Ilhas Terceiras (Açores)




História dos Açores aborda quase seis séculos de presença humana continuada nas suas nove ilhas.

Diogo Gomes de Sintra
Navegador Português
(1420?-1502?)
Uma historiografia do tema iniciar-se-á pelos textos de Diogo Gomes de Sintra e de Valentim Fernandes Alemão relativos ao descobrimento do arquipélago e, posteriormente, pelo de Pompeo Arditi ("Il viaggio che fece Pompeo Arditi da Pesaro all'Isola di Madera e alle Azzorre").




 A estes soma-se a obra "Saudades da Terra", do padre Gaspar Frutuoso (1522-1591). O manuscrito, escrito entre 1586 e 1590, divide-se em seis volumes, e inscreve-se numa história mais ampla, a da região atlântica que hoje referimos como Macaronésia, ao abordar os arquipélagos das Canárias, Cabo Verde e Madeira, antes de se dedicar aos Açores.





Das diversas obras existentes sobre os Açores destacam-se:



Nos séculos XVII e XVIII

  "Espelho Cristalino em Jardim de Várias Flores", redigido entre 1646 e 1654 por frei Diogo das Chagas (1584-1661),

a "Fenix Angrence", entre 1683 e 1711 pelo padre Manuel Luís Maldonado (1644-1711),

as "Crónicas da Província de S. João Evangelista das Ilhas dos Açores", até 1695 por frei Agostinho de Monte Alverne (1629-1726), 

e a "História Insulana das Ilhas a Portugal Sujeitas no Oceano Ocidental", publicada em 1717 pelo padre António Cordeiro (1641-1722).






Frei Diogo das Chagas
(1584-1661)





Padre Manuel Luís Maldonado
(1644-1711)


Frei Agostinho Monte Alverne
(1629-1726)






Padre António Cordeiro
(1641-1722)


No século XIX

Com o advento do Liberalismo, renovam-se os estudos sobre o tema, destacando-se a "Corografia Açórica" (1822), de João Soares de Albergaria e Sousa (1776-1875),

a "História das Quatro Ilhas que Formam o Distrito da Horta" (1871), de António Lourenço da Silveira Macedo (1818-1891),

os "Anais da Ilha Terceira" (1850-1874), de Francisco Ferreira Drummond (1796-1858),

as "Épocas Memoráveis da Ilha Terceira dos Açores" (1890-1896) de José Joaquim Pinheiro (1833-1894).

o "Arquivo dos Açores", por Ernesto do Canto (1831-1900)




João Soares de Albergaria e Sousa
(1776/1815)



António Lourenço da Silveira Macedo
(1818-1891)






Francisco Ferreira Drummond
(1796-1858)

  
José Joaquim Pinheiro
(1890-1896)



Ernesto do Canto
(1831-1900)
13 volumes reeditados pela Universidade dos Açores

No século XX, embora todas as correntes ideológicas se encontrem representadas em termos historiográficos, um marco é estabelecido em 1976, a partir da fundação da Universidade dos Açores, sob a direção de Artur Teodoro de Matos, quando se regista um salto na produção historiográfica graças ao acréscimo do número de historiadores e da oferta bibliográfica. Destaca-se nesse contexto, a produção de Avelino de Freitas de Meneses.



Com base em uma proposta para a classificação de fontes, formulada por Vitorino Magalhães Godinho, quando diretor da Biblioteca Nacional de Portugal, podem considerar-se as seguintes tipologias para os variados aspetos da história dos Açores:

  • Fontes narrativas (crónicas, relações, histórias)
  • Descrições
  • Fontes narrativo-descritivas
  • Testemunho de visitantes
  • Correspondência vária
  • Fontes normativas
  • Fontes normativo-factuais
  • Fontes cartográficas
  • Fontes iconográficas

Para uma pré-história dos Açores



Corvo - Estátua Equestre




Quando os navegadores portugueses chegaram à pequena ilha do Corvo, nos Açores,
em meados do século XV, encontraram ali uma intrigante estátua de pedra, representando
 um cavaleiro com traços característicos do Norte de África. 
As referências coevas a uma estátua equestre na ilha do Corvo no século XVI, as moedas cartaginesas e cirenaicas no Corvo no século XVIII, e as inscrições existentes na falésia da costa da freguesia das Quatro Ribeiras, na ilha Terceira, apesar de nunca aceites pela historiografia oficial, parecem indiciar a visitação humana ao arquipélago na Idade Antiga.


Gravuras nas Quatro Ribeiras
Ilha Terceira
Datadas com o mínimo de 10 séculos


 Moedas cartaginesas e cirenaicas no Corvo no século XVIII



Atlântida


Com a queda do Império Romano do Ocidente, o declínio do mundo clássico na Europa ocidental durante a Alta Idade Média, e o encerramento do mar Mediterrâneo diante da expansão islâmica, o conhecimento da existência de terras a oeste da Europa continental foi progressivamente relegado para o reino do mito. Comprovam-no as múltiplas lendas medievais acerca da Atlântida, das Sete Cidades, das terras de São Brandão, das ilhas Afortunadas, da ilha do Brasil, da Antília, das Ilhas Azuis, da Terra dos Bacalhaus, e de muitas outras terras perdidas no oceano Atlântico.



Atlas Catalão





Na última metade do século XIV, com o advento do Renascimento, começam a surgir múltiplos roteiros e cartas de marear onde aparecem, em posições e com configurações mais ou menos fantasiosas, muitas dessas ilhas e terras. Nessa época, o retomar dos contatos comerciais e das navegações entre o Mediterrâneo e o Atlântico, nomeadamente as navegações genovesas, florentinas e venezianas, bem como o surgimento de melhores embarcações e de um crescente fervor prosélito no sentido de levar o cristianismo para fora da Europa, foram progressivamente expandindo os horizontes europeus e recriando antigas ligações.





Com este movimento de expansão, onde de forma crescente Portugal tomava parte, graças à sua localização geográfica e à crescente mestria nas artes da construção naval e da navegação oceânica, naturalmente a procura das ilhas do mar ocidental rapidamente se tornou prioritária. Neste contexto, o empenho do Infante D. Henrique na expansão atlântica, assumindo o papel de grande mecenas e de coordenador do esforço de exploração, contribuiu de forma decisiva para colocar Portugal na vanguarda do povoamento das terras atlânticas. 








As ilhas atlânticas mais próximas da Península Ibérica (Açores, Canárias e Madeira), que hoje são coletivamente designadas por Macaronésia, designação com raízes nas míticas ilhas Afortunadas, foram desde sempre encaradas como uma unidade geográfica, o que se traduz numa historiografia comum e num povoamento onde as mesmas famílias aparecem em todos os arquipélagos (os Bettencourt, os Câmara, os Álamo, os Baldaia e muitos outros). É disso também exemplo a obra seminal da historiografia insular, as Saudades da Terra, do açoriano Gaspar Frutuoso, que trata igualmente da história dos três arquipélagos.



D. Dinis
O Lavrador

As primeiras informações relativas ao arquipélago dos Açores remontam às viagens marítimas empreendidas pelos europeus no século XIV, nomeadamente a partir de Portugal sob os reinados de D. Dinis (1279-1325) e do seu sucessor, D. Afonso IV (1325-1357).


D. Afonso IV
O Bravo

As actividades de Portugal no chamado "Mar Oceano" iniciaram-se no tempo de D. Diniz, a partir da nomeação do Almirante-mor Nuno Fernandes Cogominho (1307), seguido da contratação do Genovês Manuel Pezagno, a 1 de Fevereiro de 1317, para o cargo.

Com efeito, os portulanos genoveses conhecidos até essa data não fornecem qualquer indicação sobre ilhas no Mar Oceano. A partir de então, entretanto, registam-se:



Portulano de Angelino Dulcert (1339).


"Libro del Conoscimiento" (1345).


Pormenor do Atlas Catalão (1375).


Atlas Corbitis (1384): detalhe das ilhas dos Açores e da Madeira.


Fragmento do portulano de Gulermo Soleri (1385).


Portulano de Mecia de Viladestes (1413).


Mapa do atlas de Andrea Bianco (1436).


Portulano de Gabriel de Vallseca (1439).
  • 1325 portulano de Angelino Dalorto ("Angellinus de Dalort", possivelmente Angelino Dulcert), assinala uma ilha, a oeste da Irlanda, denominada como "Bracile";
  • 1339 - portulano de Angelino Dulcert assinala não apenas a ilha "Bracile", como outras, nas alturas dos atuais arquipélagos das Canárias (descoberto anteriormente a Agosto de 1336) pelos portugueses e nomeando a Canária, Lançarote, Forteventura e outras) e da Madeira, e ainda a "Capraria", que alguns autores associam ao conjunto das atuais ilhas de Santa Maria e São Miguel.
Esses indícios por si só, no entanto, não constituem elementos seguros para se afirmar se testemunham da visita (deliberada ou incidental) de navegantes ao serviço de Portugal, ou se se trata somente de ilhas fantásticas.

Outros autores pretendem que o conhecimento das ilhas dos Açores teve lugar quando do regresso das expedições às Canárias realizadas por volta de 1340-1345, no reinado de D. Afonso IV (1325-1357).

Data de c.1345 o chamado "Libro del  Conoscimiento", manuscrito anónimo atribuído a um frade mendicante de Sevilha, que teria acompanhado essas expedições portuguesas, onde são descritas diversas ilhas:

"(…) Llegamos a la primera isla que dizen gresa e apres della es la isla de lançarote (…) bezimarin (…) rachan (…) alegrança (…) uegimar (…) forte ventura (…) canária (…) tenerife (…) del infierno (…) gomera (…) de lo ferro (…) aragauia (…) saluage [Ilhas Selvagens, no arquipélado da Madeira] (…) la isla desierta [Ilhas Desertas, idem] (…) lectame [Madeira] (…) puerto santo [Porto Santo] (…) la isla del lobo [Ilha do Lobo ou do Ovo, atual Santa Maria], y a otra isla de las cabras [Ilha de São Miguel], y a otra isla del brasil [Ilha Terceira], y a outra la columbaria [Ilha do Pico], y la otra la isla de la ventura [Ilha do Faial], y la otra isla de sant Jorge [Ilha de São Jorge], e la otra la isla de los conejos, y la otra isla de cuervos marinos [ilha das Flores]."





Após esta descrição, manter-se-ão os nomes das ilhas dos Açores nas cartas náuticas, por mais de um século:

  • 1351o Portulano de Mediceo Laurenziano (Atlas Laurentino, Atlas Mideceu), atualmente na Biblioteca Medicea Laurenziana, em Florença, na Itália, assinala um grupo de sete ilhas, dispostas no sentido norte-sul, designadas por "insule de Cabrera [Santa Maria e São Miguel], insule de Brazil [Terceira], insule de Venture [Faial], Ave de Colombis [Pico], Corvis Marinis [Flores]" e duas outras sem designação.
  • 1375o Atlas Catalão, de Jehuda Cresques, atualmente na Biblioteca Nacional de França, em Paris, que já nomeia a ilha de São Jorge.
  • 1384o Atlas Pinelli-Walckenaer, atualmente na British Library, assinala da ilha de Santa Maria.
  • 1384 - - o Atlas Corbitis, atualmente na Biblioteca Nazionale Marciana, assinala as ilhas dos Açores.
  • 1385 - o portulano maiorquino de Gulermo Solerii (também grafado como Solerio), na Bibliothèque Nationale de France, assinala as ilhas anteriormente apontadas e mantém a indicação da "Capraria" (Santa Maria e São Miguel).
  • 1413o portulano de Mecia de Viladestes (Mecia Viladestes), também na Bibliothèque Nationale de France, assinala a ilha de Santa Maria.
  • 1426a carta deGiacomo Giroldi, assinala a ilha de Santa Maria.
  • 1435 - o portulano do genovês Battista Beccario, que assinala a maior parte das ilhas dos Açores como "insule de nuovo reperte".
  • 1436 - o atlas de Andrea Bianco, assinala os Açores.
  • 1439a carta de Gabriel de Valiseca (ou Valsequa) traz a indicação sobre o arquipélago: "Estas ilhas foram achadas por Diogo de Silves (ou Sunis?) piloto de El-Rei de Portugal no ano de 1427".
Sobre a primazia do descobrimento português dos Açores muito se tem escrito, sendo difícil, por vezes, avaliar qual a verdade histórica. Entre os nomes dos primeiros navegadores associados ao arquipélago, destacam-se os de:

  • 1427 - Diogo de Silves, conforme o mapa de Vallseca;
  • 1431- primeira viagem de Gonçalo Velho, identifica apenas os Ilhéus das Formigas;
  • 1432  - segunda viagem de Gonçalo Velho identifica a ilha de Santa Maria e a ilha de São Miguel;
  • 1432 - Joshua van der Berg

A Carta-régia de 2 de Julho de 1439, passada por Pedro de Portugal, 1.º Duque de Coimbra, regente na menoridade de Afonso V de Portugal, refere apenas sete ilhas nos Açores. Esse número foi aumentado para nove quando Pedro Vasquez de la Frontera e Diogo de Teive em 1452, encontraram as ilhas das Flores e Corvo, então designadas como "Ilhas Floreiras".





Sobre o descobrimento, o cronista Diogo Gomes de Sintra, referiu em 1460:

"Em certo tempo, o Infante D. Henrique, desejando descobrir logares desconhecidos no Oceano occidental, com o intuito de reconhecer se existiam Ilhas ou Terras firmes além das descriptas por Ptolomeu, mandou caravelas em busca destas terras. Partiram e viram terra ao ocidente tresentas léguas além do cabo - Finis Terrae - e, vendo que eram Ilhas, entraram na primeira, acharam-na desabitada e andando encontraram muitos milhafres ou açores, e outras aves; e passando à segunda, que hoje se chama a Ilha de S. Miguel, que igualmente estava desabitada, acharam muitas aves e milhafres, assim como abundantes nascentes d'agus quentes sulfureas. D'ali viram outra ilha que na actualidade se chama Ilha Terceira, a qual à semelhança da ilha de S. Miguel, estava cheia d'arvores, aves e muitos açores. (...)
Aquelas caravelas voltaram a Portugal a comunicar ao referido Infante as descobertas que tinham feito, com o que ele folgou muitíssimo."


















É certo que, a partir de meados da década de 1420, os Açores começaram a ser regularmente visitados por expedições portuguesas. Com início nas ilhas do Grupo Oriental, mais próximas do continente europeu, prosseguindo para o Grupo Central, o reconhecimento das ilhas avançou rapidamente.






Todavia, as ilhas mais ocidentais (Flores e Corvo) só depois de 1450 foram alcançadas por marinheiros portugueses, quando as restantes ilhas já albergavam uma razoável população residente.

O ingresso destas no domínio português deu-se por Pedro Vasquez de la Frontera e Diogo Teive em 1452, no regresso de uma das viagens para o Ocidente à procura das outras ilhas míticas, ou talvez no regresso de uma pescaria na Terra dos Bacalhaus (a atual Terra Nova, no Canadá.






As primeiras expedições, para além do reconhecimento das costas e dos locais onde era possível desembarcar com segurança e fazer aguada, também se destinaram a lançar animais domésticos (ovelhas, cabras, porcos e galinhas) que pudessem ajudar a sustentar uma futura presença humana. No que respeita a São Miguel, há também referência a um grupo de escravos que terá sido deixado na foz da Ribeira da Povoação por meados da década de 1430.


MUNDO PORTUGUÊS
Há séculos atrás, os portugueses percorreram o mundo em busca de novas terras. Foram tantos os locais descobertos por Portugal que, por vezes, nem os próprios portugueses conhecem bem todos os sítios que o nosso país deu ao mundo. Desde pequenas ilhas, a arquipélagos distantes ou até a territórios que antigamente se pensava terem sido descobertos por outros países mas que, afinal, terão sido mesmo descobertos pelos portugueses, como a Austrália, por exemplo.


A toponímia






Outra questão muito debatida é a atribuição da toponímia "Açores" ao arquipélago. Ela já figura no globo de Martinho da Boémia que, em 1492, havia estado no Faial, referindo as ilhas dos Grupos Oriental e Central de "Insulae Azore" e as duas restantes, do Grupo Ocidental, de "Insulae Flores". Na cartografia anterior, as ilhas eram identificadas quer como "Ilhas Afortunadas" quer como "Ilhas de São Brandão".

Atualmente, admitem-se três teorias:

  • a clássica, que atribui a toponímia à presença de aves identificadas pelos marinheiros portugueses como pertencentes àquela espécie. Essa teoria é modernamente criticada com base em que:
    • a única ave de rapina até hoje identificada no arquipélago é o milhafre ("Buteo buteo rotschildi"), e mesmo assim, aparentemente, uma introdução comparativamente recente, já que a ecologia das ilhas lhes era claramente desfavorável: o milhafre prefere como alimento os pequenos mamíferos, os quais não existiam no tempo do povoamento (os únicos mamíferos nativos são minúsculos morcegos). Mesmo admitindo a presença de milhafres no tempo da descoberta, subsistindo com uma dieta de aves juvenis (pombos torcazes e aves marinhas), simples considerações ecológicas e de dinâmica das populações tornam difícil aceitar que a sua população fosse tão numerosa a ponto de os destacar no meio das grandes populações de aves marinhas e de pombos torcazes então existentes.
    • a falcoaria, à época, era uma actividade bastante apreciada pela nobreza, não se justificando desse modo, um equívoco dessa natureza.
  • a devoção de Gonçalo Velho a Santa Maria dos Açores, padroeira da freguesia de Açores, em Celorico da Beira, no distrito da Guarda.
  • a que parece fazer mais sentido é a que aponta que Açores provém do nome Azzurro em italiano ou Azureus em latim, que significa Azul em português, como referência ao céu azul num dia brilhante e claro aquando da descoberta ao longe das ilhas. Esta teoria pode ser sustentada por uma outra, que afirma que as ilhas dos Açores já apareciam inclusivé em portulanos genoveses do século XIV.



Mas a utilização de nomes com origem nas ilhas míticas não se ficou pelo nome do arquipélago já que toda a toponímia das ilhas está cheia de referências a eles. Em São Miguel e no Pico existem povoados chamados Sete Cidades (topónimo também existente no Brasil); na Terceira, a península do Monte Brasil (com registo anterior a 1500 e raiz na mítica ilha do O'Brasil, ou Breasil, dos Celtas irlandeses) testemunha um nome que antes de chegar ao actual Brasil passou pelos Açores; ou os Mosteiros (da tradição brandoniana) que estão presentes na ilha de São Miguel e nas Flores (para além de Cabo Verde).



Monte Brasil da Ilha Terceira
O Divino abraçando a Ilha de Jesus Cristo
(Fotografia de Pedro Ivo Rocha)








Do povoamento à crise de 1580 (1440-1580)


D. Afonso V
O Africano
(1438-1481)


É no período de Pedro de Portugal, 1.º Duque de Coimbra (1392-1449), regente na menoridade de Afonso V de Portugal, que se verifica o grande arranque do povoamento do arquipélago, conforme determinação expressa pela carta régia de 2 de Julho de 1439.

"Dom Afonso, etc. A quantos esta carta virem fazemos saber que o infante D. Henrique, meu tio, nos enviou dizer que ele mandara lançar ovelhas nas sete ilhas dos Açores e que, se nos aprouvesse, que as mandaria povoar. E porque a nós isso apraz, lhe damos lugar e licença que as mande povoar. (...)
Tendo Gonçalo Velho sido nomeado capitão do donatário, o povoamento iniciou-se naquele mesmo ano pela ilha de Santa Maria, com famílias oriundas do Alentejo, Algarve e da Estremadura.


Para incentivá-lo, a carta de 5 de Abril de 1443 concedeu a Gonçalo Velho, comendador do arquipélago, e aos moradores e povoadores das ilhas a isenção, por cinco anos, do pagamento da dízima e portagens:
"Dom Afonso, etc. A quantos esta carta virem (...). não paguem dízima nem portagem nenhuma de quaisquer coisas que das ditas ilhas tragam a estes nossos reinos contanto que as não tragam dalguma outra parte. (...)".

Posteriormente estendido à ilha de São Miguel (1444) no caso específico desta ilha, de maiores dimensões e características geológicas mais dinâmicas do que Santa Maria, foi necessário oferecer maior incentivo ao povoamento, o que veio a ser expresso por nova carta régia, em 20 de Abril de 1447, pela qual se isentam os moradores daquela ilha da dízima de todos os géneros nela produzidos:

"Dom Afonso, etc. A quantos esta carta virem (...). Temos por bem e quitamos deste dia para todo sempre a todos os moradores que ora vivem e moram, ou morarem daqui em diante em a dita ilha de todo o pão e vinho e pescados e madeiras e legumes e todas as outras coisas que nela houverem e trouxerem a estes nossos reinos por qualquer forma. (...)"

Com o mesmo objectivo, as ilhas foram doadas ao Infante D. Henrique "para que as povoasse", vindo este a ser assim o primeiro  donatário delas.

As cartas de doação, em moldes semelhantes às que os Castelhanos haviam implantado nas ilhas Canárias e, posteriormente aplicadas pelos Portugueses à Madeira, estipulavam que, ao donatário, que recebia amplos poderes, cabia a administração das ilhas ficando reservado ao poder real um limitado acervo de matérias que, no termos da actual ciência política, se poderiam classificar no âmbito das políticas fiscais (regimentos das alfândegas e fixação de dízimos), do recurso judicial (em matérias que envolvessem perda de vida natural - a pena de morte -, e talhamento de membros, a chamada "justiça maior"), e das relações externas (declarar a guerra e a paz e autorizar o comércio externo e a fixação de estrangeiros). Cabiam assim, ao donatário:

  • a obrigação de doar sesmarias que, caso não fossem arroteadas ou cultivadas em cinco anos, revertiam para o donatário;
  • a poder de coutar terrenos (para incentivar o povoamento);
  • o exclusivo dos fornos de pão, moinhos e atafonas;
  • o estanco do sal marinho
  • a nomeação de magistrados
  • a arrecadação de dízimos das rendas da capitania (o capitão auferia as redízimas dessas rendas) alçada de até 15 mil  réis na jurisdição cível e, no crime, podia açoitar pessoas e condenar até dez anos de degredo, sem agravo nem apelação.



    As ilhas de Santa Maria e de São Miguel foram por sua vez doadas pelo Infante D. Henrique à Ordm de Cristo.

"Eu o Infante Dom Henrique Regedor e Governador Governador da Ordem e Cavalaria do Mestrado de Nosso Senhor Jesus Cristo, duque de Viseu e senhor da Covilhã. Faço saber aos que esta minha carta virem que resguardando eu o muito bem que recebi da dita Ordem da dita Ordem [sic]: e o muito serviço que recebido tenho dos cavaleiros e freires dela, por fazer serviço a Deus e a minha Senbora Santa Maria, dei e fiz doação há muitos anos da minha ilha de São Miguel, e da ilha de Santa Maria à dita Ordem, com sua jurisdição civel e crime, mero, misto império, e com toda a espiritualidade, por autoridade que tenho de nosso senhor o santo padre Eugénio de o poder fazer, e por autoridade del rei meu Senhor que me deu poder para a eu assim dar à dita Ordem. Ressalvando talhamento de membro, ou morte de homem que seja com apelação da Ordem para a sua casa do cível da sua cidade de Lisboa, e que a dita Ordem não possa matar nem talhar membro. (...)"
No mesmo período, ficou registado em seu testamento:
"Em nome de nosso snor Deos, Trindade perfecta o qual creo sem duvida nenhũa segundo manda a sancta igreja de Roma que creamos. E em nome de nosso Snor Jesu Christo e da sua bemaventurada madre nossa snra sancta Maria. Eu o Iffante dom Anrrique governador da ordem da cavalaria de nosso Snor Jesu Christo, duque de Viseu, e snor da Covilhã. Estando em todo o meu siso: temedo deos e a hora da morte que nõ sei quando nem onde sera, faço o meu testamento segundo se segue.
Item ordenei e estabeleci a igreja de são Luis, na ilha de São Luís, e a igreja de são Dinis na ilha de São Dinis: e a igreja de são Jorge na ilha de são Jorge; e a igreja de são Thomaz na Ilha de são thomaz: e a igreja de santa Eiria na ilha de santa Eiria.
Item ordenei e estabeleci a igreja de Jesu christo na ilha de Jesu christo: e outra igreja na ilha graciosa. Item ordenei e estabeleci a igreja de são Miguel na ilha de são Miguel: e a igreja de santa Maria na ilha de santa Maria."

Ao Infante sucedeu como donatário das ilhas açorianas o seu sobrinho Fernando de Portugal, Duque de Viseu (1460-1470), sucedido a seu tempo por João, Duque de Viseu (1470-1472), Diogo, Duque de Viseu (1472-1484) e Manuel, Duque de Viseu (1484-1495).
D. Manuel I
O Venturoso
(1495-1521)


Quando este ascendeu ao trono (1495) ocorreu a incorporação da donataria das então sete ilhas dos Açores aos bens da Coroa, de onde não mais saíram. A ilha das Flores e a ilha do Corvo neste aspeto tiveram percurso diverso, sendo administradas por agentes (e não por capitães) do donatário.

O donatário fazia-se representar nas ilhas pelos seus capitães (os capitães do donatário), aos quais cabia a administração local, incluindo inicialmente as funções de justiça e de defesa, e a concessão de novas terras. Entretanto, o rigor das condições de vida nas ilhas desde cedo desencorajou a presença dos capitães do donatário, os quais preferindo viver em Lisboa, faziam-se representar na sua capitania por ouvidores, criando por essa via, de fato, mais um nível de administração entre as ilhas e o poder real. Essa situação levou, com poucas excepções, a que depois de meados do século XVI o cargo de capitão do donatário fosse apenas uma rendosa honraria, quase sempre nas mãos das famílias da alta aristocracia, com capitães que raramente viveram nas ilhas, ou mesmo as visitaram.
  


O ano de 1450 é apontado como o do arranque da colonização da Terceira pelo flamengo Jácome de Bruges. Quanto às demais ilhas, Faial e Pico acredita-se terem sido povoadas antes de 1466, na sequência da doação feita ao flamengo Joss van Hurtere, que deu o nome à cidade da Horta


A Graciosa, por via de Pedro Correia e Vasco Gil Sodré, acredita-se tenha sido povoada antes de 1510. Quanto à São Jorge, Flores e Corvo, não há indicações seguras acerca do início do seu povoamento, embora se saiba que nas duas primeiras se ficou a dever a Willem van der Hagen (ou Guilherme da Silveira), um flamengo que tinha ido para o Faial e que de lá saiu, na sequência de desentendimentos, para se encarregar das ilhas até então desertas.



"Solar dos Tiagos". Topo - São Jorge

Por volta de 1478, Hagen ter-se-á fixado na Ilha das Flores, no sítio denominado Ribeira da Cruz. Devido ao isolamento das demais ilhas e dificuldades nas comunicações, a exploração agrícola da ilha não era aliciante dada a dificuldade em exportar. Decide então abandonar a ilha, retornando para a Ilha Terceira, e desta para a Ilha de São Jorge onde se fixou definitivamente no sítio do Topo. Viveu com tanta abundância que somente de dízimo da seara que cultivava, segundo diz Gaspar Frutuoso, pagava cada ano 50 a 60 moios (Livro 6.º das Saudades da Terra). Veio a falecer cerca de 1500, estando sepultado na ermida anexa à Solar dos Tiagos, na vila do Topo, hoje em ruínas.

O apelido flamengo Haag que significa bosque, acabou por ser vertido em português por Silveira. Outra variação deturpada do seu nome é Guilherme Vanderaga.

As famílias com o apelido Silveira nos Açores, regra geral, descendem do flamengo Willem van der Hagen. Os seus descendentes espalharam-se por todas as ilhas dos Açores, embora na Ilha Graciosa surja outro ramo onde os Silveiras ali estabelecidos constituem um ramo dos Silveiras do continente português.





Em reacção ao poder quase ilimitado dos capitães do donatário, as populações rapidamente reconstituíram as instituições municipais das suas cidades e vilas de origem. Por volta de 1525 o poder municipal estava já completamente estruturados nos Açores, com mais de 60% dos actuais concelhos açorianos devidamente constituídos e dotados com o respetivo foral.

Face à crescente riqueza dos Açores, também o poder real sentiu necessidade de se afirmar. Fê-lo através da nomeação de corregedores, os quais para além das funções judiciais, superintendiam na administração geral, com destaque para as alfândegas, e controlavam os poderes municipal e dos capitães e seus ouvidores.






Por meados do séc. XVI estava estabelecido um sistema de poder tripartido assente naquelas entidades: os capitães do donatário (ou os seus ouvidores), controlando as terras e a colecta dos dízimos; as câmaras municipais, permitindo a participação (ainda que muito limitada pelo padrões de hoje) da população e regulando a vida comunitária através das suas posturas; e o corregedor, com carácter de visitador, isto é não permanecendo em cada localidade mais do que o indispensável para o exercício das suas funções inspetivas e judiciais, impondo o poder real.



Representação da Ilha Terceira
 (de Jan Huigen van Linschoten, século XVI)
Em primeiro plano o Monte Brasil e a baía de Angra com maior número de naus ancoradas.


Galeão a entrar no Porto de Pipas
Festas Sanjoaninas 2008



Com o fim das "dadas", o poder dos capitães do donatário foi-se esbatendo, exceto em São Miguel, onde a casa dos Gonçalves da Câmara, mais tarde Condes de Vila Franca e Condes da Ribeira Grande, entretanto ligada à nobreza portuguesa, valorizou em extremo aquele cargo, nunca deixando os concelhos ganhar a preponderância que noutras ilhas assumiram e mantendo o poder do corregedor fortemente controlado.


Caravela Vera Cruz a entrar no Porto de Pipas
Festas Sanjoaninas  2008


Aspectos económicos e sociais


Para melhor aproveitamento económico, as ilhas foram divididas em capitanias. O capitão do donatário recebia a redízima (10%) de todos os dízimos cobrados na capitania e tinha o monopólio dos moinhos, do comércio do sal e dos fornos de cozedura de pão. O cargo era de carácter hereditário, seguindo, embora com algumas excepções na ausência de filho varão, a lei sálica.
As terras por desbravar eram cedidas aos povoadores que, nos termos da sociedade medieval para tal estivessem habilitados, em regime de sesmaria, ficando os beneficiários obrigados a desbravá-las num prazo predeterminado, em geral de cinco anos, sob pena de reversão. Para isso recorriam, para além do trabalho próprio e dos seus familiares, a servos e escravos num ambiente social com claras marcas feudais.



Desse modo, a partir da década de 1440, primeiro lentamente e em pequenos povoados improvisados e isolados em ancoradouros junto à foz de ribeiras, depois em vilas cada vez mais consolidadas e institucionalizadas como concelhos, o povoamento das ilhas foi progredindo rapidamente. As primeiras habitações utilizaram os materiais naturais, aproveitando a rocha, os colmos e as lenhas. Eram as "cafuas" e casas "colmeiras" onde os colonos se abrigavam durante os trabalhos de desbravamento e de queimada da densa vegetação autóctone. 




Baía do Faial em 1589

Entre os que vieram para os Açores estavam judeus, cristãos-novos, mouros e flamengos, estes últimos por influência de D. Isabel (esposa de Filipe III, Duque de Borgonha e condessa de Flandres), irmã do infante D. Henrique. Entre estes últimos destaca-se Joss van Hurtere, nomeado primeiro donatário da ilha do Faial por carta de doação datada de 21de Fevereiro de 1468. Desposou uma dama da corte, Dona Beatriz de Macedo, e tornou-se um dos fidalgos da Casa Real de Portugal. Consigo trouxe uma grande porção de gente para povoar o Faial. A presença de grande número de flamengos nas ilhas do Grupo Central, com um aporte que ainda hoje é detectável, levou a que essas ilhas fossem durante muitos anos conhecidas por "ilhas flamengas" (em língua inglesa "Flemish islands") na cartografia oriunda do norte europeu.


 Para além da agricultura - que fornecia o trigo para as praças portugueses no Norte de África, em especial Mazagão e Ceuta - e do recurso à pesca e à caça (de aves e dos animais domésticos anteriormente libertados), a economia das ilhas beneficiou da exploração das madeiras. O cedro-do mato e o teixo foram importantes bens de exportação, a que se somava a cultura do pastel, e o extrativismo da urzela, estes últimos utilizados para o tingimento de tecidos nas manufaturas da Flandres.

A sua importância era de tal monta que a sua exploração era monopólio real, tendo dado origem a múltiplos topónimos (entre os quais Urzelina e Pasteleiro. No caso do pastel, ainda hoje existem múltiplos locais denominados Engenho (ou Canada do Engenho) recordando os locais onde o pastel era macerado e feitos os "bolos" para exportação. O cargo de "lealdador" do pastel, a quem cabia a verificação da qualidade e peso dos "bolos", subsistiu durante dois séculos e contava-se em muitos concelhos entre os mais importantes.


Aspectos culturais

No que respeita à organização religiosa, os Açores, como as restantes terras do além-mar português, começaram por estar sujeitas à jurisdição espiritual da Ordem de Cristo, exercida pelo vigário "nullius" de Tomar, que mandava visitar as ilhas por representantes, os chamados "bispos de anel". Ao ser criada o bispado dp Funchal (1514), o arquipélago passou para a jurisdição desta. A pedido de João III de Portugal o papa Clemente VII criou o bispado de São Miguel (1533), mas veio a falecer antes da respectiva bula ter sido expedida. No ano seguinte, o recém-eleito papa Paulo III, pela "bula Aequum reputamus", de 5 de Novembro de 1534 erigiu o bispado de São Salvador do Mundo, dando-lhe por catedral a igreja do mesmo nome na cidade de Angra, ficando esta sé sufragânea do arcebispo do Funchal até 1550, data em que passou para a dependência da Diocese de Lisboa. A jurisdição do bispo de Angra abrange todas as ilhas, designada por Diocese de Angra e Ilhas dos Açores.

Nos termos da criação da donataria, ficava à conta do donatário, e após a incorporação na Coroa, do próprio soberano, a construção da capela-mor dos templos, a respectiva decoração e o fornecimento das alfaias sagradas. Competia à Ordem de Cristo a nomeação e a supervisão do clero. Em consequência, foram os franciscanos, com particular destaque para a corrente dita "espiritual" da ordem, os primeiros organizadores do culto, tendo, com excepção da ilha do Corvo, fundado conventos em todas as ilhas. Tal explica a forte carga joaquimita ainda está presente na religiosidade do povo açoriano, traduzida no culto do Espírito Santo, na força das respectivas Irmandades e nas crenças associadas aos dons do Paráclito.

A raiz das coroações e da celebração dos bodos, que hoje estão oficializados no Dia dos Açores, mergulha neste fundo místico e milenarista que já estava bem patente na sociedade açoriana do século XVI.



Contribuindo para essa carga de misticismo, desde muito cedo os colonos se aperceberam da natureza imprevisível das ilhas: na noite de 21 para 22 de Outubro de 1522, um violento sismo provocou um grande escorregamento de terras nas encostas sobranceiras a Vila Franca do Campo, causando o soterramento da maior parte da vila, então capital de São Miguel. O efeito combinado do sismo e do soterramento provocou a morte a alguns milhares de pessoas, ficando gravada na memória colectiva na forma do tradicional "Romance de Vila Franca". A esta catástrofe seguiu-se uma epidemia de peste, que também vitimou milhares, e logo erupções vulcânicas em São Miguel, no Pico e em São Jorge, fazendo do século XVI o mais calamitoso da história açoriana. É revelador que seja neste século que surge pela primeira vez a palavra "mistério" para designar as escoadas lávicas recentes.



Com a expansão da navegação marítima e do conhecimento europeu do mundo que ocorre entre os finais do século XV e meados do século XVI, os Açores passam rapidamente da situação de terra remota nos confins do mundo conhecido para encruzilhada das navegações atlânticas e lugar de partida para novas explorações, particularmente no Atlântico Noroeste. A partir dos Açores são organizadas viagens de exploração e pescaria àTerra Nova com um pioneirismo que, a ter vencimento a teoria de Edmund Delabare sobre a Pedra de Dighton, fez dos navegadores portugueses da época os primeiros europeus a chegar àquelas costas após o fim das navegações viquingues.

Neste século, o estabelecimento da rota marítima para a Índia e Extremo Oriente, o descobrimento e início da colonização do Brasil e a expansão castelhana nas Américas (as Índias de Castela), associadas à descoberta da "volta do largo", que obrigava os navio de torna viagem a passar nas imediações dos Açores, rapidamente tornam Angra na universal escala do mar ponente, nas palavras do historiador Gaspar Frutuoso.











Esta situação de centralidade atlântica leva a que as ilhas sejam visitadas por Cristóvão Colombo no regresso da sua famosa viagem de 1492 (na ilha de Santa Maria), que Paulo da Gama, o infortunado irmão de Vasco da Gama, esteja sepultado na Terceira, vítima das agruras da viagem à Índia, e que a posição geoestratégica das ilhas desperte os cuidados de ambas as cortes ibéricas.
O comércio cresce rapidamente e as ilhas tornam-se numa posição chave no reabastecimento (daí a criação da Provedoria das Armadas e proteção das armadas de torna viagem. Para além do fornecimento de víveres e aguada, os Açores, e em particular a Terceira, servem de local de reagrupamento, para formação de comboios que fornecessem proteção contra os piratas que infestavam a periferia europeia, e de transbordo das mercadorias, em especial de preciosidades, que ficavam a aguardar transporte seguro para os portos portugueses.

Cardeal D. Henrique

Quando a 31 de Janeiro de 1580 faleceu o cardeal-rei D. Henrique e se consuma a grande crise sucessória em Portugal, a sociedade açoriana, apesar de ter decorrido apenas pouco mais de um século desde a colonização, já se encontra completamente estruturada, com a repartição do poder estabilizada entre as câmaras municipais, o corregedor e os capitães do donatário. As cidades de Angra e de Ponta Delgada eram já os centros políticos do arquipélago, com Angra assumindo um claro predomínio, já que, para além do seu papel de entreposto marítimo, era a sede do bispado, do provedor das armadas e o local de maior permanência do corregedor.


Por esta altura estavam também já formadas as principais povoações açorianas. Conforme se pode ver do desenho de Jan Huygen van Linschoten, feito no fim da década, a cidade de Angra já tinha os traços urbanísticos que ainda hoje mantém.

Em meados de 1580, com Ciprião de Figueiredo no cargo de corregedor, com atividade centrada na Terceira, e com a poderosa família Gonçalves da Câmara como capitães-donatários de São Miguel, estavam criadas as condições para as diferentes opções das ilhas nos acontecimentos dos anos imediatos e para que os Açores assumissem pela primeira vez um papel fulcral na política portuguesa.


Termina-se este trabalho recordando que



a 25 de Agosto de 1580 a ilha Terceira recebeu com festa a deputação que fora enviada a cumprimentar D. António.

Porque grande confusão havia na ilha Terceira por se ignorar o estado da causa do príncipe D. António, Prior do Crato, aqui aclamado e mantido como rei de Portugal, resolveu a Câmara de Angra enviar alguns emissários a indagar do ocorrido, sabendo novas em Lisboa.
...
Recaiu a escolha em Estevam Cerveira, Jorge Lopes, procurador dos mistéres e Frei Melchior pregador da ordem de São Francisco, que imediatamente se embarcaram, com esse intuito, na caravela do piloto terceirense Gaspar Alvares Chichorro, os quais foram encontrar D. António deitado numa cama, doente, em Aveiro, a curar as feridas recebidas em Alcântara, no combate que lá fora travado com as forças de Filipe I.

Ali foram recebidos os nossos, com demonstrações de prazer e estima, ouvindo as narrativas dos factos ocorridos na capital e expondo, também, por sua vez, o estado em que se encontrava a Terceira sempre firme ao príncipe português, jurado e obedecido no Arquipélago. Ofereceram, os enviados, em nome de toda a população açoriana, pessoas, fazendas, vidas e honra. O rei os abraçou agradecendo-lhes e afirmando a confiança que tinha na sua aclamação, pois contava com forças que se lhe reuniriam em Coimbra e auxiliares poderosos de França.

Chegando a Angra, os enviados, o povo os esperava com grandes festas. Frei Melchior entrou na igreja da Misericórdia, e, do púlpito, fez a narração de tudo, persuadindo-os a manter o juramento feito.

In Gervásio Lima, Breviário Açoreano,
p. 262, Angra do Heroísmo,
Tip. Editora Andrade, 1935.





Fontes: História dos Açores
             Bibliografias
             Wikipédia

Se pretende saber e conhecer a História dos Açores após 25 de Agosto de 1580 convido-o a ler as outras páginas por ordem cronológica de reinados.

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