quarta-feira, 25 de março de 2020

Urbano Bettencourt (Poeta e Escritor)



Manuel Urbano Bettencourt


Caricatura de Mário Roberto (2009)
Nasceu na Piedade, Lajes do Pico a 24.11.1949. Poeta e docente universitário.

Raíz de Mágoa, primeiros poemas de Urbano Bettencourt publicados em livro, data de 1972, e a mais recente, Algumas das Cidades, de 1995.

Tem publicado entretanto e regularmente nos mais diversos periódicos científico-académicos ou de larga circulação, reunindo-os em sucessivos volumes (três, até hoje) sob o título de O Gosto das Palavras.

Paralelamente àquela consistente actividade literária, nunca deixou de intervir a vários níveis na vida cultural da comunidade açoriana, sempre consciente da sua dispersão e consequente ?riqueza? artística ao longo dos séculos ? um mosaico de ser e estar diverso e conjugado num todo, como as próprias ilhas a que ele intimamente pertence, e a partir das quais se posiciona perante o restante mundo. Foi ainda a meados dos anos 70 (e como resultado imediato do 25 de Abril) que Urbano fundou e dirigiu, com o falecido J. H. Santos *Barros, A Memória da Água-Viva, a primeira revista de cultura açoriana que propôs com desusada audácia um projecto de definição e defesa de uma Literatura Açoriana a partir de pressupostos ideológicos profundamente democráticos e universalizados.

Urbano tem antecipado outros teoricamente numa antevisão de um pós-modernismo culturalmente abrangente e marcado necessariamente pela permanente dialéctica da territorialização/desterritorialização (de que falaria mais tarde Edouard Glissant em relação às ilhas Caraíbas) da criação literária açoriana, enraizada desde há muito, tanto na experiência histórica da vida nas ilhas como na ?convivência? ou diálogo intelectual com o exterior, desde o Continente português às Américas.

Urbano Bettencourt é, nos Açores, um dos mais completos e consequentes exemplos do poeta crítico, com profundo enraizamento na experiência criativa do nosso país. Desde há anos docente de literatura na Universidade dos Açores, a dualidade da obra de Urbano, assim como o seu papel de homem de letras público, faz lembrar a dinâmica criativa e teorizadora do conhecido grupo de poetas sulistas norte-americanos que (também a partir das suas universidades) nos anos 30 e 40 criaram e aprofundaram o New Criticism, a mais duradoura (e internacionalizada) proposta teórica na descodificação do texto poético.



A data da publicação da sua poesia é pertinente. É aí que se encontra a chave descodificadora de muita da sua temática: o desespero e alienação de toda uma geração perante a guerra colonial e a longa ditadura política que não deixava mais do que a resistência ou a emigração a homens e mulheres livres e conscientes do seu momento histórico adentro de um referencial transnacional. O trágico cerco humano, na poesia de Urbano, intensifica-se na geografia atlântica da ilha abandonada e num tempo sem tempo.





Urbano cultiva, desde o início, na sua poesia, uma aguda ironia e certo grau de ambiguidade na abordagem do mundo ilhéu açoriano ou mais vastamente português. A sua linguagem poética está decididamente vincada por uma insistente imagística e demais andamentos ora de denúncia da desolação societal ora de dialogismo entre autores e textos das mais próximas e distantes geografias reais e imaginárias; é a poética de uma dialéctica entre a realidade estática e a fuga através da pura fantasia.

Há na sua obra a continuidade de preocupações temáticas expressas nas mais diversas formas desde, por exemplo, Fez do abandono um hino de coragem, do poema ?Ilha-Grande? do já referido Raíz de Mágoa de 1972, O mundo acaba mesmo em frente, de encontro à Montanha emboscada na sua teia de nuvens, de ?Horta, um perfil? em Algumas das Cidades de 1995. Este seu mais recente livro contém nove sequências sobre Angra pós-sismo (de 1980). É um gesto poético de aproximação afectiva e simultâneo distanciamento irónico e intelectual à realidade da ilha caída e aparentemente ?recuperada?.




Ensaísta e teorizador crítico da literatura e cultura açorianas, tal como na poesia, Urbano estende consideravelmente o campo de contextualizações estéticas e históricas. A análise textual serve-lhe inevitavelmente para a retenção de ideias principais e impulsos temáticos de cada texto em foco. A sua ?comunidade? de referências literárias e culturais inclui naturalmente a maior parte dos seus colegas dos ou nos Açores, mas nunca ignorando os que, de um modo ou outro noutras partes, intervieram ou intervêm nesse gesto de reconhecimento melvilliano de geografia para geografia, de língua para língua. Os escritores africanos de língua portuguesa, principalmente os cabo-verdianos devido às suas afinidades intelectuais com as ilhas açorianas, são-lhe uma presença constante e frutífera, como nos mostra De Cabo Verde aos Açores ? à luz da Claridade, editado (em 1998) na cidade do Mindelo após uma série de conferências que Urbano proferiu naquele arquipélago. Quanto aos referidos volumes de O Gosto das Palavras, bastará citar o que sobre essa obra de referência (para qualquer estudioso da literatura ou cultura açorianas) escreveu um dia Eugénio Lisboa nas página do JL: ?É que se Urbano é um académico genuíno, por profissão e competência, é também, e acima de tudo, um verdadeiro escritor. A diferença é enorme. O académico só tem que ensinar, investigar e apresentar comunicações com o resultado dessa investigação. Ao escritor compete-lhe criar textos, isto é, de criação literária que, mesmo comentando outros textos, estão muito para além da comunicação meramente denotativa?.




experiência imigrante açoriana na América do Norte e os seus reflexos nalguma literatura do arquipélago, para além de constantes chamamentos na sua restante obra poética e ensaística,  valeu-lhe ainda o estudo Emigração e Literatura: Alguns Fios da Meada, publicado na cidade da Horta em 1989. Trata-se de uma análise de como esse (talvez o mais importante) vector histórico na vida multissecular dos Açores foi transfigurado ou representado por alguns escritores açorianos no fim do século XIX. Vamberto Freitas (2002)


Obras:

(1972), Raíz de Mágoa. Setúbal, Ed. do Autor.
(1980), Marinheiro com Residência Fixa. Lisboa, Grupo de Intervenção Cultural Açoriano.
(1983), O Gosto das Palavras. Angra do Heroísmo, Secretaria Regional de Educação e Cultura [artigos sobre Antero de Quental e outros autores açorianos; o carácter cósmico de alguma poesia barroca, os Apólogos Dialogais de D. Francisco Manuel de Melo].
(1987), Naufrágios/inscrições. Ponta Delgada, Brumarte.
(1986), ?Rodrigo Guerra - Alguns Olhares? in Onésimo Teotónio Almeida, Da Literatura Açoriana ? subsídios para um balanço. Angra do Heroísmo, Secretaria Regional de Educação e Cultura.
(1987), Algumas Palavras a Propósito... In Terra, F. Água de Verão. Ponta Delgada, Signo.
(1989), Emigração e Literatura. Horta, Gabinete de Cultura da Câmara Municipal [ensaio que aborda a questão nalguns contistas açorianos do final do século XIX].O Gosto das Palavras. Ponta Delgada, Jornal de Cultura, II [ensaios sobre autores açorianos e ainda Maria Ondina Braga, Helena Marques, António Tabucchi, Raul Brandão, entre outros].
(1995), Algumas das Cidades. Angra do Heroísmo, Instituto Açoriano de Cultura [poesia].
(1998), De Cabo Verde aos Açores ? à luz da Claridade. Mindelo, Câmara Municipal de S. Vicente.
(1998), ?A Ilha de Fernão Dulmo em Mau Tempo no CanalIn Homem, M. A. (ed.), Livro de Comunicações do Colóquio As Ilhas e a Mitologia. Câmara Municipal do Funchal: 117-123. [Ensaios Dispersos].
(1999), Gosto das Palavras. Lisboa, Ed. Salamandra, III. [Ensaios sobre Literatura Clássica Portuguesa e Literatura Açoriana e Cabo-Verdiana] [Crítica/Ensaios Reunidos].


In: Cultura Açores

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