O Senhor Santo Cristo dos Milagres, popularmente referido apenas como Senhor Santo Cristo ou Santo Cristo dos Milagres, é uma peça de arte sacracultuada no Convento de Nossa Senhora da Esperança, na cidade e concelho de Ponta Delgada, na ilha de São Miguel, nos Açores.
Trata-se de uma imagem entalhada em madeira sob a forma de relicário/sacrário, de autor desconhecido, em estilo renascentista, representando o "ECCE HOMO", isto é o episódio do martírio de Jesus Cristo em que este é apresentado à multidão, na varanda do Pretório, acabado de flagelar, de punhos atados e torso despido, com a coroa de espinhos e os ombros cobertos pelo manto púrpura. O evento está narrado em Lucas 23:1-25, no episódio maior da Corte de Pilatos. O autor representou, com grande senso artístico, o contraste entre a violência infringida ao corpo de Cristo (matéria) e a serenidade do rosto, nomeadamente do olhar (espírito).
As festas em honra do Senhor Santo Cristo dos Milagres realizam-se nos dias em torno do quinto domingo após a Páscoa, dia em que se procede à grande procissão, terminando na quinta-feira da Ascensão. Constituem a maior e mais antiga devoção que se realiza no país, e que só encontra paralelo com a devoção popular expressa no Santuário da Mãe Soberana, em Loulé, e, a partir do século XX, nas celebrações em honra de Nossa Senhora de Fátima. A devoção atrai, anualmente, milhares de açorianos e seus descendentes, de todas as ilhas e do exterior, uma vez que é um momento escolhido por muitos emigrantes para visitarem a sua terra natal.
História
Antecedentes
A documentação disponível atribui ao Papa Paulo III (1534-1549) a oferta da imagem a religiosas que se terão deslocado a Roma no sentido de obter uma Bula pontifícia que as autorizasse a instalar o primeiro convento da ilha de São Miguel, na Caloura ou no Vale de Cabaços. Contudo, do confronto de diversos documentos levanta-se a hipótese de tal doação poder ser atribuída ao seu antecessor, o Papa Clemente VII (1523-1534).
Em virtude do Convento da Caloura, erguido sobre um rochedo à beira-mar, se encontrar demasiado exposto aos ataques de piratas e corsários, então abundantes nas águas do arquipélago, cedo as religiosas ter-se-ão transferido para outros estabelecimentos religiosos, entretanto constituídos na ilha: o Convento de Santo André e o Convento de Nossa Senhora da Esperança, em Ponta Delgada. Entre as que a este último se dirigiram, refere-se o nome de Madre Inês de Santa Iria, uma religiosa oriunda da Galiza, que levou consigo a imagem do "Ecce Homo" (1541), que lá permanece até aos nossos dias.
O culto ao Senhor Santo Cristo
O culto ao Senhor Santo Cristo dos Milagres tomou impulso a partir dos séculos XVII e XVIII, dentro dos princípios adotados pela Igreja Católica no Concílio de Trento, no sentido da defesa da importância do culto e da veneração de imagens, um dos princípios de divergência em relação à Reforma protestante.
Deve-se à irmã Teresa da Anunciada o atual culto ao Senhor Santo Cristo. Esta religiosa deu entrada no Convento da Esperança no século XVII, juntamente com uma sua irmã, Joana de Santo António. De origem nobre e de personalidade forte, a profunda devoção que a irmã Anunciada alimentava, e as suas características de santidade, fizeram com que fosse comumente tratada como "Madre", cargo que, na realidade, nunca desempenhou.
Desde o momento em que deu entrada no convento, Teresa da Anunciada adotou uma atitude de profunda devoção e entrega à antiga imagem do "Ecce Homo", com a qual estabeleceu uma íntima relação e à qual chamava carinhosamente de "seu Senhor" e "seu Fidalgo".
As duas irmãs terão tido a sua atenção despertada, e terão despertado a da população em geral, para o carácter milagroso da imagem. Joana de Santo António, antes de ser transferida para o Convento de Santo André, terá alertado nomeadamente para o poder milagroso de uma estampa que cobria a abertura do peito da imagem.
Teresa da Anunciada não se poupou a esforços para engrandecer a imagem do "Ecce Homo", apelando à vassalagem e entrega por parte de todos à mesma. Embora com entraves por parte de uma abadessa do convento, conseguiu que se erigisse uma capela condigna para a imagem, assim como que a imagem fosse ornada com todas as insígnias próprias de majestade. Para esses fins, contou com as esmolas de inúmeros crentes em toda a ilha, do reino e mesmo das colónias, assim como o apoio da própria Coroa. Pedro II de Portugal, por alvará de 2 de Setembro de 1700, concedeu uma tença de 12.000 réis para manter constantemente acesa uma lâmpada de azeite diante do altar do Senhor Santo Cristo. Foi ainda a irmã Anunciada quem organizou e instituiu a procissão anual do Senhor Santo Cristo dos Milagres, com o apoio e a colaboração da população.
Na atualidade, quando das festas em honra do Senhor Santo Cristo, uma multidão acorre ao Campo de São Francisco e ao Convento da Esperança que, por esta altura, assumem o papel de Santuário, numa manifestação de profunda devoção, fé e respeito. Além de se prestar homenagem à imagem do Senhor, são pagas as promessas feitas.
Ao longo do restante do ano, a imagem encontra-se guardada numa capela do convento, localizada em frente e em sentido oposto ao altar-mor da igreja, separada da nave por um gradeamento.
A procissão
A primeira procissão em homenagem ao Senhor Santo Cristo ter-se-á realizado por iniciativa da irmã Anunciada, com o apoio da população da ilha, na sequência de uma crise sísmica prolongada, e com o intuito de aplacar a ira divina. Para esse fim, a imagem foi transportada para o altar-mor da igreja do convento, ponto a partir do qual terá partido a procissão, que percorreu todas as igrejas e conventos de Ponta Delgada. De acordo com documentos da época, mal a imagem surgiu à porta da igreja o povo se encheu de grande comoção e a crise sísmica terá parado.
A data desta primeira procissão é ponto de controvérsia entre os estudiosos: de acordo com o pesquisador Urbano de Mendonça Dias ter-se-á realizado a 11 de Abril de 1700; Luciano Mota Vieira, por outro lado, aponta o ano de 1698.
O fato é que, após a primeira procissão, a mesma tem-se repetido anualmente até à atualidade, sem interrupções, salvo raras excepções, por motivos meteorológicos.
No dia de Sábado muitos devotos prestam homenagem ao Senhor Santo Cristo e pagam promessas, por vezes de joelhos no chão, no Campo de São Francisco. À tarde, a imagem é entregue pelas irmãs do convento à irmandade responsável pela festa e levada em procissão para o altar-mor da igreja do convento, onde pernoita até domingo (atualmente, por motivo de escassez de espaço, a imagem pernoita na Igreja de São José, contigua ao Campo de São Francisco).
Na noite de Sábado para Domingo muitos devotos afluem, em romaria, de todas as direcções, para passarem a noite em adoração. Na tarde de Domingo realiza-se então a grande procissão, cortejo que percorre as principais artérias da cidade, passando por igrejas e mosteiros.
Saliente-se nas festas a exuberante iluminação que decora o Convento da Esperança e o Campo de São Francisco, motivo de grande atracção para locais e para turistas.
A capela
A erecção de uma capela própria, consagrada ao Senhor Santo Cristo dos Milagres no Convento da Esperança, deveu-se à iniciativa da irmã Anunciada. Quando ela ingressou no convento, a imagem encontrava-se exposta no coro baixo, num pequeno altar.
A irmã Anunciada conseguiu que fosse erguido um novo altar para a imagem, que mandou encarnar a pedido de sua irmã. Contudo, as condições oferecidas por este altar não eram as melhores, pois sobre a imagem caia o pó vindo do soalho do coro alto, para além de os passos dados pelas irmãs neste coro provocarem muito ruído, o que não propiciava a meditação.
Desse modo, a irmã Anunciada envidou esforços para que se erguesse uma capela mais digna para a imagem, para o que contou com o apoio da população e mesmo da Coroa.
Essa primitiva capela não mais existe. A atual foi mandada erguer posteriormente, sendo benzida a 5 de Março de 1771. Nela se denota o barroco na fase de transição para o rococó. À entrada da mesma, sob o coro baixo, pode ser contemplado um conjunto de painéis de azulejos da autoria de António de Oliveira Bernardes, datados de 1712, e que representam os Passos do Nascimento (parede norte) e da Paixão de Cristo (parede sul).
No interior da capela podem ser contemplados azulejos executados pela Real Fábrica do Rato em Lisboa, em 1786-1787.
O tesouro
O tesouro do Senhor Santo Cristo compreende um vasto conjunto de peças de joalharia e ourivesaria que adornam a imagem, bem como as suas múltiplas capas, decoradas com fios de ouro e prata, e adornadas com inúmeras jóias. Trata-se de um dos maiores tesouros da península ibérica, que conta com magníficos exemplares de joalharia portuguesa da segunda metade do século XVIII, e para o qual contribuíram, ao longo dos séculos, os donativos de muitos crentes, de elementos da fidalguia e mesmo da Coroa portuguesa, muitas vezes como cumprimento de promessas feitas.
Para a formação e engrandecimento desse tesouro terá contribuído a a irmã Anunciada, que não se poupou a esforços no sentido de enobrecer o "seu Senhor e Fidalgo", como o referia. No entanto, muitas das principais peças foram confeccionadas já após a sua morte. Entre elas destacam-se o cetro, o resplendor, a coroa de espinhos, o relicárioo que a imagem tem ao peito, e a corda.
O primeiro cetro, confeccionado com flores de seda, terá sido encomendado pela irmã Anunciada à Madre Jerónima do Sacramento, do Convento de Santo André.
As capas, de cor vermelha, que cobrem a imagem são, em grande número, oferta dos crentes, alguns deles já emigrados. Acredita-se no poder milagroso das mesmas ao cobrirem uma pessoa enferma.
O primeiro andor da imagem, ricamente decorado com flores, também terá sido idealizado pela irmã Anunciada, para a primeira procissão. Poucas alterações terá sofrido até à atualidade.
Fonte: Wikipédia
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