sábado, 5 de dezembro de 2020

A Festa Brava na Terceira




A FESTA BRAVA NA TERCEIRA
(Breve história da sua origem)



Tourada na Ladeira de São Bento
Angra do Heroísmo

Desde os primórdios do descobrimento das Ilhas açorianas, aquando da descoberta da terceira ilha, densa em florestação como as demais, foi largado gado vacum como outras tantas espécies domésticas, que se tornaram selvagens e típicas desta região, causadas pelas condições climatéricas e demográficas das nossas ilhas. Com o cruzamento de diversas raças de gado vacum em regime de total liberdade, a quando do povoamento desta ilha, as gentes oriundas do centro /sul do país, encontraram uma espécie pequena em dimensão e bravia devido ao seu estado selvagem. Imaginando a época vivida, século quinze, depressa se tira a conclusão de como os povoadores capturavam e matavam as reses para a sua alimentação.






Tourada no Largo de São Bento
Angra do Heroísmo


Os antigos diziam que a carne de um animal cansado era mais tenra e suculenta do que a de um animal descansado, ainda no tempo do meu avô se tomava como certa esta sentença, sendo assim e depois de serem laçados e capturados, era nos adros das Igrejas que se corriam e cansavam os animais bravios de então, para depois se proceder à sua matança. Esta tradição não era só típica da Ilha de Jesus Cristo, era praticada um pouco por todas as restantes ilhas que compõe o arquipélago açoriano, esta manifestação foi proibida pelo Bispo de Angra nas “Constituições Sinodais do Bispo de Angra” de 1559 onde se proibia de correr toiros nos adros das igrejas.




Tourada no Pico da Urze
Angra do Heroísmo
Com o passar do tempo, por ser Angra uma cidade nobre e burguesa e por ser o povo terceirense um entusiasta das festas populares, se continuou esta pratica de correr os toiros nas ruas de toda a ilha.

O culto do Divino Espírito Santo propagou-se por todo o arquipélago devido à fé inabalável dos açorianos na Terceira Pessoa da Santíssima Trindade face às atrocidades do tempo, da vida e da terra. No caso da Ilha Terceira foi-se associando o religioso e o profano advindo daí ao que hoje se assiste nas festas profano religiosas um pouco por toda a Ilha. A tourada à corda evoluiu com o passar dos tempos, mas nem sempre a tourada à corda foi o que hoje se vê e se assiste nas estradas da Ilha Terceira, alguns escritores da época relataram algumas atrocidades cometidas pelos homens de então com os seus bordões de aguilhões montados. Como tudo na vida a evolução do homem e da cultura fizeram com que o espectáculo chegasse até aos dias de hoje e se tornasse no ícone da tauromaquia insular.



Tourada no Largo do Posto Santo
Angra do Heroísmo
Ao mesmo tempo que se desenvolveu a tauromaquia de rua, as touradas de praça, como são chamadas aqui para as diferenciar das outras, mantiveram-se na Ilha Terceira pela concentração da nobreza na capital da Ilha e pelo porto a ela associado, porto este importante na rota da prata. Os espectáculos e jogos taurinos eram realizados na praça principal da cidade de Angra, a chamada hoje Praça Velha, onde se colocavam palanques em volta, inseridos num rectângulo. Aí os nobres mostravam a sua destreza a cavalo alanceando os toiros, outras danças executadas por angrenses alegravam as festas, antes faziam-se cavalhadas em honra de São João, perfilavam-se duas alas de cavaleiros, uma para a Rua de São João e outra no sentido descendente da Rua da Sé, aí se celebrava no canto destas duas ruas, onde outrora existiu uma capela, uma missa em honra do patrono das hoje festas maiores do Concelho de Angra do Heroísmo.






Praça de Toiros de São João
Angra do Heroísmo
Sempre houve da parte dos terceirenses uma paixão frenética pela festa dos toiros, desde os espectáculos de rua aos de praça, mas é nos primeiros que reside a sua maior aficion.

Praças de toiros houve várias, a da Canada do Barreiro, a do Espírito Santo na Miragaia, a de São João, onde hoje se situa o Centro Cultural de Angra, chegando até hoje e já com vinte e cinco anos de existência a Monumental Praça de Toiros Ilha Terceira.

Enfim a festa brava e os terceirenses juntos desde os primórdios da existência humana nestas ilhas atlânticas.




Fonte: Duarte Bettencourt in "Terceira Taurina"









Tourada no Largo de São João de Deus
Angra do Heroísmo
Tourada à corda, toirada à corda ou corrida de touros à corda, é um divertimento tauromáquico tradicional nos Açores, com particular expressão na ilha Terceira, acreditando-se ser a mais antiga tradição de folguedo popular do arquipélago. A modalidade tauromáquica é específica dos Açores e caracteriza-se pela corrida de 4 touros adultos da raça brava da ilha Terceira ao longo de um arraial montado numa rua ou estrada, num percurso máximo que regra geral é de 500 m. O animal é controlado por uma corda atada ao seu pescoço (daí a designação do tipo de tourada) e segura por 6 homens (os pastores) que conduzem a lide e impedem a sua saída para além do troço de via estipulado. A lide é conduzida por membros do público, em geral rapazes, embora seja admissível a presença de capinhas contratados. Após a lide, os animais são devolvidos às pastagens sendo repetidamente utilizados, embora com um período de descanso mínimo de 8 dias.





Praça de Toiros do Espírito Santo
Angra do Heroísmo
O primeiro registo conhecido da realização de uma tourada à corda data de 1622, ano em que a Câmara de Angra organizou um daqueles eventos, enquadrado nas celebrações da canonização de São Francisco Xavier e de Santo Inácio de Loiola. Contudo, presume-se que as corridas de touros à corda nos folguedos populares já ocorressem há muito, o que justifica a inclusão daquele evento numa festividade oficial.






Praça de Toiros de São João
Angra do Heroísmo
A realização de corridas de touros à corda foi adquirindo ao longo dos tempos um conjunto de características, fixadas por normas e regras de cariz popular que hoje se encontram legalmente codificadas. Aquelas normas estabelecem os procedimentos de saúde e bem-estar animal a seguir em relação aos touros, os sinais correspondentes aos limites do arraial (riscos no chão), os sinais a utilizar na largada e recolha do touro (foguetes). Para protecção dos espectadores os touros não estão "em pontas", isto é, têm sempre a ponta dos chifres cobertas por algo que proporcione a protecção do espectador, as regras a seguir na armação dos palanques e na protecção dos espectadores e ainda a actuação dos capinhas (toureiros improvisados que executam sortes recorrendo a um guarda-sol, uma varinha, um bordão enconteirado ou uma samarra).










PRAÇA DE TOIROS
 DA ILHA TERCEIRA

Inaugurada em 1986




MONUMENTO AO TOIRO







Sobrescrito de 1º. dia comemorativo da inauguração do
Monumento ao Toiro e do 45º. aniversário da
Tertúlia Tauromáquica Terceirense

Selo Personalizado


Bilhete Postal de Boas Festas
Casa Agrícola José Albino Fernandes

Sobrescrito comemorativo da 1ª. Corrida, no Campo Pequeno, de
uma ganadaria açoriana (Rego Botelho)

Selo Personalizado

Bilhete Postal comemorativo da
lide no Campo Pequeno



























quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

Cultura Taurina

III FÓRUM MUNDIAL DA CULTURA TAURINA


Toiro bravo plantou biodiversidade
pelo interior da ilha Terceira





Sabia que os toiros também são... ecológicos? A ideia foi defendida, ontem, no III Fórum Mundial da Cultura Taurina, que se realiza, até amanhã, na Terceira, organizado pela Tertúlia Tauromáquica Terceirense (TTT).


De acordo com o professor da Universidade dos Açores Eduardo Dias, que participou na primeira mesa redonda do evento, sobre os valores ecológicos da ganaderia brava, as zonas onde, na Terceira, se criou gado bravo, apresentam uma maior biodiversidade. 

A mesma ideia foi defendida por Paulo Henrique Silva, autor de publicações na área da etnografia e ambiente, que sustentou que a zona do Pico Alto/Terra Brava é encarada como um dos maiores centros de biodiversidade do país e da Europa.
 

Já Eduardo Dias explicou que, ao longo dos vários séculos de criação de gado bravo, estes animais foram moldando a paisagem à sua volta. "A criação foi feita de uma forma que não é intensiva e o pisoteio dos animais foi estimulando os nutrientes na terra e conduzindo a um aumento da biodiversidade", afirmou.

Para o docente da academia açoriana, a Terceira é um exemplo no arquipélago da conciliação entre o desenvolvimento de uma atividade num terreno tão sensível e a proteção da biodiversidade.

Já em ilhas como a Graciosa encontram-se cenários diferentes. "No interior da Graciosa, a paisagem é muito mais homogénea e sabemos que existem perto de duas dezenas de espécies que entraram em extinção. No caso da Terceira, não há nenhuma", exemplificou.
 


O professor da Universidade dos Açores defende que, a longo prazo, a deterioração destas zonas mais altas em várias ilhas dos Açores pode ser uma "catástrofe natural" e alerta para o perigo de atividades económicas mais intensivas, como a criação de gado de carne.

Também na mesa redonda participou o historiador Francisco Maduro-Dias, que sustentou que o lugar ocupado pelos toiros na cultura terceirense leva a uma maior perceção da Natureza: "Graças ao toiro bravo, temos obrigação de saber que existe um outro lado".

A última intervenção coube a Pedro Correia, doutorando em Ciências Agrárias, com o projeto "Estratégias de conservação genética e fenotípica da população de bovinos brava dos Açores", que explorou a evolução do toiro bravo da Terceira.





"Politicamente correto"

"Porque é que a Festa, com toda a sua riqueza de valores, com influência transversal em todo o espectro cultural e com importância socioeconómica, é tão perseguida e rejeitada na atualidade por alguns sectores?". A questão foi lançada, ontem, na abertura do fórum, pelo presidente da TTT, Arlindo Teles.
 


Para o responsável, a sociedade cedeu ao politicamente correto. "A título de exemplo, foi notícia há algumas semanas a informação nas redes sociais de uma pessoa identificada com o simples perfil de Sara que afirmou: 'Se Adolf Hitler tivesse feito com os taurinos o que fez com os judeus seria o meu herói'. É a este tipo de pessoas e de posições que o encolhimento dos responsáveis políticos favorece sempre que recuam ou simplesmente não avançam nas matérias que interessam legitimamente à tauromaquia", sustentou.



 

Discursou também o diretor regional da Cultura, Nuno Ribeiro Lopes, que destacou a "projeção internacional que o evento já granjeou" e Tibério Dinis, vereador da Cultura do município da Praia da Vitória, que defendeu a necessidade de apurar a tauromaquia terceirense como produto turístico.

No Auditório do Ramo Grande, interveio ainda o historiador Jorge Forjaz, que traçou o percurso da tauromaquia na história da sua família e na ilha em geral.






In DI (25-JAN-2014)

domingo, 29 de novembro de 2020

Alexandre Borges (Escritor)

 


ALEXANDRE BORGES

Alexandre Borges nasceu em Angra do Heroísmo e vive em Lisboa.

É escritor e argumentista, licenciado em Filosofia e formador de Argumento.

Escreveu para a televisão os documentários A Arte no Tempo da Sida, Um Homem Chamado Francisco Sá Carneiro, Ammaia – Em Busca do Tempo Perdido, as séries documentais Grandes Livros, Santos de Portugal, Voluntário e Nós Republicanos, entre outros, e integrou as equipas responsáveis por Zapping, Prós & Contras, Equador, CQC – Caia Quem Caia, Música Maestro ou 5 para a Meia-Noite.

Colaborou com o Rádio Clube Português,  O Inimigo Público e a revista Atlântico. Foi director do Cénico de Direito, encenador dos ACR Hipócritas, editor de cultura de A Capital e crítico de cinema do jornal i. 

É autor de Heartbreak Hotel (poesia), Todas as Viúvas de Lisboa (romance) e O Boato – Introdução ao Pessimismo (aforismos).


RESUMOS SOBRE OS SEUS LIVROS




Fiéis de outras religiões ou ateus, os Portugueses permanecem, em boa parte, filhos do Cristianismo. Portugal nasceu no contexto da Reconquista Cristã, com a ajuda de cruzados e templários. Teve por primeira bandeira uma cruz e por rei-fundador um homem que, por pouco, não foi considerado santo. No entanto, a história do Cristianismo no nosso país começa muito antes de Portugal e vai muito para lá da nação. Recua à Antiguidade e chega aos confins do mundo. Começa como desafio ao Império Romano e acaba seguida e perseguida na Índia ou no Japão.

O Cristianismo contribuiu, como muito poucos factores, para fazer Portugal; os Portugueses contribuíram, como muito poucos povos, para espalhar a fé cristã. Aqui estão dezasseis histórias extraordinárias de homens e mulheres que foram considerados santos e de acontecimentos que foram entendidos como milagres. 

Une-as terem acontecido em Portugal, ou no território que um dia seria Portugal, ou serem protagonizadas por portugueses. Não importa como aconteceram; importa como as pessoas acreditaram terem acontecido e como isso influenciou e determinou o devir. Este não é, portanto, bem um livro sobre santos e milagres. É um livro sobre o país que lhes rezou.



Todos conhecemos os pontos nevrálgicos da História de Portugal, um dos mais antigos estados-nação do mundo, casa paterna de um dos idiomas mais falados no planeta e paciente assaltado por recorrentes crises de auto-estima. Mas saberemos das zonas cinzentas? Das pequenas histórias? Dos episódios passados na sombra dos acontecimentos ditos históricos?

Ao longo de 15 histórias que encerram muitas outras dentro si, contamos a pequena História de Portugal, a versão menos conhecida dos factos, tal como foi vivida pelos reis portugueses, não esquecendo alguns daqueles que, tendo nascido em Portugal, reinaram longe do solo pátrio, ou outros que, não sendo formalmente reconhecidos como tal, foram para o povo, em determinadas circunstâncias e lugares, verdadeiramente reis.

Da ante-câmara espiritual e cultural do reino fundado por Afonso Henriques aos ecos que ainda ressoam nos nossos dias. Da intimidade torturada de soberanos confrontados com o destino às grandes vitórias nacionais. Este é um lado B possível da nossa História. E a História não é o que aconteceu. É a razão de estarmos aqui e agora, da forma como aqui e agora estamos.



Todos temos presente que Portugal tem uma História de grandes feitos, desproporcional à dimensão do país. Todos nos orgulhamos do sucesso que muitos Portugueses alcançam hoje pelo mundo. Mas talvez pensemos que essa grande História colectiva terminou num passado cada vez mais distante. E olhemos essas vitórias do presente como proezas individuais, que constituem a excepção à regra de um papel secundário a que o país se tem de conformar pelas condições geográficas e económicas de que dispõe.


A verdade, porém, é que, ao longo de 900 anos de vida, Portugal nunca deixou de vencer. E alcançou as vitórias mais impressionantes precisamente quando as condições lhe eram mais adversas. Estas são dez histórias extraordinárias de Portugal. Dez grandes vitórias alcançadas em inferioridade numérica, militar, desportiva ou económica. Dez episódios protagonizados por Portugueses de diferentes tempos, em diferentes lugares, movidos por diferentes razões, com o mesmo resultado: o triunfo. Contra todas as apostas.




Este livro inclui dez histórias de amor portuguesas. Algumas mais distantes no tempo e, por isso, sendo baseadas em dados históricos, podem envolver-se numa atmosfera de lenda.

No entanto, a maioria destas histórias são romances vividos no século XX e alguns permanecem até hoje. Seja pelas peripécias que envolvem várias destas paixões, seja pela relevância pública dos seus intervenientes, estas são algumas das grandes histórias de amor portuguesas.



  • «Não podia estar em maior desacordo com aquele seu texto intitulado “Crise”, em que dizia que o mundo dos criativos estava em decadência porque, depois de Deus, nunca mais tinha aparecido outra ideia tão boa.

  • Na verdade, muito depois, ainda inventaram o amor e a cerveja sem álcool.»




Ao assistir, à distância, a um funeral, um homem é assaltado por uma estranha sensação de déjà vu: já teria estado naquele mesmo cemitério, rodeado daquelas pessoas, a enterrar aquele mesmo homem?

Enquanto tenta perceber como ali chegou, reconstitui os últimos dias da sua vida, recordando a descoberta de três mulheres viúvas de um só homem, numa cidade cheia de fantasmas e gritos de alerta.

Todas as Viúvas de Lisboa
 é um romance sobre o acaso, a identidade, e o confronto com a certeza da morte.


Fonte: FNAC

quarta-feira, 11 de novembro de 2020

O Jardim Duque da Terceira



O Jardim Duque da Terceira








1906 - Passeio Duque da Terceira (Jardim)






1887/1987 - Medalha comemorativa do centenário



Jardim Duque da Terceira localiza-se no centro histórico da cidade e Concelho de Angra do Heroísmo. Considerado um dos mais belos jardins clássicos do arquipélago, constitui-se no Jardim Municipal.

Está implantado no terreno outrora ocupado pela cerca do antigo Convento de São Francisco, onde atualmente se encontra o Museu de Angra do Heroísmo, elevando-se em patamares ligados por um declive - com caminhos desenhados com pedras de basalto -, até ao Alto da Memória, onde se erguia o Castelo dos Moinhos.

A sua construção iniciou-se em 1882, sob a gestão do governador civil Afonso de Castro, tendo recebido o seu nome em homenagem a António José de Sousa Manoel de Menezes Severim de Noronha, Duque da Terceira.
 
Quase que um autêntico jardim botânico, destaca-se pela variedade de sua flora, que compreende uma coleção de plantas exóticas reunida desde a época dos Descobrimentos, combinando espécimes tropicais e subtropicais com outros de regiões temperadas. Entre eles assinalam-se:







Destaque-se que as plantas encontram-se quase todas etiquetadas.

O jardim conta ainda com espaço próprio para crianças, mesas com bancos para piqueniques, estufa (atualmente em obras), coreto e diversos fontanários e pequenos lagos, além de bebedouros e casas de banho públicas.



1905 - Entrada no Jardim
A Ribeira de Angra, também referida como Ribeira dos Moinhos tinha como função o abastecimento de água potável e de escoamento das águas servidas, o seu aproveitamento como força-motriz para os estabelecimentos manufatureiros fez com que, históricamente, tenha sido um dos elementos que permitiu o povoamento e o desenvolvimento do núcleo urbano, em termos económicos e sociais. Desativada na década de 1950, atualmente são visíveis apenas alguns de seus troços, estando em discussão a sua revitalização e aproveitamento turístico.















Foi Álvaro Martins Homem quem terá reconhecido as possibilidades de aproveitamento das águas profundas e abrigadas da baía de Angra como porto. Terão contribuído para essa decisão os cursos d'água abundantes, oferta complementada por outros, que se precipitavam sobre a baía vizinha a leste, que delas recebeu o nome - Baía das Águas.

Os primeiros habitantes de Angra fixaram-se no alto do Corpo Santo, sobranceiro ao porto. 

Paralelamente, Martins Homem deu início à levada da chamada "Ribeira dos Moinhos", em seu curso fazendo instalar doze moinhos, cujos rendimentos lhe pertenciam, conforme Carta-régia.


Alto da Memória
Desse modo, as águas que desciam da serra do Morião, passaram a ser captadas e desviadas para uma levada em declive suave que se desenvolvia em curva, num leito artificial de pedra lavrada. O curso d'água ganhava volume no alto de São João de Deus alargando-se no pântano que existiu nos terrenos onde hoje se abre a praça Velha. Na altura do atual Alto da Memória as suas águas alimentavam o primitivo Castelo dos Moinhos, primeira fortificação de Angra, erguida na passagem da década de 1460 para a de 1470. 




Jardim "Duque da Terceira"
(ao fundo o Convento de São Francisco)
A julgar pelos nomes das antigas ruas, ao longo da nova levada implantaram-se doze moinhos, algumas alcaçatarias para tratamento de couros e peles, e um pisão de linho ou mesmo de pastel. Essa informação é confirmada pelas Cartas-régias de 1474, que doaram a Capitania de Angra a João Vaz Corte Real e a Capitania da Praia a Martins Homem, estabelecendo uma compensação para este último por conta das moinhos que ali feito com "grandes despesas" e que teria que abandonar.

Nos séculos XV e XVI, a ecónomia da cidade era dinamizada pela produção de farinha, têxteis, mobiliário, construção e reparação naval. Dos doze moinhos existentes no século XVI, contavam-se em 1956, ano de sua desativação, quarenta e dois, muitos azenhas e os demais de rodízio.

Ao final do século XVI, na obra Saudades da Terra, o cronista Gaspar Frutuoso assim descreve o abastecimento de água em Angra:


 
"Afora a ribeira do Telhal, que corre pela parte do oriente, perto da freguesia da Conceição, pelo meio desta cidade corre outra grossa ribeira de água, a qual vem ter ao porto, com que se regam muitos jardins que nela há e moem doze moinhos dentro, na cidade, que são serventia de toda esta parte do sul, a qual ribeira procede de várias fontes, que estão quase uma légua da cidade contra uma grande serra [serra do Morião], e ao pé dela mesma nasce outra fonte [Nasce Água], de muito cópia água, com arca fechada, da qual por canos vem ter à cidade e se reparte por quatro principais chafarizes, afora outro que sai junto do cais, donde se provêem todos os navegantes e armadas; e além disso, se reparte por todos os mosteiros e algumas casas principais, com que fica a cidade muito fresca e abundante; de modo que são por todos doze chafarizes (...)."

Conduta de água
De acordo com a Fenix Angrense, do padre Manuel Luís Maldonado, os doze moinhos de Angra moíam 48 moios de trigo por semana (cerca de 39 toneladas de farinha), nomeando-os:
  1. Moinho da Janela - gerido por Sebastião Roiz (ou Rodrigues);
  2. Moinho da Cova - gerido por André Dias;
  3. Moinho do Picão - gerido por Manoel Fragoso;
  4. Moinho do Rego - gerido por António de Sousa;
  5. Moinho da Madeira - gerido por Francisco Ferreira;
  6. Moinho da Calçada - gerido por João da Costa;
  7. Moinho Novo - gerido por Manoel d'Almeida;
  8. Moinho de São João de Deus - gerido por Manoel d'Almeida;
  9. Moinho do Muro - gerido por Nicolau Machado;
  10. Moinho das Duas Portas - gerido por Manuel Fernandes Carvalhal;
  11. Moinho da Calçadinha - gerido por Manoel Raposo;
  12. Moinho da Fabia - gerido por Manoel Fernandes.
Parte das águas da ribeira de Angra foi desviada posteriormente para o Alto das Covas, descendo para a cidade por meio de "arquinhas" (arcos).

Em 1600, o chamado "Cano Real" garantiu que parte dessa água chegasse ao Castelo de São João Batista.



Tanque do Preto
Em 1956 o multisecular curso de água foi desviado para alimentar as duas centrais hidroelétricas construídas para fornecer energia eléctrica à cidade a Angra. Na ocasião os antigos moleiros ganharam motores elétricos e a ribeira acabou por vir a secar. O curso d'água nasce na Serra do Morião, sobranceiro ao outeiro. 

O seu enrocamento, em cantaria de pedra aparelhada, estendia-se do alto de São João de Deus até ao centro da cidade, desaguando na baía de Angra. Alimentava o antigo Matadouro, na altura da moagem na atual rua do Pisão. São visíveis trechos nas traseiras do antigo Convento de São Francisco, atual Museu de Angra, onde ainda se observam duas canalizações: uma superior, destinada à água potável (que atendia a diversos chafarizes); uma inferior, destinada às "àguas sujas". Acima do chamado "Tanque do Preto" (antigo reservatório de água do convento), embora a canalização tenha desaparecido, são visíveis as ruínas dos moinhos que as aproveitavam.


RIBEIRA DOS MOINHOS


O verdadeiro trajeto original da Ribeira dos Moinhos, que moldou o desenvolvimento da cidade de Angra do Heroísmo desde a época do povoamento, promete continuar a dar polémica. Depois de Paulo Barcelos, dos Montanheiros, ter defendido, num artigo publicado na revista "Atlântida", que esta ribeira nunca cruzou, de forma natural, a baixa angrense, Humberto Oliveira, autor de uma obra que se debruça sobre o tema, apresenta outros argumentos.


Humberto Oliveira disponibilizou a DI o capítulo sobre a "Ribeira e os seus moinhos", incluído na obra "Angra na visão de Linschoten". Nesse capítulo, pode-se ler que, desde a serra do Morião até ao terreiro de São João de Deus, o percurso da ribeira é o mesmo. Depois, o povoamento introduziu alterações.

 
"Quando chegaram os primeiros povoadores a este local, o curso da ribeira, a partir do Terreiro de São João de Deus, seguia pelas ruas Frei Estácio (vulgarmente conhecida por caminho fundo), Pereira, Miragaia, Marquês, Praça, onde formava um lago ou paul, a partir daqui, entre as ruas Direita e Santo Espírito,  pelo logradouro das habitações até ao mar", escreve.

O cenário muda com a obra do capitão donatário Álvaro Martins Homem. Este "desvia a ribeira para efetuar o seu aproveitamento, de modo a abastecer de água as populações, mover os moinhos e azenhas". Assim, a partir do Terreiro de São João de Deus, a ribeira é, segundo Humberto Oliveira, desviada e canalizada, seguindo pela rua de São João de Deus, Pisão, Frei Diogo das Chagas, Ladeira de São Francisco, lado nascente da Praça e logradouro das ruas Direita, de Santo Espírito e Baixinha, desaguando junto ao cais da cidade, próximo da moagem ali existente.

Recorde-se que Paulo Barcelos sustenta que "esta ribeira nunca terá cruzado a baixa de Angra, contra aquilo que foi durante séculos repetido por cronistas e historiadores. Fluía sim pela Grota do Venial abaixo, afluía na Ribeira de São Bento e derramava sobre a Baía das Águas".

Já Humberto Oliveira vê a questão a outra luz. "Que eu conheça, os documentos mais antigos que temos sobre a ribeira são uma carta da Terceira de 1582, atribuída por Armando Cortesão a Luís Teixeira, o que eu concordo, pois também a estudei, uma carta da Terceira de 1587, assinada por Luís Teixeira, e a carta de Angra de 1595 que, segundo as minhas investigações, foi desenhada por Luís Teixeira e não por Linschoten. Nas duas primeiras diz-se que 'esta ribeira move 18 moinhos' e que nasce na serra do Morião e desagua na baía de Angra, junto à moagem da Firma Basílio Simões. A carta de 1595 tem desenhados nove moinhos e seis azenhas e tem no seu trajeto, por duas vezes, a designação de ribeira. Salvo opinião em contrário, tudo o que está desenhado na carta está correto, o seu trajeto desenhado é encosta da serra, nasce água, terreiro de S. João de Deus, Memória, S. Francisco, Praça Velha, logradouros das ruas Direita e Santo Espirito, rua baixinha, moagem. Luis Teixeira foi um dos nossos maiores cartógrafos... Todas as cartas da Terceira trazem esta ribeira desenhada, e todos os cronistas falam nela como a ribeira de Angra e ninguém fala em S. Bento", explicou.

Há um principal argumento: "Se a ribeira fosse para S. Bento, os moinhos teriam sido construídos sobre a ribeira e não temos nenhum moinho nessa zona. Então, a cidade ter-se-ia desenvolvido mais para esse lado, por causa da água potável", adiantou. Também ausentes em São Bento estiveram os chafarizes. A Praça Velha surge como "o lugar geométrico de toda esta bacia hidrográfica", defende Humberto Oliveira.