1848 - bALEAÇÃO NO PICO |
LUIS BICUDO, CINEASTA
IN DI (15-fev-2014)
Baleeiros personificam a alma açoriana
Acaba de apresentar em Lisboa uma longa-metragem sobre as vivências baleeiras do Pico e do Faial. Que olhar pretende transmitir sobre uma atividade que durante mais de um século foi importante para as comunidades dessas ilhas?
O universo da baleação nos Açores é demasiado vasto para ser representado num só filme. Antropologicamente, encontra raízes tão longínquas como nas populações nativas de Nova Inglaterra, ou na baleação basca, cujo início foi entre os séculos VII e XI. Este universo contém ainda as aventuras dos milhares de jovens açorianos que embarcaram na indústria baleeira americana, desde o século XVIII até ao fim desta atividade. Foi a origem de comunidades açorianas por muitos pontos do globo e culminou em quase um século e meio de história de baleação costeira transversal a todas as ilhas do arquipélago.
"Baleias e Baleeiros" não é sobre a extinta indústria baleeira, nem sobre um passado longínquo. Este filme é um olhar sobre a cultura baleeira de hoje, é sobre os senhores que filmei e que me contaram as suas histórias. É sobre o que os meus avós me transmitiram e o que ainda têm a transmitir. Esencialmente, é sobre a persistência do passado na alma açoriana.
Trata-se de um documentário cinematográfico onde se podem encontrar testemunhos dos últimos baleeiros. Conseguiu fugir à tendência de fazer um registo de certa forma etnográfico?
A etnografia é uma disciplina da antropologia, uma ciência que vulgarmente é definida por "o estudo do homem e da humanidade", percebendo-se assim que é uma ciência bastante abrangente e por isso talvez encontremos alguns pontos em comum com o meu trabalho. No entanto, eu não sou cientista - imagino que ao longo da história os antropólogos desenvolveram métodos de registo etnográfico e imagino também que os trabalhos antropológicos obedeçam a determinadas regras às quais eu não obedeço. Mesmo que no futuro o meu filme possa ter valor para o antropólogo, as minhas preocupações enquanto cineasta são outras. Neste filme, o registo que faço prende-se mais com o cinema enquanto meio de contar histórias e transmitir emoções e não tanto como fundamentação exaustiva de uma tese científica sobre o povo da nossa terra. O meu ponto de partida é familiar proque sou neto e bisneto de baleeiros e cresci naquelas duas ilhas. Assim, mesmo que quisesse, penso que não dispunha do distanciamento suficiente para fazer um registo etnográfico.
A caça à baleia nos Açores cessou há cerca de três décadas. Indepentemente de se concordar ou não com essa atividade, considera que é preciso fazer mais para que as gerações futuras possam saber como foi a atividade baleeira?
A cultura da baleação açoriana nunca será esquecida. Foi interpretada criativamente por escritores e poetas, pintores e artesãos de scrimshaw. No século XX, vários realizadores estrangeiros não se resignaram até filmarem os baleeiros açorianos executando uma técnica de caça que parecia desaparecida do planeta desde há 100 anos. Herman Mellville faz-lhes referência em Moby Dick, e Dias de Melo, faz-lhes justiça na sua vasta obra.
Este traço onírico e fantástico, a que Dias de Melo chamava "A nossa epopeia baleeira", advém da relação entre o Homem e a Natureza - algo que parece esquecido no meio urbano, mas sempre inevitável.
O baleeiro açoriano lutava em terra por cultivar os seus alimentos, lutava na costa, nos rochedos farpados a que chamava porto, para arriar e varar a sua embarcação, lutava no mar, corpo a corpo, com o Leviatã. Era uma das poucas indústrias, senão a única em alguns portos, onde conseguia algum dinheiro porque a terra, o mar e o trabalho muitas vezes não chegava. Foi esta relação íntima entre a vida e a morte que moldou homens e famílias a uma cultura de grande carácter e orgulho.
É verdade que os baleeiros que ainda vivem são os últimos de uma geração que já não vai voltar, e acredito que são pessoas muito especiais por terem vivido da forma como viveram. Mas a tradição não existe sem uma constante reconstrução do antigo. É de louvar o esforço do Governo Regional na reconstrução e manutenção do património baleeiro, nomeadamente os botes e lanchas baleeiras, possibilitando a homens e mulheres navegar nestas embarcações todos os anos e celebrar de uma forma única, com dedicação e paixão, a memória dos seus antepassados.
Quais os projetos que pretende desenvolver nos próximos tempos no cinema e as dificuldades que enfrenta para os concretizar?
Enquanto realizador, a minha vontade é filmar os Açores e, felizmente, ideias não faltam. Alguns dos projetos que estou a desenvolver prendem-se ainda com o tema da baleação, outros com aspetos históricos e culturais da ilha do Faial, tal como a importância da marina da Horta para a navegação de recreio internacional. Infelizmente, em Portugal é muito difícil viver do cinema, mas por outro lado, é difícil fazer cinema sem viver dele.
Não existe uma indústria cinematográfica e praticamente todo o cinema português é subsidiado. Apesar de ser eu o primeiro a investir nos meus projetos, não se pode esquecer que o cinema é uma arte que vive da tecnologia, e para que a técnica seja de alto nível, é necessário muito dinheiro.
Sinto um grande défice cultural neste país, e penso que foram decisões políticas e económicas que levaram as pessoas a preferir o entretenimento ao conhecimento, quando num país com tanto para oferecer, a cultura poderia gozar de um outro equilíbrio. A maior dificuldade pela qual o cinema está a passar é a falta de massa crítica para ver filmes - esta é a raiz do problema.
Se houvesse mais vontade por parte das pessoas em usufruir da cultura que lhes poderíamos proporcionar, possivelmente os apoios financeiros surgiriam amiúde.
As últimas edições do Labjovem e a bolsa que me foi atribuída pelo Governo Regional foram um grande incentivo para continuar a fazer cinema, assim como todas as pessoas que viram os filmes "A Banana do Pico" e "Baleias e Baleeiros" e apreciaram o meu trabalho.
O universo da baleação nos Açores é demasiado vasto para ser representado num só filme. Antropologicamente, encontra raízes tão longínquas como nas populações nativas de Nova Inglaterra, ou na baleação basca, cujo início foi entre os séculos VII e XI. Este universo contém ainda as aventuras dos milhares de jovens açorianos que embarcaram na indústria baleeira americana, desde o século XVIII até ao fim desta atividade. Foi a origem de comunidades açorianas por muitos pontos do globo e culminou em quase um século e meio de história de baleação costeira transversal a todas as ilhas do arquipélago.
"Baleias e Baleeiros" não é sobre a extinta indústria baleeira, nem sobre um passado longínquo. Este filme é um olhar sobre a cultura baleeira de hoje, é sobre os senhores que filmei e que me contaram as suas histórias. É sobre o que os meus avós me transmitiram e o que ainda têm a transmitir. Esencialmente, é sobre a persistência do passado na alma açoriana.
A etnografia é uma disciplina da antropologia, uma ciência que vulgarmente é definida por "o estudo do homem e da humanidade", percebendo-se assim que é uma ciência bastante abrangente e por isso talvez encontremos alguns pontos em comum com o meu trabalho. No entanto, eu não sou cientista - imagino que ao longo da história os antropólogos desenvolveram métodos de registo etnográfico e imagino também que os trabalhos antropológicos obedeçam a determinadas regras às quais eu não obedeço. Mesmo que no futuro o meu filme possa ter valor para o antropólogo, as minhas preocupações enquanto cineasta são outras. Neste filme, o registo que faço prende-se mais com o cinema enquanto meio de contar histórias e transmitir emoções e não tanto como fundamentação exaustiva de uma tese científica sobre o povo da nossa terra. O meu ponto de partida é familiar proque sou neto e bisneto de baleeiros e cresci naquelas duas ilhas. Assim, mesmo que quisesse, penso que não dispunha do distanciamento suficiente para fazer um registo etnográfico.
A cultura da baleação açoriana nunca será esquecida. Foi interpretada criativamente por escritores e poetas, pintores e artesãos de scrimshaw. No século XX, vários realizadores estrangeiros não se resignaram até filmarem os baleeiros açorianos executando uma técnica de caça que parecia desaparecida do planeta desde há 100 anos. Herman Mellville faz-lhes referência em Moby Dick, e Dias de Melo, faz-lhes justiça na sua vasta obra.
Este traço onírico e fantástico, a que Dias de Melo chamava "A nossa epopeia baleeira", advém da relação entre o Homem e a Natureza - algo que parece esquecido no meio urbano, mas sempre inevitável.
O baleeiro açoriano lutava em terra por cultivar os seus alimentos, lutava na costa, nos rochedos farpados a que chamava porto, para arriar e varar a sua embarcação, lutava no mar, corpo a corpo, com o Leviatã. Era uma das poucas indústrias, senão a única em alguns portos, onde conseguia algum dinheiro porque a terra, o mar e o trabalho muitas vezes não chegava. Foi esta relação íntima entre a vida e a morte que moldou homens e famílias a uma cultura de grande carácter e orgulho.
É verdade que os baleeiros que ainda vivem são os últimos de uma geração que já não vai voltar, e acredito que são pessoas muito especiais por terem vivido da forma como viveram. Mas a tradição não existe sem uma constante reconstrução do antigo. É de louvar o esforço do Governo Regional na reconstrução e manutenção do património baleeiro, nomeadamente os botes e lanchas baleeiras, possibilitando a homens e mulheres navegar nestas embarcações todos os anos e celebrar de uma forma única, com dedicação e paixão, a memória dos seus antepassados.
Enquanto realizador, a minha vontade é filmar os Açores e, felizmente, ideias não faltam. Alguns dos projetos que estou a desenvolver prendem-se ainda com o tema da baleação, outros com aspetos históricos e culturais da ilha do Faial, tal como a importância da marina da Horta para a navegação de recreio internacional. Infelizmente, em Portugal é muito difícil viver do cinema, mas por outro lado, é difícil fazer cinema sem viver dele.
Não existe uma indústria cinematográfica e praticamente todo o cinema português é subsidiado. Apesar de ser eu o primeiro a investir nos meus projetos, não se pode esquecer que o cinema é uma arte que vive da tecnologia, e para que a técnica seja de alto nível, é necessário muito dinheiro.
Sinto um grande défice cultural neste país, e penso que foram decisões políticas e económicas que levaram as pessoas a preferir o entretenimento ao conhecimento, quando num país com tanto para oferecer, a cultura poderia gozar de um outro equilíbrio. A maior dificuldade pela qual o cinema está a passar é a falta de massa crítica para ver filmes - esta é a raiz do problema.
Se houvesse mais vontade por parte das pessoas em usufruir da cultura que lhes poderíamos proporcionar, possivelmente os apoios financeiros surgiriam amiúde.
As últimas edições do Labjovem e a bolsa que me foi atribuída pelo Governo Regional foram um grande incentivo para continuar a fazer cinema, assim como todas as pessoas que viram os filmes "A Banana do Pico" e "Baleias e Baleeiros" e apreciaram o meu trabalho.
As vivências dos últimos baleeiros do Pico e Faial são o tema de uma longa-metragem do jovem realizador açoriano Luís Bicudo, apresentada recentemente em Lisboa |
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