de escrivão da Câmara da Vila de S. Sebastião desta ilha Terceira.

Tendo em atenção a sua súplica e as informações sobre ele, hei por bem que sirva o dito ofício de escrivão da Câmara por um ano que terá princípio do dia da posse em diante enquanto não desmerecer por erro de ofício ou de S. M. o contrário não ordenar, guardando em tudo o serviço da mesma Augusta Senhora debaixo da posse e juramento que lhe será dado na forma do estilo.





Haverá  ordenado..

Pagou de novos direitos dois mil e quinhentos reis que se entregaram ao tesoureiro registados nos respectivos livros.

E pagará pela Chancelaria desta Província, sem o que não terá efeito algum.
Em firmeza do que lhe mandei passar a presente sob o meu signo e selo de minhas armas.

Francisco José Teixeira o fez em Angra aos vinte e três de janeiro de 1830.
Luís José da Silva a fez.
Conde de Vila Flor


Algumas notas:

Esta provisão tem algumas dificuldades especiais de total decifração, porque o seu texto é de um cursivo muito irregular com letras sobrepostas e, por vezes palavras com erros de ortografia. Ou outros, como o primeiro nome do próprio Conde de Vila Flor. Além disso, por exemplo, não me foi possível   decifrar o montante do ordenado.

Para resolver essas falhas terei de recorrer ao paleógrafo com que habitualmente venho trabalhando, mas nas actuais circunstâncias tal não me foi possível.
Francisco Ferreira Drummond exerceu estas funções de escrivão/secretário da Câmara da Vila desde a tomada de posse, cujo auto vou transcrever no próximo artigo, desde 26 de Janeiro de 1830 até 10 de Janeiro de Janeiro de 1840. Fez, claro uma interrupção desde que foi Presidente da Câmara da entre Fevereiro de 1836 e 1839.

O seu afastamento do cargo foi decidido pelo seu adversário político, que lhe sucedeu no cargo de Presidente da Câmara-José Machado Homem da Costa. 
Foi baseado em dois argumentos: Falta de confiança política e falta de carta régia de aprovação.

Já vimos que o segundo argumento não tinha fundamento. E o primeiro era inconstitucional.

Mas veremos todo este processo, que tem ainda outros dados históricos a considerar, em próximo texto

Vila de S. Sebastião, 7.4.2020
Dionísio Sousa



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Auto de Posse e Juramento de Francisco Ferreira Drummond
como escrivão dos órfãos
26 janeiro de 1830

(Publicação n.º 9)

Aos vinte e seis dias do mês de janeiro de mil oitocentos e trinta anos nesta Vila de S. Sebastião da ilha Terceira na casa da Câmara dela, presente o Doutor Juiz de Fora, perante o senado desta Câmara.



compareceu Francisco Ferreira Drummond desta dita Vila onde foi apresentada a provisão retro de escrivão dos órfãos para aí tomar o cargo na mesma Vila com que se acha provido pelo Il.mo e Exc.mo Senhor Governador Capitão General destas ilhas requerendo ao Juiz lhe conferisse a posse. O que ouvido pelo dito Juiz, pelo dito ofício, houve por bem dar a posse ao suplicante com juramento sobre os Santos Evangelhos. O que pelo dito suplicante aceite, o Juiz o encarregou do cargo como verdadeiramente servidor do dito ofício, segredo e justiça nas partes do direito. O suplicante prestou o juramento de cumprir com os seus deveres na forma que Deus entender.






Esta posse de Ferreira de Drummond como escrivão do juiz dos órfãos na Vila de S. Sebastião foi um passo importante na sua vida pública.
Num texto publicado no jornal O Terceirense (n.º43 de 11 de Dezembro de 1844) com o título Necessidade dos Inventários orfanológicos e eclesiásticos ele mostra o valor que dá à  função. Afirma mesmo que pelos entendidos era reconhecido na nossa antiga ordenação não haver nação alguma que mais sábias leis tivesse a esse respeito.

Pois o chamado inventário orfanológico, isto é, a imposição legal de os órfãos serem considerados pela lei parte obrigatória a ser tida em conta no inventario dos bens do membro falecido de um casal, é uma defesa contra a tendência natural do outro membro do casal de ter apenas em conta os seus próprios interesses.

Drummond lamenta que a nova organização judiciária, ao extinguir os  juízes de paz, que sempre foram considerados os deuses tutelares dos órfãos para os substituir por uma comissão judicial, tenha introduzido no sistema uma pesada máquina burocrática que acaba por consumir a maior parte dos bens do inventário.

E termina com um dos seus costumeiros rasgos dramáticos:

Ó mare Magnum de incoerências!
Ó ensaio terrível de experiências em ramo tão sagrado!
Que um dia os pais da pátria se compadeçam de nós, que eles orem em nosso favor e facilitem os meios de não representarem na sociedade um papel tão miserável, perdidos nossos pais e com eles os pequenos fundos que em vão nos adquiriram!!!
E será este o apuro das melhores perfeições orfanológicas?
Que não vamos indefesos!
Que a nossa causa se não vá à revelia.


Dionisio Sousa, Vila de S. Sebastião, 30.3.2020    


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Francisco Ferreira Drummond
Provisão como escrivão dos órfãos
20 Janeiro de 1830

(Publicação n.º 8)


António José de Sousa Meneses Severim de Noronha Conde Vila Flor, Par do Reino, do Conselho de Sua Majestade Fidelíssima, seu copeiro-Mor, Gentil homem de sua Real Câmara, Grã-Cruz da Ordem de Aviz e de Nossa Senhora da Conceição, comendador da Torre Espada condecorado com a medalha de seis campanhas, e comandante da Batalha de Mar Chão de Campos dos Reis, Excelentíssimo Capitão General das ilhas dos Açores, faço saber aos que esta provisão virem que achando-se vago o ofício de escrivão dos órfãos da Vila de S. Sebastião e atendendo ao que nos representou Francisco Ferreira Drummond e as informações da Câmara da dita Vila, o Doutor Juiz de Fora desta cidade de Angra por bem que ele sirva o referido ofício e por tempo de um ano com princípio na data da posse por diante e enquanto não desmerecer por erro de ofício ou Sua Majestade o contrário não determinar, guardando em tudo o leal serviço e os segredos e a justiça nas partes o seu direito.





Ano de mil oitocentos e trinta= luís Flores Brasil

Por despacho de S. Ex. cia de 20 de janeiro de 1830

Pagou de novos direitos dois mil e quinhentos reis que se entregaram ao tesoureiro e trezentos e vinte reis registados nos respectivos livros.
E pagará pela Chancelaria desta Câmara sem o que não poderá haver efeito algum.
Em firmeza do que lhe mandei propor a posse e passar a presente sob o signo do meu sinal José Maria de Vasconcelos a fiz em Angra no ano de 1830
Vila de S. Sebastião, 26 de Janeiro de 1830

Apenas uma nota final sobre esta provisão de Francisco Ferreira Drummond com escrivão dos órfãos.

São duas as datas que convém não confundir nesta provisão:
20 de janeiro de 1830-data do despacho do Conde de Vila Flor
26 de janeiro de 1830-data da transcrição da provisão no livro de registos da Câmara.
Como veremos depois, esta será também a data do juramento e tomada de posse de Ferreira Drummond como escrivão dos órfãos e escrivão da Câmara.
A propósito desta dupla tomada de posse também se tentará esclarecer a importância que Drummond concedia a ambas estas funções.

Dionísio Sousa, Vila de S. Sebastião ,23.3.2020


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Francisco Ferreira Drummond
Os Anais da Minha Vida
Por Dionísio Sousa
1841-1844

(Publicação n.º 7)

A leitura de algumas biografias do historiador Sebastianense, Francisco Ferreira Drummond (1796-1858) deixaram-me sempre a convicção de um vazio por preencher em relação a algumas das actividades profissionais exercidas pelo autor dos Anais da Ilha Terceira e dos Apontamentos Topográficos:
Exemplifico com dois casos.
Um mais antigo -o de Joaquim Moniz Corte Real e Amaral, no discurso que pronunciou na inauguração da estátua de Ferreira Drummond no Rossio da Vila, em 14 de Outubro de 1951. Discurso que publicou no mesmo ano, em edição da tipografia Andrade e, finalmente, foi incluído na edição pela Câmara de Angra em 1989, nas Biografias e Outros Escritos.
O outro caso, mais recente é o do Doutor José Guilherme Reis Leite, o maior especialista açoriano e nacional em Ferreira Drummond, mas que, embora com variantes, repete Corte Real.
Passemos ao primeiro caso.
Diz Corte Real, na parte que, por agora nos interessa, que Ferreira Drummond exerceu seguidamente em S. Sebastião os cargos de escrivão da Câmara, dos Órfãos, da Administração do Concelho e Tabelião. Em 1836 foi eleito Presidente da referida Câmara, tendo desempenhado essas funções até 1839.
Em nota, a respeito do cargo de escrivão da Câmara, diz-se que, em 18.1.1840, foi exonerado deste cargo, sob fundamento de falta de confiança e de Carta Regia.[1]
É fácil de concluir que Corte Real, só conhecia as datas de dois cargos exercidos por Drummond- as de Presidente da Câmara e a da destituição de escrivão/secretário da Câmara e repetindo uma razão que, hoje, posso demonstrar que é falsa-a ausência provisão régia para o cargo.
Passemos, agora a Reis Leite.
Na Introdução à edição de 1990 dos Apontamentos Topográficos de Ferreira Drummond diz, à semelhança de Corte Real que ele em S. Sebastião ocupou vários cargos políticos (escrivão da Câmara, dos órfãos, da Administração do Concelho, e tabelião). Eleito presidente da edilidade de 1836 a 1839.[2]
Actualmente é possível conhecer com rigor o texto e as datas das provisões, das tomadas de posse e juramento para os cargos de escrivão dos órfãos e da Câmara e de tabelião e desfazer o mito da falta de provisão régia para o cargo de escrivão/secretário da Câmara da Vila.
Por hoje, vou-me limitar a mostrar o texto desta última provisão e as datas das restantes.
A provisões da nomeação de Drummond para escrivão dos órfãos e da Câmara são ambas do Conde Vila Flor e datadas, a primeira, de 20 de janeiro de 1830 e a segunda de 23 de janeiro de 1830.
A data da tomada de posse e juramento de ambas é de 26 de janeiro de 1830.
A portaria de provimento como tabelião de notas é de 30 de Outubro de 1834


Segue o texto da Provisão da Rainha D. Maria para o cargo de secretário da Câmara e cópia do mesmo.
Provisão que alcançou Francisco Ferreira Drummondo para servir o ofício de escrivão da Câmara





Dona Maria por Graça de Deus Rainha de Portugal e dos Algarves, Aquém e Além mar em África e Senhora da Guiné, faço saber a todos
que conferiu a posse ao suplicante e lhe encarregou com juramento dos Santos Evangelhos para que bem verdadeiramente o serviço com toda a inteireza guardando o segredo, a justiça e as partes do seu direito e sendo pelo suplicante aceite o dito juramento prometendo cumprir as suas obrigações na forma que Deus lhe dever entender.



E assinou com o dito Juiz perante mim, José Armando Coelho de Sousa, escrivão do judicial
Francisco Ferreira Drummond
Apresentado em Câmara aos 26 de janeiro de 1830
Drumondo= Ferreira= Godinho=…




[1] Joaquim Moniz de Sá Corte Real e Amaral- O Historiador Ferreira Drumond -a sua vida e obra, Angra, tip. Andrade, 1951, p.14 e p..32, nota 5
[2] Francisco Ferreira Drumond-Apontamentos Topográficos, IHIT, Angra, 1990, p. .XIV




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Francisco Ferreira Drummond
Os Anais da Minha Vida
Por Dionísio Sousa
1841-1844

(Publicação n.º 6)

A agricultura será também uma das mais vivas preocupações do Presidente Ferreira Drummond, como o comprova, por exemplo, a sua luta pela extinção dos dízimos aplicados aos lavradores, com o seu apelo às cortes em 1839, para a eliminação deste imposto.
Apesar deste empenho da sua gestão camarária neste domínio, Drummond não vai reclamar qualquer originalidade.
Pelo contrário, vai generalizar esta importância dada pelas Câmaras da Vila à agricultura dizendo que a Vila sempre foi a guarda dos campos e vigia da agricultura e acrescentando que sempre esta Câmara levou vantagem neste ramo, por serem os seus vereadores da classe agrícola, ensinados pela experiência dos seus trabalhos (Angrense 319, 12 de Janeiro de 1842).
Pelos documentos KK e LL que Ferreira Drummond anexa ao vol. XIV da 2.ª edição dos Anais (pp.153 e ss.) pode concluir-se pela sua influência, e possivelmente pela própria redação dessas representações da Vila feitas à Regência, então, na Terceira, em 1830 e depois à própria Rainha.
A segunda delas Ferreira Drummond assina-a como Secretário.
Neste texto Drummond não podia ser mais contundente e expressivo na descrição das vexações que estavam ligadas à arbitrariedade dos dízimos ocasionadas pelas indefinições da própria lei que deixava ao critério dos dizimeiros sempre o valor concreto de cada dizimada e muitas vezes o âmbito da sua aplicação.
Drummond vai resumir assim,  com veemência nessa representação de 1831 feita à Rainha, os abusos praticados com os dízimos:
Que abuso senhora! O dízimo de uma vaca parida, o dízimo do bezerro que ela cria, o dízimo da erva que ela come, o dízimo da ovelha e da lã; o dízimo das cebolas, dos alhos, das abóboras e dos bogangos, o dízimo dos inhames plantados pelos regatos; e finalmente, o dízimo das frutas e madeiras!
Mas o quadro da “dizimação” ainda não está completo:
Igualmente se faz digno da atenção de Vossa .Majestade . o dízimo do tremoço, que não servindo para a exportação é empregado no estrume das terras e sustentação de gado e trabalho.
 Não é menos reparável nesta ilha o dízimo das galinhas e das mais aves domésticas, que são dizimadas pela estimação do seu valor pelo arbítrio dos dizimeiros e conforme o caderno que preside ao protocolo das rapinas. E, por conclusão, chegaram a lembrar-se os dizimeiros que da telha se lhe devia dízimo.
Mas Ferreira Drummond não apresenta apenas o problema sugere soluções:
Á vista de tais abusos emudece o ente civilizado.
Tais dízimos de que o legislador não teve ideia, permita-nos, Vossa Majestade. esta reflexão, parece deveriam ser extintos, ou pagos por uma taxa certa em certo tempo e lugar; e ainda que à sua cobrança precedessem informações.
Não menos útil seria que nestas averiguações tivesse parte alguma das autoridades locais e que sobre todas presidisse um fiscal.
Tendo em conta o conteúdo desta representação, o seu tema e a veemência da sua exposição não admira que os três bem conhecidos e ilustres historiadores responsáveis pela 2.ª edição dos Anais tenham expressado com quase igual veemência a sua admiração e respeito por Ferreira Drummond..
São estes os nomes dos três justamente reputados historiadores açorianos
José Avelino Rocha dos Santos, José Guilherme Reis Leite e Manuel Augusto de Faria:
E são estas as palavras que deixaram registadas em nota da p. 161 do vol. XIV dos Anais.:
Texto de extraordinária clarividência e liberdade de espírito, sem dúvida redigido pelos autores destes Anais, ancorando no tempo as razões da sua razão.
Com ele terminam os Anais da Ilha Terceira.
Perante Francisco Ferreira Drummond se curvam os responsáveis da organização desta 2.ª edição, comungando, com humildade, do mesmo espírito de missão de serviço público, na promoção de uma cidadania esclarecida, crítica, participativa e responsável.


Dionísio Sousa, 7.março 2020




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Francisco Ferreira Drummond
Os Anais da Minha Vida
Por Dionísio Sousa
1841-1844

(Publicação n.º 5)


No artigo anterior transcreveram-se e comentaram-se as drásticas medidas e pesadas punições deliberadas em acórdão de 1574 pela vereação da Câmara da Vila de S. Sebastião aos faltosos que comercializassem o quintal de pastel a 300 mil reis e não aos 500 mil da tabela camarária.

Em complemento, hoje acrescentamos que este acórdão foi mencionado por Ferreira Drummond nos seus Anais da Ilha Terceira na parte referente a esse ano de 1574, nos seguintes termos:

Continuava-se nesta Vila (de S. Sebastião) a cultura do pastel e se vendia a 500 reis o quintal, proibindo-se em acórdão vender-se a menos preço, não obstante as intrigas dos comerciantes.



Vamos acrescentar a referência a um documento ainda mais antigo, do princípio do seculo-XVI-cerca de 1507- o chamado Manuscrito de Valentim Fernandes, que descreve com todo o pormenor a planta do pastel e o modo do seu aproveitamento na ilha Terceira.


Este texto viria a ser transcrito literalmente ou adaptado por quase todos os cronistas e historiadores que trataram deste tema do pastel.

Nesta ilha Terceira nasce muito pastel para tingir panos.

E semeiam o pastel assim. Enquanto lavram a terra então lançam a sua semente e cobrem com um rasto que tem para isso.



Isto no mês de fevereiro.

E no mês de maio começam a sair folhas como de alface nova as quais colhem.
E antes que chegam ao cabo de colher já onde começaram são outras tais folhas nadas como do primeiro.

E assim o fazem até ao mês de setembro até que começa a chover.

Então perdem as folhas a virtude e começam a espigar da qual podem colher a semente.

E em colhendo as folhas no mês de maio adiante logo as metem debaixo de uma pedra de mó como de azeite da qual sai o sumo ruim e fica a folha com sua própria virtude.
O que se mói de noite logo pela manhã está muito amodes.

E fazem pães redondos e os põem a enxugar e depois de enxutos tornam outra vez a moer em pó.

E tornam aquele pó numa casa e lançam água e a revolvem. 

E a isto o chamam granar. E depois o vendem.



Para encerrarmos estas referências à cultura de pastel, mais as seguintes observações de Drummond nos Anais.

Diz ele que a cultura do pastel foi o maior comércio nos Açores que nos tempos antigos houve, mas que se perdeu totalmente a cultura e já no ano de 1700 não havia notícia da erva.

A que se podem acrescentar ainda outras duas:

A primeira é referente ao ano de 1568 em que Drummond escreve que para a construção de Sé de Angra foi decidido por alvará régio que se expedisse ordem ao feitor da ilha de S. Miguel para que despendesse três mil cruzados para a obra tirados do direito do pastel.

A segunda é uma nota de Drummond em que ele sublinha que se tem achado grossas pedras de mó que serviam nos engenhos de moer o pastel principalmente, no arrabalde da Vila de S.Sebastião, onde se estabeleceram os primeiros povoadores.

Vila de S: Sebastião, 27.2.2020




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Francisco Ferreira Drummond
Os Anais da Minha Vida
Por Dionísio Sousa
1841-1844

(Publicação n.º 4)

Terminámos o artigo anterior com a menção do acórdão da Câmara  da Vila de São Sebastião de 1574 sobre as medidas tomadas para a defesa e cultura do pastel e seus produtores no Concelho.

Vamos fazê-lo, mas acrescentando a referência e a um documento ainda mais antigo, do princípio do século XVI-cerca de 1507- o chamado Manuscrito de Valentim Fernandes que descreve com todo o pormenor a planta do pastel e o modo do seu aproveitamento.

Vejamos, então, em pormenor cada um dos documentos.

Acórdão da vereação da Câmara da Vila de S. Sebastião em 25 de Setembro de 1574
Decidem os vereadores desta Câmara lançar pregão neste Vila  para ser executado pelo lealdador dos pasteis, que o pastel que que se grana nesta vila desde que  esta vila é vila e a respeito do qual têm informação que alguns mercadores de Angra, com muito prejuízo da terra e da República, tudo fazem a fim de que os lavradores desse Concelho lhes vendam o pastel ao preço  que eles querem e como antes era de 300 reis o quintal e não pelo preço que agora vale que é de 500 reis.

E, como os moradores e lavradores da Vila devem fazer o que é mais em proveito desta Vila, da República e de sua Alteza e não dos mercadores da cidade acordaram para boa governança da terra que nenhuma pessoa ou carreiro ouse levar pastel para fora desta jurisdição sem licença.

 E se alguém o contrário fizer será sob pena de perder o pastel, o carro e os bois e ser preso e na cadeia pagar 50 cruzados, sendo estes para o acusador, concelho e cativos. E ainda dois anos de degredo. Esse for peão será açoitado.

E mandaram os vereadores que fosse apregoado e foi apregoado por Roque Vaz, porteiro do Concelho, em alta voz, ao sair da vereação. Seguem as assinaturas.

Sobre este documento três breves observações:

A primeira é sobre a versão que fizemos para linguagem, quanto possível actual e compreensível. Mais que preocupação de tradução literal e rigorosa teve-se a de tornar o texto acessível.

A segunda observação é sobre o rigor das penalizações aplicadas. Eram do mais extremo rigor e esgotavam todas as modalidades possíveis de castigo implacável e dissuasor.

A terceira observação é sobre um aspecto que será uma constante histórica do concelho da Vila durante toda a sua existência. Uma luta persistente e sem tréguas contra as repetidas tentativas de entidades, privadas e públicas, sediadas em Angra, de procurar diminuir ou mesmo eliminar direitos do concelho da Vila.

Este é um exemplo do século XVI, mas neste e nos séculos seguintes os exemplos vão-se suceder e até alargar para outras áreas.

Mas estas são contas de outro rosário e que ficarão também para outra oportunidade.

O mesmo vai  acontecer com o manuscrito de Valentim Fernandes de que, por ora, deixaremos apenas a imagem.


Dionísio Sousa, Vila de S. Sebastião, 16.2.2020


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Francisco Ferreira Drummond
Os Anais da Minha Vida
Por Dionísio Sousa
1841-1844

(Publicação n.º 3)

Vamos continuar a seguir o historiador Francisco Ferreira Drummond nos 5 artigos que publicou no jornal O Angrense em 1842 subordinados ao título O Progresso da Agricultura na Ilha Terceira e a que vai acrescentar um sexto artigo sobre o mesmo tema ,mas sem título. Este último era designado, na linguagem jornalística do tempo por Comunicado e não levava título próprio, mas tratava também do tema da agricultura na Terceira.

É de referir ainda que nenhum destes textos vem assinado com o nome próprio de Drummond, mas por dois dos seus pseudónimos  (ou nomes supostos, como ele ás vezes os designava).

Os dois pseudónimo foram: Um amigo da Pátria e o Lavrador do Monte.

O primeiro foi usado por Drummond noutras ocasiões. O lavrador do monte, que assina o último dos 5 artigos sobre O Progresso da Agricultura na Ilha Terceira, não. Por isso, só o consegui identificar como sendo de Drummond depois de a leitura me ter revelado o estilo e o conteúdo como inconfundivelmente do nosso historiador. O que não é nada difícil para quem esteja familiarizado com os seus escritos.


No texto anterior tínhamos ficado na actividade agrícola na Terceira que Drummond chamou a primeira experiência de uma manufactura ou fábrica da agricultura terceirense. A tecelagem de sedas provenientes do bicho da seda e que se situou principalmente na zona da Vila Nova e Belo Jardim.
A manufactura que se seguiu foi a do pastel. Tratava-se de uma planta tintureira que, no dizer de Drummond, era do tamanho de uma alface e tão rara como o nenhum uso que dela se faz.

É claro que com esta descrição Drummond se está referindo a uma planta que os seus contemporâneos quase desconheciam por completo.

Com efeito, ela fora introduzida no arquipélago em quase toda as ilhas e segundo o cronista Manuel Luís Maldonado na ilha Terceira pelo próprio Jácome de Bruges numa área do interior da ilha que ficou conhecida pelos cerrados dos pasteis.

Sobre o sucesso e posterior declínio desta cultura, no artigo que vimos seguindo Drummond resume-o assim:


O pastel, planta de tinturaria, fez-se a principal cultura das Ilhas atraindo muito comércio da Inglaterra, Holanda e Sevilha.

Tanto que havia um Lealdador dos pasteis por conta de quem decorria a arrecadação dos direitos reais.


Ainda no ano de 1574 durava este vantajoso comércio e a sua cultura influía muito na dos trigos, sendo o amanho das terras quase igual para um e para o outro género.

Do que resultava ser grande a colheita do trigo em comparação dos braços que o cultivavam.

Acrescenta Drummond sobre as razões da decadência desta cultura:

Mas, ou porque houvesse vício no arranjo desta planta, como afirmam alguns, por lhe misturarem outras ervas.

Ou por falta dos necessários engenhos que El-Rei prometeu e não enviou.
Ou porque lhe substituíssem com mais proveito o milho, o certo é que o plantio do pastel desapareceu.

Como exemplo da importância e do rendimento desta cultura do pastel apresenta Drummond dois exemplos.

O primeiro é do testamento de um morador na Agualva que pagara de dízimo em 1520, 10 quintais de pastel, isto é, cerca de 600 kg.

O outro exemplo é da Câmara da Vila de S. Sebastião que em 1574 fixa o preço do quintal do pastel em 500 mil reis o quintal.

Decidindo ainda outras medidas drásticas em defesa da cultura e comercialização do pastel de que se falará em próximo artigo.

Dionísio Sousa, Vila, 9.2.2019



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Francisco Ferreira Drummond
Os Anais da Minha Vida
Por Dionísio Sousa
1841-1844

(Publicação n.º 2)


Comecemos por completar, apenas com uma alusão genérica, o terceiro factor das várias dificuldades que Drummond considerava terem obstado ao progresso da agricultura da Terceira e que ficou em suspenso no texto anterior.

A agricultura da ilha parecia ter garantido o progresso constante  em razão da fertilidade do seu solo e que Drummond se dispensa de fundamentar.

Todos os autores e textos, então considerados como suficientemente abalizados sobre o tema, como o Padre Cordeiro (1641-1722) e a folhinha da Terceira de 1832 eram concordantes em considerar a Terceira não só fértil, mas fertilíssima.

A folhinha exprimia-o com clareza e naturalidade.

 O historiador P.e Cordeiro, por sua vez, dava-lhe um tom quase épico e de primazia sobre qualquer outra ilha, nomeadamente, a de S. Miguel.

Esse terceiro factor de travão do progresso da agricultura da ilha era, segundo Drummond, de caráter social e incluía três aspectos que, depois, Drummond vai desenvolver com maior pormenor. Eram a instituição do morgadio, o número excessivo de conventos e ordens religiosas e o tratamento de desprezo e incúria, senão mesmo mortífero, da chamada classe dos expostos.

Deixando, por agora, estes factores apenas enunciados, vamos acompanhar o primeiro texto que Drummond publica em 1842[1]com o título comum de Progresso da Agricultura da Ilha Terceira.

Um dos caminhos do progresso  da agricultura da ilha e que Drummond atribui mesmo ao seu primeiro donatário, Jácome de Bruges (1456-1466) era o entendimento de que ela era tão apta para os cereais como para a manufactura e que as primeiras “fábricas”(é este mesmo o termo que Drummond utiliza) foram instaladas em Belo Jardim, mas tiveram grande seguimento nas Lajes e Vila Nova.


Estas fábricas ou manufacturas eram as de tecelagem de sedas.

Drummond demonstra a sua expansão e importância com base em vários assentos de batismos de filhos de tecelões de seda da Vila Nova, e pelas recomendações de um Corregedor, em 1571, que trouxe provisão para obrigar as Câmaras ao plantio de amoreiras à beira mar, junto das  ribeiras e até nos matos.

Do texto de Drummond não se chega a perceber a provável dimensão desse comércio da seda. Pois Drummond vai salientar principalmente desse incentivo ao plantio de árvores os enormes troncos que tinham chegado até aos seus dias de toda a espécie de árvores de espinho, como as amoreiras, os castanheiros, nogueiras e outras.

Acrescentava ainda que foram estas plantações que têm servido para a construção de fortíssimos carros e delicadas mobílias.


 Comprovava-se, assim, o zelo e o cuidado dos nossos antepassados instigados pela necessidade e pela autoridade das Câmaras.


Sublinhando ainda e traduzindo a sua visão daqueles tempos que ele considerava a idade do grande apogeu e força do poder camarário na ilha, diz que a autoridade das Câmaras, não era apenas um nome vão, como hoje.

Nesta orientação da agricultura da ilha, desde sempre ter sido encaminhada para uma especialização que fosse para além da produção de cereais podemos perceber a influência de dois factores.



Um que poderemos considerar de circunstancial ao recuar Drummond até Jácome de Bruges. Pois, segundo Drummond, Jácome de Bruges acabava de regressar da ilha da Madeira onde contactara directamente com uma manufactura -a do açúcar- do seu loco-tenente Diogo de Teive.








Em segundo lugar, uma razão de fundo e que era a necessidade de uma especialização dos Açores num ciclo de produção que ocupasse, em relação ao mercado do continente, um papel equivalente ao da Madeira, mas sem competir com ela. Não podendo, portanto, limitar-se aos cereais nem abalançar-se ao açúcar. Esse lugar será ocupado, com veremos, pelo pastel.

Dionísio Sousa, em a Vila de S. Sebastião, ilha 3.ª,29.01.2020




[1] Angrense,314 de 13.10.1842


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de Ferreira Drummond
por Dionísio Sousa
1844

 (Publicação n.º 1)




Ferreira Drummond classificou este ano de 1844 como um ano fausto para a ilha Terceira.

Com esta classificação ele procurou contrapô-lo aos três anos anteriores de 1841, 42 e 43 que foram anos terrrivelmente infaustos ou mesmo nefastos para a ilha.

1841 ficou marcado pelo arrasador sismo de 15 de Junho, vulgarmente designado por 2.ª caída ou queda da Praia, mas que atingiu grande parte da ilha, particularmente,  entre as Fontinhas e Vila de S. Sebastião e foi seguido de uma carestia profunda de produção  agrícola que o próprio Ferreira Drummond  em artigo publicado nesse ano entendia que reduziu a produção de milho na ilha para metade e a de trigo de um terço. Por isso conclui que um espectro voraz nos ameaça: a fome.[1]  


Nos dois artigos que Drummond publica em 1844 sobre este “célebre” ano (assim o chama), o primeiro artigo publicado  em Março é sobre as sementeiras na Ilha Terceira e o segundo em Maio é sobre a provável colheita.

Ele resume assim a situação ocorrida nesses três anos. 



De 1841 dá ele o exemplo da calamitosa e nunca antes experimentada cresta ou queima dos trigos nesse fatal ano em que nas povoações do Cabo da Praia, do Porto Martins e Belo jardim só escaparam três pequenos cerrados de trigo, sendo todo o mais ceifado para os gados.

Dos dois anos seguintes, diz ele que se viu crescendo tanto as ervas más  e sobre todas a ervilhaca, monda atrevida que cresce mais do que  as espigas  de trigo e as submete enriçando-as em ar de latada que nem a elevada cana da mais robusta variedade de trigo, o chamado trigo Mouro, a consegue vencer.

Essas três povoações, escarmentadas da cresta do ano anterior, e neste ano de 1844 livres dela pelo bom tempo que fez, realizaram colheitas abundantíssimas.


O mesmo não aconteceu com as restantes povoações da parte sul da ilha, porque não acautelaram a quantidade de semente suficiente.

Que fazer, então?

Drummond propõe uma medida drástica.  



Que se faça, agora, com essa variedade de trigo aquilo mesmo que se fez, outrora, com a batata inglesa/branca e que os agricultores teimavam em não cultivar.

O governo obrigou-os a comprarem-na e a semeá-la .

 E que acontece agora a quem o fez?

Recebe hoje muitas bênçãos e sempre receberá porquanto neste assunto benfazejamente praticou a justiça e o castigo.

De outras situações e temas semelhantes se ocupa ainda Drummond nestes dois artigos, mas no final, diz que a brevidade o aconselha a deixar esses casos para outra oportunidade. Por isso o dá por concluído.

 O mesmo faço eu com este.

O que sobeja dará matéria para outro semelhante.

Em a Vila, ilha 3.ª, 24.1.2020

Em vez de uma leitura isolada destes dois textos de 1844, será mais vantajoso enquadrá-los   na série daqueles que F. D. escreve, pelo menos  desde 1841.

Em 1841 o mal maior da fome que ameaçava os terceirense resultava, segundo Drummond da conjugação da baixa de produção destacada  no texto anterior, mas agravada com o embarque de cereais para o exterior que não foi travado a tempo.

Este é um clamor geral de que Drummond se faz eco e que repete um tema que já fora levado ao Administrador Geral, Silvestre Ribeiro pelo irmão de Drummond, José Ferreira Drummond, procurador do concelho da Vila.

Nos textos de 1942, Drummond vai tratar do problema das vicissitudes da agricultura da Terceira, encarando-a de uma forma  mais radical e apontando as suas cíclicas crises e falhas estruturais.


Ele começa por sublinhar que todos os autores que escreveram sobre a Terceira lhe reconhecem   ser tão admirável pela natureza que  a sua agricultura tem a melhor produção dos Açores. Refere-se, embora não os  cite aos textos de  Cordeiro, da Geografia Açórica e da Folhinha da Terceira de 1832.

Mas no desenvolvimento que faz dessa ideia o quadro não será sempre tão risonho como esta afirmação inicial faria supor. No desenrolara do seu pensamento ele aponta três grandes ameaças que sempre foram os grandes obstáculos ao progresso  da agricultura na Ilha Terceira. Será este mesmo o título geral dos 5 artigos[2]que escreve nesta ano. Vai ainda  acrescentar-lhe mais um Comunicado.
O primeiro obstáculo foi especialmente sentido pelas primeiros povoadores: o instável clima e calamitoso habitat das ilhas.

Afirma mesmo que até 1700 os novos habitantes da Terceira sempre se moveram pelo “intento de abandonarem a ilha  por causa de contratempos como, enumera ele, as tempestades, os terramotos,- em breve nota  mostra em média de 2 sismos de grande destruição por cada século-as névoas, aluviões de água e vento,a pragas de melros e coelhos sem tapumes que impedissem a devastação das colheita.

O segundo tipo de ameaça está ligada ás condições da produção da terra e exportação dos seus produtos.




[1] O Angrense, 247, 9 Setembro de 1841
[2] Angrense, 314 de 13.10.1842, 316,317,319,320,322 e 319 de 17.10.1842





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