segunda-feira, 18 de novembro de 2024

A Sé de Angra (1568-2023)

 
 
 
A Sé de Angra
 
Diocese de Angra, uma diocese atlântica

A Diocese de Angra, que abrange uma superfície total de 2243km2, dispersa por nove ilhas, foi criada pelo papa Paulo III através da bula Aequum reputamus, de 5 de Novembro de 1534. A diocese abrange todo o arquipélago dos Açores e tem a sua sede na cidade de Angra do Heroísmo, na ilha Terceira.

A 10 de Janeiro de 1568, já no reinado do Cardeal D. Henrique, é que a Coroa tomou a decisão de mandar construir a nova Sé às suas expensas. A opção foi no sentido de se construir um novo templo no mesmo sítio do já existente, mas alargando muitíssimo o espaço, que acabou por ocupar todo um quarteirão no centro da cidade, delimitado pelas rua da Sé, Carreira dos Cavalos, da Rosa e do Salinas.

As paróquias dos Açores, como de todas as ilhas e terras de Além-mar, começaram por estar sujeitas à jurisdição da Ordem de Cristo, exercida pelo Vigário nullius de Tomar.


Os primeiros povoadores católicos foram instruídos pelos franciscanos que chegaram em 1456 à ilha Terceira, onde construíram uma ermida e em 1470 erguem o Convento de São Francisco de Angra.



Sé Catedral de Angra do Heroísmo




Álvaro Martins Homem
Em 1461 dá-se a fundação da Ermida de São Salvador a mando de Álvaro Martins Homem, fundador da vila da Angra. Essa ermida esteve na origem da Sé Catedral de Angra do Heroísmo.

D. João III
Após a descoberta das ilhas dos Açores e do seu subsequente povoamento, o governo eclesiástico do arquipélago passou por três fases distintas.
A primeira fase vai desde o descobrimento-povoamento até à criação da diocese do Funchal.


Os Açores, como se sabe, foram doados pelo Rei português ao Infante Dom Henrique, na qualidade de Mestre ou Governador da Ordem de Cristo, concentrando nas mãos do Donatário o poder temporal e o espiritual.

O poder temporal era exercido, primordialmente, pelos Capitães do Donatário, os quais foram colocados à frente das diversas Capitanias em que foram divididas as Ilhas. E o espiritual, embora revestindo a forma de poder delegado, era exercido pelo Dom Prior de Tomar, que era Freire da dita Ordem de Cristo.

Entretanto, como as descobertas portuguesas tinham atingido grandes áreas geográficas era necessário a criação de novas Dioceses ultramarinas dado que se tornava impraticável que a jurisdição canónica permanecesse exclusivamente nas mãos da Ordem de Cristo. Neste sentido, o rei de Portugal D. João III (1521-1557) enviou o seu sobrinho Dom Martinho de Portugal como embaixador junto da Santa Sé e com a finalidade de obter a criação de diversos bispados ou dioceses nas terras descobertas.

Uma das primeiras dioceses a serem erectas foi a do Funchal, na ilha da Madeira, por Bula do Papa Leão X (1513-1521) datada de 12 de Junho de 1514, ficando sob a jurisdição da nova diocese todas as Ilhas atlânticas, a costa de África, a Índia, bem como todas as descobertas portuguesas, tornando-a a maior de todas as Dioceses que alguma vez existiram no mundo.



Desta forma entramos na segunda fase da jurisdição canónica dos Açores, dado que esta passa para a alçada da nova Diocese do Funchal. São conhecidos diversos documentos que atestam o exercício desta jurisdição, como seja o facto de o primeiro Bispo do Funchal ter mandado, no ano de 1517, como Visitador aos Açores o Bispo Duniense Dom Duarte, o qual procedeu á sagração de duas Igrejas Matrizes.

Em 1523, o mesmo Bispo nomeia como novo Visitador para os Açores o Padre João Pacheco, e em 1525 o Cabido da Sé do Funchal, então Sede Vacante, nomeia um Ouvidor do eclesiástico para a ilha de São Miguel.

Finalmente, a terceira fase da jurisdição canónica dos Açores e que perdura até ao presente, começa com a fundação da Diocese de Angra.






Medalha comemorativa dos 450 anos da criação da Diocese de Angra
1534 - 3 de Novembro - 1984
 
Depois de algumas confusões geográficas sobre a cidade, ilha e igreja onde devia ficar erecta a Sé da nova Diocese, por Bula do Papa Paulo III (1534-1549), intitulada Aequum Reputamus, e dada em Roma a 3 de Novembro de 1534, foi finalmente criada a Diocese de Angra, desmembrada da já então Arquidiocese do Funchal e passando a sua sufragânea, até 1550, com sede na Igreja do Santíssimo Salvador da cidade de Angra, na ilha Terceira. A sua jurisdição estendia-se às nove ilhas do arquipélago. A partir dessa data ficou sob a jurisdição da arquidiocese de Lisboa (desde 1716 designada por Patriarcado Metropolitano de Lisboa), até hoje.




O Papa Paulo III, pela Bula Gratiae divinae proemium, datada do mesmo dia da criação da Diocese, confirma a nomeação do primeiro Bispo de Angra na pessoa de Dom Agostinho Ribeiro (1534-1540).

Em 1862, isto é, 328 anos após a fundação da Diocese, foi fundado o Seminário Episcopal de Angra.

A inauguração solene realizou-se a 9 de novembro, no antigo Convento de São Francisco. Foi somente em 1864 que o seminário recebeu alunos internos. Até então os clérigos açorianos recebiam formação em seminários, em Portugal continental, universidades nacionais e estrangeiras, e ainda nos conventos existentes nos Açores, e mais tarde, nos colégios que os Jesuítas fundaram em Angra, Ponta Delgada e Horta. Em Ponta Delgada, foi inaugurado o Seminário Menor do Santo Cristo em 12 de outubro de 1966.








A 11 de maio de 1991, o Papa João Paulo II visitou os Açores. Foram feitas celebrações religiosas nas cidades de Ponta Delgada e Angra do Heroísmo.

Desde a sua fundação, a Diocese de Angra já teve 38 bispos, sendo apenas dois naturais dos Açores.

Por ordem cronológica fica o nome dos prelados e o tempo de duração dos seus episcopados:

1.D. Agostinho Ribeiro (1534-1540)
2.D. Rodrigo Pinheiro (1540-1552)
3.D. Frei Jorge de Santiago, O.P. (1552-1561)
4.D. Manuel de Almada (1564-1567)
5.D. Nuno Álvares Pereira (1568-1570)
6.D. Gaspar de Faria (1571-1576)
7.D. Pedro de Castilho (1578-1583)
8.D. Manuel de Gouveia (1584-1596)
9.D. Jerónimo Teixeira Cabral (1600-1612)
10.D. Agostinho Ribeiro (1614-1621)
11.D. Pedro da Costa (1623-1625)
12.D. João Pimenta de Abreu (1626-1632)
13.D. Frei António da Ressurreição, O.P. (1635-1637)
14.D. Frei Lourenço de Castro, O.P. (1671-1678)
15.D. Frei João dos Prazeres, O.F.M. (1683-1685)
16.D. Frei Clemente Vieira, O.A.D. (1688-1692)
17.D. António Vieira Leitão (1694-1714)
18.D. João de Brito e Vasconcelos (1718)
19.D. Manuel Álvares da Costa (1721-1733)
20.D. Frei Valério do Sacramento, O.F.M. Cap. (1738-1757)
21.D. António Caetano da Rocha (1758-1772)
22.D. Frei João Marcelino dos Santos Homem Aparício (1774-1782)
23.D. Frei José da Avé-Maria Leite da Costa e Silva (1783-1799)
24.D. José Pegado de Azevedo (1802-1812)
25.D. Frei Alexandre da Sagrada Família, O.F.M. (1816-1818)
26.D. Frei Manuel Nicolau de Almeida, O.C.D. (1820-1825)
27.D. Frei Estêvão de Jesus Maria, O.F.M. (1827-1870)
28.D. João Maria Pereira de Amaral e Pimentel (1872-1889)
29.D. Francisco Maria do Prado Lacerda (1889-1891)
30.D. Francisco José Ribeiro de Vieira e Brito (1892-1902)
31.D. José Manuel de Carvalho (1902-1904)
32.D. José Correia Cardoso Monteiro (1905-1910)
33.D. Manuel Damasceno da Costa (1915-1922)
34.D. António Augusto de Castro Meireles (1924-1928)
35.D. Guilherme Augusto Inácio de Cunha Guimarães (1928-1957)
36.D. Manuel Afonso de Carvalho (1957-1978)
37.D. Aurélio Granada Escudeiro (1979-1996)
38.D. António de Sousa Braga (1996-2016)
39.D. João Lavrador, desde 2016 (bispo Coadjutor nomeado- setembro de 2015)
40.D. Armando Esteves Domingues (nomeado pelo Papa Francisco a 4 de novembro de 2022)













A Diocese de Angra tem um conjunto de órgãos que a constituem e que presta assessoria ao prelado diocesano, estando neste momento em análise o novo estatuto da Cúria.

A Cúria Diocesana é o conjunto de organismos e pessoas que prestam ajuda ao bispo no governo da diocese, principalmente na direção e ação pastoral, na administração e no exercício do poder judicial. Fazem parte da Cúria Diocesana entre outros o Vigário-geral da Diocese, o Vigário Episcopal, o Conselho Presbiteral, Colégio dos Consultores, o Conselho Económico, o Cabido da Sé Catedral, o Conselho Pastoral, o Tribunal Eclesiástico, e ainda, o clero diocesano, os religiosos e os leigos, quer individualmente quer integrados em serviços ou grupos instituídos. Todas as pessoas que exercem funções na Cúria Diocesana, são nomeadas pelo Bispo Diocesano.


 
 

A Diocese está organizada em 16 ouvidorias, 8 delas em São Miguel. Possui, ainda, cinco Santuários Diocesanos- Senhor Santo Cristo dos Milagres (Ponta Delgada), Nossa Senhora da Conceição(Angra do Heroísmo), Senhor Santo Cristo da Caldeira (São Jorge), Senhor Bom Jesus do Pico (Pico) e Nossa Senhora dos Milagres da Serreta (Angra do Heroísmo).











Seminário Episcopal de Angra do Heroísmo,
inaugurado a 9 de novembro de 1862, no velho Convento de São Francisco.



Igreja N. Sra. da Conceição em Angra do Heroísmo,
 foi elevada a Santuário Mariano em 1987, pelo Bispo D. Aurélio Granada Escudeiro.


Igreja de N. Sra. dos Milagres da Serreta foi elevada a Santuário Diocesano a 7 de maio de 2006,
 pelo Bispo D. António Sousa Braga.




Texto (parcial) de: Carmo Rodeia

(Fontes: Instituto Histórico da Ilha Terceira, Enciclopédia Açoriana)




 




domingo, 3 de novembro de 2024

António Dacosta (1914-1990)




António Dacosta (Angra do Heroísmo, 3 de Novembro de 1914 - Paris, 2 de Dezembro de 1990) foi um poeta, critico de arte e pintor português.
A sua obra pictórica é constituída por duas fases distintas. Entre 1939 e 1948 trabalha essencialmente dentro de um idioma surrealista, afirmando-se como uma figura de referência do movimento em Portugal. Essa fase encerra-se com pinturas realizadas em Paris – onde fixa residência a partir de 1947 –, em que se aproxima da abstração. Segue-se um hiato de trinta anos em que interrompe quase por completo a prática artística, dedicando-se à crítica de arte.

Retoma a pintura de forma consistente apenas no final da década de 1970. A partir daí e até à data da sua morte irá realizar um conjunto de obras diversas, identicamente notáveis, "cujo intimismo e a poesia são ímpares na pintura portuguesa contemporânea". A sua presença duplamente prestigiada, pelo passado e pela nova visibilidade que adquire na década de 1980, seria marcante na sensibilidade pictural desses anos em Portugal.

1940 - Serenata Açoriana
António Dacosta nasce na freguesia de Santa Luzia, cidade de Angra do Heroísmo, no ano de 1914. Parte para Lisboa em 1935, para estudar na Escola de Belas Artes, integrando-se rapidamente nos circuitos intelectuais da capital. Expõe pela primeira vez em 1940 na Casa Repe (Lisboa), juntamente com outra figura pioneira do surrealismo português, António Pedro, numa mostra que assinala a entrada formal do surrealismo em Portugal.

Em 1942 ganha o prémio Souza-Cardoso na Exposição de Arte Moderna; no ano seguinte publica as suas primeiras crónicas sobre arte, no Diário Popular. Em 1944 o seu ateliê e grande parte da sua obra são destruídos por um incêndio. Parte para Paris três anos mais tarde, como bolseiro do governo francês, instalando-se em definitivo nessa cidade; a partir daí irá regressar a Portugal apenas esporadicamente. Em 1949 participa na Exposição do Grupo Surrealista de Lisboa com obras onde se aproxima da abstração, mas nesse mesmo ano interrompe a prática artística. Durante cerca de 30 anos a sua ligação à pintura sobrevive sobretudo através da escrita sobre arte, colaborando de forma regular no jornal brasileiro O Estado de São Paulo.

1983 - Sonho de Fernando Pessoa
Datam de meados da década de 1970 os primeiros indícios da sua fase final (veja-se, por exemplo, Paisagem da Terceira, Amanhecer, 1975). Em 1978 algumas das obras mais significativas do seu período surrealista – e que nessa altura já não lhe pertenciam –, são apresentadas em Londres na exposição Portuguese Art since 1910 , que visita na companhia de Júlio Pomar. Redescobrir as suas obras iniciais poderá ter acentuado o desejo de regresso à prática artística, levando-o a retomar gradualmente a pintura. A atividade intensifica-se nos primeiros anos da década seguinte. Irá expôr esses novos trabalhos pela primeira vez em 1983 (Galeria 111, Lisboa). Em 1984 recebe o prémio AICA, Lisboa. Em 1988 a sua obra é apresentada de forma extensiva no Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão, em Lisboa, e na Casa de Serralves, Porto.


1983 - Dois limões de férias
Durou menos de dez anos o período inicial da maturidade da obra pictórica de António Dacosta; e é ainda mais curta a sua decisiva fase surrealista, que se inicia em 1939 para terminar aproximadamente em 1943.
"Conjugado inicialmente com o expressionismo", o "surrealismo figurativo" de Dacosta será marcado por uma clara aproximação à suspensão metafísica da pintura de Giorgio de Chirico, complementada por ecos da intensidade expressionista do norte da Europa .


Dacosta utiliza os dispositivos surrealistas da livre associação para gerar "imagens de uma realidade que se sobrepõe ao quotidiano sem o negar, e antes obrigando-o a revelar o que esconde na aparência das coisas e dos seres" . Nesse processo, recusa a fixação de significações estáticas para as suas obras, metamorfoseando formas, deslocando alusões, definindo um desejo de polissemia que irá estender-se à sua obra posterior.
A ambiguidade dessas obras tem permitido uma multiplicidade de leituras, desde "a inquietação, o horror causado […] pela Guerra Civil de Espanha" até à "ameaça que pairava sobre os homens" nesse tempo dominado pela ferocidade da Segunda Guerra Mundial. E se é relativamente consensual a associação destas pinturas à "necessidade de denunciar uma situação de crise", a localização dessa crise permanece incerta, podendo igualmente situar-se no interior, espelhando "a desolação em que o país vivia sob a ditadura do pequeno fascismo de Salazar". E numa escala mais reduzida ainda poderá identificar-se, na "atmosfera sufocante" de pinturas como Antítese da calma ou Serenata Açoriana, de 1940, uma outra dimensão, de cariz mais pessoal, "uma angústia em que é possível descortinar raízes geopsicológicas – ou […]motivações freudianas" , que se ligam à origem insular do pintor.


A força da sua pintura inicial irá depois atenuar-se, com os "símbolos angustiantes" a cederem lugar a uma dimensão mais lírica; A Festa, 1942, com o qual recebe o prémio Souza-Cardoso, assinala esse desvio e é já uma "alegoria, de conceção terna e alegre, representando crianças, flores [...]".
Nos anos imediatos a alteração temática e formal da sua pintura é evidente, e coincide com o início da sua atividade como crítico de arte. Nessa outra faceta da sua obra, "o artista maior que foi [Dacosta] revela-se também como crítico atento de várias gerações" de artistas.
Em meados da década de 1940 o idioma surrealista parece já não o satisfazer, e vemo-lo aproximar-se da figuração pós-cubista de Picasso, da linearidade sensível dos desenhos de Matisse e, pouco depois, da abstração. Quando parte para Paris em 1947, "a sua pintura já não revelava o essencial da sua visão poética".
Dois anos mais tarde deixaria completamente de pintar, por razões que permanecem por explicar cabalmente mas que poderão prender-se "com os horrores da guerra" – bem presentes na memória de uma Paris traumatizada por anos de ocupação nazi –, e não menos com a dinâmica da própria cidade da luz, com a "voracidade de ver, de viver e de desejar – teatros, livros, atrizes, restaurantes, experiências, exposições ou boémias"..
Seguem-se quase trinta anos em que a prática da pintura parece definitivamente arredada da sua vida, permitindo-lhe distanciar-se das polémicas que fraturavam o mundo das artes dentro e fora de Portugal. Iria manter um outro tipo de ligação a esse mundo através de uma "escrita que foi relação íntima e produtiva com a pintura". E refletiria criticamente sobre grandes figuras da cena internacional, de Matisse e Chagall a Klee ou Warhol.
Em meados da década de 1970 volta a querer pintar, retomando a pouco e pouco a via lírica que ficara esquecida nos anos anteriores á partida para Paris. "O regresso à pintura começou por ser uma prática intimista, permitido por uma nova situação familiar (o casamento e os filhos, com o fim da circulação boémia e novas condições de ociosidade, fora de Paris)".
Já na década de 1980 esse regresso consolida-se, enquadrado num chamado retorno da pintura e das figurações que ocorre em simultâneo: "não era apenas o regresso do artista […] ao grupo dos que pintam, mas antes e muito mais fundamentalmente, o regresso da afirmação de um campo de imagens de intensíssima coerência".

Nessas pinturas, o velho pesadelo surrealista transmuta-se em imagens onde uma idêntica suspensão temporal é investida de nova sensibilidade e onde vemos concretizar-se, finalmente, uma síntese das pulsões nucleares da sua obra.
Nas pinturas e desenhos dessa escassa década final – e que Helena Freitas apelidaria de "notícias do paraíso" –, Dacosta irá relembrar a frontalidade de Matisse em O Estúdio Vermelho (1911), ou a exaltação cromática e lumínica "de Monet e Bonnard" , como acontece em Dois Limões em férias, 1983.
A sua reconquistada liberdade de movimentos serve-lhe agora para "gerar espaços de acolhimento a figuras misteriosas, algo extáticas, ou a formas muito obscuras que emergem de dentro da pintura".

O pendor poético que perpassa todas essas obras tanto lhe permite abordar o Sonho de Fernando Pessoa debaixo de uma Latada numa tarde de Verão (1982-83), como a "metáfora amorosa" que será, nas suas próprias palavras, a evocação pictórica de uma fonte de Sintra (veja-se a longa série dedicada e este tema). E sente-se uma vez mais a sua "ligação mítica com o espaço insular [onde nasceu]. Numa ilha […] são mais acessíveis os deuses e mais fortes os mitos"; por isso veremos emergir "fábulas e presságios" ou "alguma reconhecível iconografia do sagrado – a cruz, o altar, o cálice".

In: Wikipédia

Postal Máximo
Edição do Clube Nacional de Maximafilia
1987 - II Bienal dos Açores e Atlântico
António Dacosta
Um Pintor Europeu das Ilhas


sexta-feira, 1 de novembro de 2024

Gungunhana - o "Leão de Gaza" (1850-1906)

1895 - Gungunhana, rei de Gaza (Moçambique)
Gungunhana, rei de Gaza no sul de Moçambique, foi um grande resistente à penetração dos portugueses naquele território.




Mouzinho de Albuquerque
Acabou por ser derrotado por Mouzinho de Albuquerque, em 1895, e transferido para Lisboa na companhia de outros prisioneiros. Depois de permanecerem algum tempo em Lisboa, foi decidido encaminhar quatro deles para a Terceira: o filho Godide, o tio Molungo e Matibejana, vulgo Zixaxa.

Como não era permitida a poligamia, as sete mulheres de Gungunhana e as três de Zixaxa foram para Cabo Verde.

A 27 de Junho de 1896, chegaram a Angra do Heroísmo. Uma vez mais foram aguardados por numerosa multidão que os acompanhou ao Castelo de S. João Baptista. A imprensa local deu grande cobertura ao acontecimento e marcou o tom da relação a estabelecer com os prisioneiros:


"Respeitemo-lo pois, e que se lhes amenize, quanto possível for, a tristeza de exílio".


Com o decorrer dos tempos, as medidas de segurança foram-se simplificando e os prisioneiros podiam passear à vontade pelo Monte Brasil e depois pela cidade. Os moçambicanos começaram, então, a relacionar-se com os terceirenses. E um jornal local tudo relatava: "Todas as manhãs, com um pincel de nervura de palmeira, na dimensão de dez centímetros, esfregavam os dentes no sentido vertical e enchiam a boca de água para a devida lavagem - projetando-a fora, em seguida, a jeito de esguicho, a ir cair à distância de vários metros. Procediam, ainda, numa operação que durava cerca de vinte minutos, à limpeza da língua, com uma espátula de cana".



Na cidade de Angra, foi moda durante algum tempo o chapéu com abas à Gungunhana, que as meninas usavam; no Teatro Angrense, foi representada uma opereta intitulada " Gungunhana nos Açores", escrita por um terceirense; um artista de circo ofereceu-lhes um espetáculo privado e especial com números do seu burro sábio. 

Em 1899, foram batizados e crismados, na Sé de Angra, em cerimónia revestida da maior solenidade e muito concorrida. Apadrinhados pela alta sociedade angrense, que se esforçou por lhes dar o estatuto de assimilados, passaram então a chamar-se: Reinaldo Frederico Gungunhana, António da Silva Pratas Godide, Roberto Frederico Zixaxa e José Frederico Molungo.


Foto da Fábrica de Tabaco
"Flor d'Angra"
(coleção particular)


Em 1906, morreu Gungunhana com hemorragia cerebral, seguiu-se Godide em 1911 e o tio Molungo, um ano depois. Zixaxa ficou sozinho, com a profissão de guarda do Monte Brasil, até falecer em 1927, tendo deixado descendentes que ainda hoje vivem em Angra.

Carlos Enes in: RTP Açores




Gungunhana, o "Leão de Gaza"

Ngungunhane ou Gungunhana como era conhecido pelos portugueses, nasceu cerca de 1850 no Império de Gaza, em Moçambique. O seu avô Sochangane (Manukuse) fizera a ocupação de um vasto território entre o rio Incomáti e a margem esquerda do Zambeze e do Oceano Índico até ao curso superior do rio Save, controlando uma população de mais de 500.000 habitantes.

Pertencia aos nguni (vátuas), um dos ramos dos zulus, tendo a sua aldeia sagrada em Chaimite. A chegada dos nguni a esses territórios foi acompanhada do domínio de outros povos que já lá existiam, como os chopes, os tsongas, os vandaus e os bitongas. Depois da morte de Manukuse (1858), a guerra civil que opôs os dois herdeiros é ganha, com o apoio de autoridades portuguesas, pelo pai de Ngungunhane, Muzila. A sua sucessão, em 1884, foi igualmente problemática, conseguindo ascender ao poder Mudungazi (que mudou o nome para Ngungunhane), conhecido como o 'Leão de Gaza', que seria o senhor do segundo maior império de África no século XIX.

A localização deste império tornava-o apetecível para as potências coloniais, regionais e para as companhias coloniais. Ngungunhane sobe ao poder na conjuntura da Conferência de Berlim e do renovado interesse das potências pelo continente africano. Portugal busca nessa época consolidar a sua precária ocupação colonial, nomeadamente em Moçambique, assinando para tal um tratado de amizade e vassalagem com Ngungunhane, em 1885.



Aproveitando as rivalidades das potências europeias, Ngungunhane procura simultaneamente o apoio inglês. Na redifinição dos territórios africanos depois do Ultimatum, grande parte do império de Gaza fica no território de Moçambique. Em Agosto de 1894, os tsongas revoltam-se contra a autoridade colonial e colocam-se sob a protecção de Ngungunhane. Este recusa-se a entregar os chefes rebeldes aos portugueses, o que implicaria a sua submissão.

 

1895 - Captura de Gungunhana em Chaimite,
por Mouzinho de Albuquerque


Em 1895, tropas e colonos portugueses, sob a direcção do Comissário Régio António Enes, envolvem-se em confrontos com os ngunis, que se saldam numa sangrenta derrota destes últimos. Depois da derrota de Coolela, a 7 de Novembro de 1895, e de Mandlakasi, a 11 de Novembro, Ngungunhane refugia-se na aldeia sagrada de Chaimite. O major de cavalaria Mouzinho de Albuquerque, recém nomeado governador do distrito militar de Gaza, dirige a sua coluna para Chaimite, aprisionando Ngungunhane. No entanto, nem mesmo esta vitória da autoridade colonial fez cessar a resistência em Gaza. A repressão portuguesa é duríssima. 

Gungunhana e as suas sete mulheres

Em 1896 Ngungunhane, com algumas das suas mulheres e um filho, um tio e dois régulos, chega a Lisboa, onde é exposto à curiosidade popular. Atravessam Lisboa numa jaula, ficando em exibição no Jardim Botânico de Belém. 


No Castelo de São João Batista em Angra
Bilhete Postal (coleção particular)

Em Junho de 1896 foram enviados para a ilha Terceira nos Açores. Ngungunhane viveria onze anos no cativeiro açoriano, no forte de S. João Baptista. Tornado curiosidade local, é-lhe permitido caçar, faz cestos e aprende a ler e a escrever. É baptizado com o nome de Reinaldo Frederico Gungunhana.

Em Angra com os seus nomes de batismo
Bilhete Postal (coleção particular)
 



Morreu a 23 de Dezembro de 1906, 'batizado, alfabetizado e alcólico' (PÉLISSIER, René). Mas só morrerá cinco anos depois do suicídio de Mouzinho de Albuquerque.


Foto da Fábrica de Tabaco
"Flor d'Angra"
(coleção particular)

Em 15 de Junho de 1985, por ocasião do décimo aniversário da independência de Moçambique, os restos mortais do antigo imperador de Gaza são entregues pelas autoridades portuguesas ao novo país africano, que organiza as exéquias solenes devidas ao seu herói nacional.


In: Fundação Mário Soares






terça-feira, 8 de outubro de 2024

A Pedra de Dighton (1511)



1971 - Capa - Composição fotográfica do Professor Steven Tegu, com o autor
 junto da estátua do Infante D. Henrique, o Navegador, erguida na cidade de Fall River.
 As letras do título são os três tipos  (gótico, romano e uncial) usados por
 Miguel Corte Real na Pedra de Dighton.





Interpretação da Pedra de Dighton
(Museu da Marinha, Lisboa)









Acerca de Miguel Corte Real:

Miguel e Gaspar Corte Real eram filhos de João Vaz Corte Real, navegador tavirense do século XV, que foi capitão donatário da Ilha Terceira, nos Açores.





Gaspar Corte Real desapareceu, em 1501, numa viagem de exploração à Terra Nova, então conhecida por Terra dos Bacalhaus.

Sem notícias do irmão, Miguel Corte Real organizou, em 10 de maio de 1502, uma expedição composta por tês navios. Atingida a costa da Terra Nova, os navios separaram-se para efetuar buscas, marcando encontro para 31 de agosto, numa baía. Na data combinada compareceram dois navios, mas o de Miguel Corte Real nunca mais foi visto.

Mais tarde, em 1680, foi descoberta uma rocha ao rio Taunton, em Dighton, perto da cidade de Fall River, Estado norte-americano de Massachusetts, com diversas inscrições. Em 1918, um professor duma universidade americana, após estudo e investigação, formulou a tese de que parte daquelas inscrições teriam sido feitas por Miguel Corte Real. Segundo esta interpretação, são identificadas nas inscrições, a Cruz de Cristo, o escudete Português e o seguinte texto em latim:

“MIGUEL CORTEREAL V(oluntate) DEIhic DUX IND(iorum)1511”









Há 90 anos, foi recolhida terra em dois cofres de madeira junto da Pedra de Dighton.

 Uma destas caixas foi entregue à Câmara Municipal de Angra do Heroísmo em sessão solene de 29 de agosto de 1932.

«Aos 28 dias do mês de dezembro do ano de 1930, no Estado de Massachusetts, Estados Unidos da América, na presença do Senhor Cônsul de Portugal... em New Bedford, das testemunhas abaixo assinadas e duma assistência superior a cem pessoas, recolhi terra em dois cofres de madeira, tirada da margem do rio Taunton, junto da Pedra de Dighton, que tem a inscrição

 “MIGUEL CORTEREAL – V. DEI HIC DUX IND – 1511"

cerimónia em que todos os presentes comparticiparam.

 Estes dois cofres, fechados a chave e cobertos com as bandeiras nacionais portuguesa e americana, foram transportados para a sede do Club Republicano Português, em New Bedford, onde, em sessão solene, foram selados com lacre vermelho, com o selo das armas da República Portuguesa, pelo Senhor Cônsul de Portugal em New Bedford, que presidiu a sessão.


 E, para fazer constar os atos a cima, por forma autêntica, se lavrou este auto em duplicado, na sede do dito Club Republicano Português, que vai ser por mim assinado, pelo Senhor Cônsul de Portugal em New Bedford, pelas outras testemunhas e pelo Presidente do Club Republicano Português, e selado com selo branco do mesmo Club.


 Cônsul de Portugal em New Bedford
Deputado ao Congresso de Massachusetts
Representante de «Diário de Notícias»
Representante de «O Independente»
Representante de «O Popular»
Presidente do «Club Republicano Português» »

In Auto de recolha da terra, Clube Republicano Português, 25 de dezembro 1930.