Nasceu a 3 de Outubro de 1889 na freguesia da Vila Nova, Concelho da Praia da Vitória e faleceu a 31 de Dezembro de 1969 em Angra do Heroísmo. Mais conhecido por dr. Valadão Júnior, foi um advogado, político e intelectual açoriano, que entre outras funções foi secretário do governo civil e governador civil interino do Distrito Autónomo de Angra do Heroísmo. Foi pai de Ramiro Machado Valadão, umas das mais importantes figuras da propaganda do Estado Novo.
Depois de frequentar o Liceu Nacional de Angra do Heroísmo concluiu o ensino secundário no Liceu Nacional de Ponta Delgada e formou-se em Direito na Universidade de Coimbra. Terminado o curso fixou-se em Angra do Heroísmo, onde abriu banca de advogado, estando activo no meio forense a partir de 1914, ganhando progressivamente fama de advogado brilhante, com larga clientela nas comarcas de Angra do Heroísmo e Praia da Vitória.
Entretanto, em 1913 fora nomeado ajudante de notário e iniciou uma carreira administrativa que o levaria a presidir à comissão executiva da Junta Geral do Distrito Autónomo de Angra do Heroísmo (1915) e partir de Abril de 1919 às funções de secretário-geral do Governo Civil, cargo que exerceu até se aposentar. As funções de secretário-geral fizeram dele o elemento de continuidade no funcionamento da instituição, além do substituto legal dos governadores, pelo que em múltiplas ocasiões exerceu interinamente as funções de governador civil.
Envolveu-se na vida política local e em 1918 e 1919, com início no consulado de Sidónio Pais, foi presidente da comissão administrativa da Câmara Municipal de Angra do Heroísmo. Conservador, foi apoiante dos partidos de direita, aderindo a partir do golpe de 28 de Maio de 1926 às políticas da Revolução Nacional e depois do Estado Novo, sendo uma das figuras mais importantes do regime na ilha Terceira. As suas funções no Governo Civil deram-lhe grande influência nas nomeações políticas para cargos administrativos locais.
Apesar do seu posicionamento no campo conservador, apoiou a opinião popular a favor da independência secular das irmandades do Divino Espírito Santo contra a vontade da hierarquia da Igreja Católica, liderada pelo bispo Dom Manuel Afonso de Carvalho, de assumir o seu controlo e de impor regras ao seu funcionamento.
Interessou-se pelas questões da cultura e foi professor do Liceu Nacional de Angra do Heroísmo, mantendo importante colaboração na imprensa local, publicando crónicas, muitas delas relacionadas com a sua infância no Ramo Grande. Contribuiu com alguns contos para a revista Os Açores, que se publicava em Ponta Delgada.
Foi sócio fundador do Instituo Histórico da Ilha Terceira, colaborando com com alguns artigos sobre o período das lutas liberais na ilha, realçando as atrocidades cometidas e combatendo a visão mítica e heróica da adesão do povo terceirense ao campo liberal. É também autor de alguns artigos sobre matéria forense.
Fez parte dos órgãos sociais de diversas instituições, nomeadamente do Sport Clube Angrense, do Rádio Clube de Angra e da Fanfarra Operária Gago Coutinho e Sacadura Cabral.
Na fase final da sua vida foi objecto de múltiplas homenagens e foi feito Oficial da Ordem Militar de Cristo a 5 de Outubro de 1930 e elevado a Comendador da mesma Ordem a 21 de Junho de 1944 e outras condecorações estrangeiras. O seu nome foi incluído na toponímia da freguesia da Vila Nova (logo em 1929), junto à casa onde nasceu, e a Câmara Municipal da Praia da Vitória colocou o seu retrato no salão nobre.
Principais obras publicadas
1942 — Um terceirense notável: o 1º Conde da Praia da Vitória. Angra do Heroísmo, Tip. Angrense;
1943 — "A Ilha Terceira. A emigração liberal. D. Maria II, Rainha da Terceira. O Terror. O julgamento de um guerrilheiro condenado à morte". Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira, 1: 60-96.
1956 — "A guerra entre a Inglaterra e a América do Norte e o bisavô do Dr. Luís da Silva Ribeiro; Um heróico combatente da Guerra Civil Portuguesa (Bisavô do dr. Luís da Silva Ribeiro)". Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira, 14: 256-313.
1958 — "Um Juiz de Fora, em Angra, no 1º quartel do século XIX; Um Fidalgo e um Alfaiate, agitadores políticos na cidade de Angra, em 1821 a 1823", Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira, 16: 36-98.
1959 — "Na Vila da Praia: Um Juiz de Fora. Um frade constitucionalista, 1823-1824", Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira, 17: 85-104.
1964 — Evocando figuras terceirenses. Angra do Heroísmo, Tip. Angrense.
1964 — Dois capitães-generais e a 1ª revolução constitucional na ilha Terceira. S.l., Edições Panorama.
Nasceu em Angra do Heroísmo a 28.08.1889, faleceu em a Lisboa a 15.08.1987. Pelo lado materno, descende de uma das famílias mais distintas da ilha Terceira. Fez estudos liceais em Angra do Heroísmo, Horta e Ponta Delgada, alistando-se como voluntário no curso de oficiais milicianos de Infantaria em 1915. Expedicionário no planalto de Benguela, em Angola, em 1918-20, onde comandou as forças. Colocado no Quartel General de Coimbra (1920-29). Licenciou-se em Ciências Histórico-Geográficas na Universidade de Coimbra. Professor dos Liceus José Falcão e Doutor Júlio Henriques, em Coimbra. Em 1928, fez exame de Estado e foi professor efectivo em Faro e Beja. Em 1931 foi nomeado, em comissão de serviço, reitor do Liceu Padre Jerónimo Emiliano de Andrade, em Angra do Heroísmo e depois colocado aí como professor efectivo. O seu reitorado foi o início de uma notável renovação pedagógica.
Foi, em 1932-33, membro da Comissão Distrital de Angra do Heroísmo da União Nacional e responsável pela montagem do Estado Novo no distrito. Governador civil de Angra do Heroísmo em 1933. Presidente da Câmara Municipal de Angra do Heroísmo (1939-52), sendo exonerado por discordância política. Iniciando, a par da carreira docente, uma relevante carreira política que o levaria aos lugares cimeiros da administração distrital e autárquica e a procurador à Câmara Corporativa do Estado Novo.
Partidário da solução ditatorial do saída do Golpe de 28 de Maio de 1926, aderiu à União Nacional, de cuja comissão distrital foi membro a partir de 1932. Esta sua adesão ao ideário da Revolução Nacional abriu-lhe uma rápida sucessão de nomeações para os lugares cimeiros da governança angrense: provedor da Santa Casa da Misericórdia (1931-1933); presidente da comissão administrativa da Câmara Municipal (1933) e finalmente governador civil do Distrito Autónimo de Angra do Heroísmo (28/04/1933 a 03/04/1936).
Ao ser substituído no lugar de governador civil, que o decreto que o exonera afirma ter exercido com zelo dedicação e patriotismo, é reconfirmado como reitor do Liceu, cargo que exerce até 1940. Entretanto, aparentemente por desavenças com Cândido Pamplona Forjaz, que passara a chefiar a União Nacional em Angra do Heroísmo, é relegado para a esfera autárquica, deixando definitivamente a chefia do Distrito. Assim, em 1939, regressa à presidência da comissão administrativa da Câmara Municipal de Angra do Heroísmo, assumindo a presidência da Câmara Municipal no ano imediato.
Foi nestas funções de presidente nomeado da Câmara Municipal de Angra do Heroísmo, cargo que exerceria até 1953, que desenvolveu a sua principal acção política. Acumulando o cargo com o de procurador à Câmara Corporativa (II e V Legislaturas) em representação dos municípios dos Açores e de presidente da Junta Autónoma dos Portos do Distrito Autónomo de Angra do Heroísmo (1943-1946), o "Dr. Corte-Real", nome pelo qual era conhecido, dominou a política local durante o período delicado da Segunda Guerra Mundial e dos anos imediatos, período em que a partir de 1943 a cidade e a ilha tiveram de conviver com a presença de forças expedicionárias portuguesas e britânicas e com o nascimento da Base das Lajes.
1960 - Escola Infante D. Henrique (Alto das Covas)
Durante o período em que foi governador civil e presidiu à Câmara Municipal, apesar da penúria dos meios disponíveis, empreendeu obras que ainda hoje marcam a face da cidade, como a construção da Escola Primária Infante D. Henrique (1933-1945), a pavimentação de muitas das ruas da baixa citadina, o calcetamento artístico da Praça Velha, a abertura do Largo Prior do Crato.
Convento da Graça (Alto das Covas)
Foram obras que nalguns casos levaram à demolição de alguns edifícios históricos (casos do Convento da Graça e do Pátio dos Estudos dos Jesuítas). Outras obras importantes foram o abastecimento de água às freguesias vizinhas da cidade (já que as outras só o tiveram na década de 1970).
Câmara Municipal de Angra do Heroísmo
Exerceu um notável magistério pedagógico, principalmente na disciplina de História. Foi um entusiasta pela divulgação da história dos Açores, escrevendo trabalhos de grande mérito; além de uma obra de animação cultural da sua cidade.
Homenagens
A 5 de Outubro de 1925 foi feito Cavaleiro da Ordem Militar de Avis
A 5 de Outubro de 1934 foi feito Comendador da Ordem Militar de Cristo
A 23 de Dezembro de 1940 foi feito Comendador da Ordem de Benemerência (Ordem do Mérito)
A 20 de Novembro de 1941 foi elevado a Grande-Oficial da Ordem Militar de Cristo
A 23 de Dezembro de 1959 foi feito Comendador da Ordem da Instrução Pública
J. G. Reis Leite (Jun.1997)
Obras: (1989), Biografias e Outros Escritos. Angra do Heroísmo, Ed. Câmara Municipal.
Bibl. Afonso, J. (1987), Notícia necrológica.Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira,XLV, 2: 1571- 1573. Agostinho, J. (1939), Reitor Dr. Corte-Real e Amaral, um depoimento.Vida Académica, Angra do Heroísmo, 31 de Maio, VII, 76. Forjaz, C. P. (1984),Memórias. Angra do Heroísmo, ed. do autor: 213-215. Leite, J. G. R. (1989), Homenagem ao Dr. Joaquim M. S. C. R. Amaral,InAmaral, J. M. S. C. R.,Biografias e Outros Escritos. Angra do Heroísmo, Ed. Câmara Municipal: 7-22.
1848 - Pintura existente no Museu dos Baleeiros no Pico
A BALEAÇÃO AÇORIANA
(Breve história da sua origem)
A primeira referência documental à captura de baleias nas águas dos Açores
remonta ao século XVI, ao
largo da ilha de Santa Maria. De acordo com Frutuoso:
"No ano de 1574 acharam os pescadores uma baleia morta onde se chama o Mar de
Ambrósio, e, por ser longe e estar um só batel, a não levaram a terra, inteira,
senão muitas postas dela, de que fizeram muito azeite.
No ano seguinte de 1575, a derradeira
oitava de Páscoa, apareceu outra,
junto da Vila, e três ou quatro batéis, que foram a ela, a levaram à costa,
junto de Nossa Senhora da Concepção, da qual se fez muito proveito e tiraram ambre (sic),
que lá foi buscar desta ilha o feitor de el-Rei, Jorge Dias. Dizem que
aproveitou, mas os pobres nada dele gozaram.
No mesmo ano, em meio de Junho, apareceu outra da banda de Sant'Ana, a
qual tiraram em terra no porto de Nossa Senhora dos Anjos, de que se fizeram dez
ou doze pipas de azeite.
Daí a poucos dias, acharam outra da mesma banda de Sant'Ana, mas porque
já andavam os homens enfadados, e ser tempo de aceifa, não curaram dela, até que
desapareceu de todo.
Os anos passados, foi achado em Sant'Ana um grande pedaço, que parecia
tábua de uma coisa como cevo e da mesma sua cor, que ardia mui bem, e diziam que
também aproveitava para frialdade, sem se acabar de determinar o que seria. E muitos há que em São Lourenço saiu um
baleato pequeno, afora outros que não lembram."
Embora se registe a presença de baleeiros ingleses no século XVIII, a caça sistemática ("baleação")
nas águas do arquipélago só se iniciou na segunda metade do século XVIII e do século XIX, com a chegada
dos navios baleeiros estadunidenses, nomeadamente aqueles oriundos de New Bedford e de Nantucket. Ao arregimentavam homens
para completar as suas tripulações nas ilhas, foi com eles que os açorianos
aprenderam as técnicas e o domínio dos instrumentos, patente no uso do próprio
vocabulário baleeiro, quase que totalmente de origem anglo-saxónica.
É com a experiência desses homens que, na década de 1850 se constituíram as primeiras
armações baleeiras nos Açores, nas ilhas do Oeste. Para isto foram fundamentais
as embarcações baleeiras (adaptações dos primeiros modelos importados de New
Bedford pela família Dabney, do Faial), de
palamenta apropriada e com tripulação de, pelo menos, 7 homens (mestre,
arpoador/trancador, remador e marinheiros). O Topo, na ilha de São Jorge, foi a primeira localidade onde se armaram canoas. Nas Velas, foi
arpoada a primeira baleia em janeiro de 1886.
Na década de 1880, constituíram-se armações no Grupo Oriental, a partir da ilha de São Miguel. Nesta
ilha existiram quatro companhias baleeiras:
No Calhau Miúdo das Capelas, junto ao Morro, fundada a 29/10/1884;
No porto de Santa Iria, na freguesia da Ribeirinha, fundada no mesmo ano
(1884);
Na Grota, junto à Praia Grande dos Mosteiros, a "Companhia Pescadora",
fundada em 23/10/1885 da qual era gerente o conhecido industrial João de Melo Abreu;
No Castelo do Porto Formoso, a "Companhia Baleeira Esperança", fundada por
alvará de 20/04/1886.
Além destas, o Governo Civil de Ponta Delgada passou ainda, com data de 5 de Agosto
de 1885, alvará provisório a Amâncio Júlio Cabral e José Maria Pimentel, para
criação de uma empresa dedicada à pesca de cetáceos no Areal Grande de S. Roque,
na costa sul da ilha.
Todas estas empresas tiveram existência mais ou menos efémera, à excepção da
Companhia Baleeira das Capelas/São Vicente que, ao longo dos anos cresceu em
meios e equipamentos, tendo aumentado as suas capacidades operacional e técnica,
a ponto de ter se constituído uma das empresas de maior dimensão e com mais
longa existência no arquipélago (1884-1983).
As campanhas baleeiras no arquipélago tinham lugar anualmente, de 15 de Maio
a 15 de Setembro. Eram utilizados os chamados "botes de boca aberta", típicos
dos Açores, e arpões.
Após a captura,
as carcaças dos cetáceos eram
objecto de desmanche para a extracção do óleo ("azeite"), do âmbar-gris,
das barbatanas e da carne. Os ossos eram reduzidos a farinha. Até à década de 1930, a
extracção do chamado "azeite de baleia" ainda era processada pelos próprios
baleeiros, por um processo artesanal conhecido como "a fogo directo", em
instalações denominadas "traióis", constituídas por duas caldeiras adossadas, assentes sobre uma fornalha. Na ilha de São Jorge, em 1936, registavam-se quatro
armações: três nas Velas e uma no Topo.
Em meados do século XX,
esse trabalho foi gradualmente sendo substituído pela industrialização do
processo, em fábricas de derretimento, que utilizavam auto-claves a vapor de grande capacidade.
Desde 1987 que deixou-se de praticar a
"caça" à baleia em Portugal, tendo o último cachalote sido caçado naquele ano,
ao largo da vila das Lajes do Pico. O
comércio dos produtos extraídos da baleia foi proibido.
A partir de 1992 tem sido pedida a concessão de quotas para a exploração comercial de algumas espécies, o que tem sido recusado pela IWC. Para além da caça tradicional, apenas a Noruega retomou a caça, já que tinha apresentado uma objecção à moratória, o que lhe permite legalmente prosseguir a baleação. O Japão, sob a guisa de investigação científica, tem vindo a caçar um número crescente de baleias.
Apesar do óleo de baleia não ter hoje valor comercial que justifique a caça, a carne da baleia é considerada um acepipe no Japão e na Noruega, pelo que a caça agora é cada vez mais dirigida para o consumo humano da carne.
No caso do Japão, dada a escassez da oferta, o preço da carne de baleia atinge valores extremamente elevados, havendo uma procura crescente por parte dos consumidores. Daí que a pressão para retoma da baleação comercial seja grande.
A espécie mais caçada hoje é a rorqual-anã-austral, a mais pequena de entre os balenopterídeos. Estima-se que a sua população actual atinja os 180 000 animais no Atlântico central e nordeste e 700 000 animais em torno da Antárctida.
Em 2003, a Comissão Baleeira
Internacional iniciou um estudo plurianual das águas do Oceano Antárctico com o objectivo de estabelecer novas e mais seguras estimativas do
efectivo populacional. A Noruega tem
também vindo a fazer estudos plurianuais das populações de cetáceos daquela área
desde 1995, conforme é sua obrigação nos
termos da Convenção enquanto Estado que mantém baleação comercial.
Apesar de se esperar que o estudo revele um aumento generalizado das
populações de cetáceos, alguns dos Estados membros mais influentes da Comissão
Baleeira Internacional, como o Reino Unido, Austrália e Nova Zelândia deverão bloquear o reinício da
baleação comercial. Este bloqueio prende-se essencialmente com questões de bem
estar animal relacionadas com os métodos de captura e não com quaisquer
políticas de conservação das populações de cetáceos. Esta política tem vindo a
polarizar as actividades da IWC e tem-se vindo a registar uma "corrida ás armas"
com ambos os lados, pro a a favor da caça á baleia, a aliciar países muitos
deles sem qualquer tradição baleeira e mesmo sem costa litoral, a juntar-se a
comissão com o objectivo de subverter as votações.
Scrimshaw é uma palavra da língua inglesa, de etimologia discutida, mas que designa a arte de
entalhe e gravação ou pintura em marfim - dentes e ossos da mandíbula - de cachalotes.
As peças são muito variadas, utilitárias e decorativas, como por exemplo
caixas, talas para corpetes de vestidos de senhora, dedais, cabos de sinete,
punhos de bengala, dados e até carretilhas para recorte da massa tenra.
Essa manifestação artística está ligada tradicional à atividade da baleação e, em Portugal, apenas despertou a atenção
dos estudiosos a partir dos finais da década de 1950. Constitui a mais autêntica
e conhecida manifestação da chamada "arte baleeira" que teve as suas origens no século XIX, nas frotas de
baleação, inicialmente formadas por marinheiros norte-americanos, mas em pouco
tempo integradas também por numerosos açorianos e até
cabo-verdianos. É uma arte
feita por marinheiros e a eles destinada, embora, com o decorrer dos tempos, os
destinatários deste tipo de peças artísticas se tenham diversificado, atingindo
já não apenas familiares, namoradas e amigos dos marinheiros, mas um vasto
número de pessoas apreciadoras das actividades marítimas e do artesanato ligado
ao mar.
A arte de "scrimshaw" correspondia à ocupação nas horas de ócio a bordo e a
uma expressão de saudade da família e da terra do artista.
As invocações
religiosas são menos frequentes ou mais recentes. As técnicas mais utilizadas
são a incisão ou a gravação, sendo os entalhes pigmentados. Já no século XX,
surgiram os motivos incrustados, por vezes em alto-relevo.
O PATRIMÓNIO BALEEIRO
NOS AÇORES
Nas sociedades contemporâneas, fortemente marcadas pelos fenómenos crescentes
da globalização e da massificação cultural, apercebemo-nos de que os valores
culturais permanecem ao longo do tempo, como algo que garante a unidade do
tecido social e realça e promove a especificidade cultural de cada comunidade.
Neste quadro, de homogeneidade global crescente e de erosão das culturas
tradicionais e singulares, as pequenas comunidades sentem cada vez mais a
necessidade vital de reabilitarem a sua identidade cultural.
Pela importância sócio-económica que teve na vida das populações e pelo
carácter épico-dramático de que se revestiu, a baleação deixou marcas – traços
“identitários” - profundas na memória coletiva de muitas localidades
açorianas.
Apesar da dimensão regional da actividade baleeira foi, no entanto, na ilha do
Pico que o complexo cultural da baleação se exprimiu com maior intensidade. O
Pico, como reconhecido e inquestionável referente paradigmático do imaginário
baleeiro regional, tem cultivado os valores e as memórias da baleação,
consagrados no Museu dos Baleeiros e do Museu da Indústria Baleeira (com
projecção nacional e internacional) e revividos na Semana dos Baleeiros.
O bote baleeiro é, incontornavelmente, um dos mais importantes vestígios
materiais do património baleeiro e da cultura da baleação. Inspirados na herança
norte-americana os açorianos produziram um novo modelo de bote baleeiro, mais
comprido e melhor adaptado às condições de navegabilidade dos nossos mares e ao
modelo de baleação costeira e artesanal que se praticou nas ilhas dos
Açores.
Resultado da capacidade criativa e do génio inventivo dos primeiros grandes
construtores navais açorianos, o bote baleeiro açoriano, no entender de muitos
especialistas, “a mais perfeita embarcação que alguma vez sulcou os mares”, é um
misto de robustez, elegância, eficácia e singularidade.
A actividade da caça à baleia marcou de forma indelével o carácter e o modo de
estar de muitos açorianos, abrindo os horizontes das ilhas para o continente
norte-americano, factor determinante no nascimento da diáspora açoriana nos
E.U.A. e Canadá.
Com o seu termo, ditado por fatores económicos e ambientais, nos finais dos
anos 80, do séc. XX, ficou um valioso património de saberes, ao qual está
associado um não menos valioso património material, constituído pelas
embarcações baleeiras (botes e lanchas de reboque) e a sua palamenta e pelos
edifícios e maquinaria que em terra deram corpo às actividades ligadas à
baleação.
Caça à baleia Medalhas comemorativas Baleação no Pico
1988 - Inauguração do Museu dos Baleeiros no Pico
1994 - Inauguração do Museu da Industria Baleeira de São Roque do Pico
Ainda
sob a impressão de ideias colhidas no colóquio que, entre 7 e 8 deste mês, a
Universidade promoveu em Ponta Delgada sobre «Regionalismo e Organização
Política – a Europa, os Estados Unidos e a Relação Transatlântica» – recordo,
entre o muito ali falado, coisas sobre a localização atlântica deste nosso
arquipélago, tão apetecido de quem tenha visão estratégica, vontade
correspondente – e meios para o que quer. É o caso dos norte-americanos
enquanto houver petróleo e tensões no Médio Oriente. A União Europeia só
recentemente mostra ter começado a olhar os amplos espaços marítimos à roda do
arquipélago, não para projectar um poder militar que não tem nem parece
ambicionar, mas na de algum proveito económico e científico. O que, sim, tem
havido é fruição por frotas pesqueiras de países da União, com relevo para a
Espanha, de parte dos espaços marítimos que, à volta dos Açores, correspondem a
tanto como metade da zona económica exclusiva portuguesa. Das potências
emergentes, de que o Brasil é a única atlântica, está ainda por saber o que
nelas disto se pensa. Mas de outras não atlânticas já o interesse se
manifestou. Portugal que, com estratégia e determinação, fizera entrar os
Açores na História, esse há muito se limita a facultar-lhes os préstimos a
terceiros contra compensações diplomáticas e/ou financeiras a partir de uma
débil capacidade negocial. O facto é os Açores estarem mesmo entre mundos – a
Europa, as duas Américas, a África, até a recentemente chamada Macaronésia… E
perante eles, esta localização oceânica, porventura a sua maior riqueza –
enquanto não for (porque, de facto, ainda não é) os próprios
habitantes do arquipélago – permanece instrumental para quantos dela vêm
tirando algum proveito – até clandestino, uma vez por outra... Foi, aliás, com
estes dados jogados em tempo certo perante um poder nacional em plena crise,
que se ganhou a presente autonomia regional, essencialmente política e, pela
primeira vez, financeiramente garantida.
Aproveitamentos,
digamos que oficiais, desta atlanticidade, são razoavelmente conhecidos e
comentados, por vezes até com ansiedade – tal o medo de acabarem... Os
clandestinos, menos. Gostaria de lembrar aqui um destes, a propósito do qual se
construiu até um mito patrioteiro que, já agora, conviria desfazer de vez. Mas
terá de ser em semanas próximas, pois uma só não chega. É sobre episódios
conexos com a guerra da Secessão norte-americana, aqui ocorridos e depois
divulgados misturando verdades com inverdades à volta de dois navios, um do
Norte, outro do Sul. E é uma boa história…
II
No
seu número de 12 de Julho de 1932 «A União» transcreveu do «Diário da Manhã» um
artigo assinado por Mem Bugalho (Francisco José de Macedo Jr., 1863-1942) com o
título «A Honra de Portugal» – como a corveta “D. Estefânia” a defendeu pela voz
juvenil de um guarda-marinha açoriano». Narra-se aí em termos ditirâmbicos um
episódio ocorrido durante a guerra
da Secessão norte-americana e no porto de Angra, onde a corveta «Kearsarge», da
marinha federal (nortista), se refugiara do navio confederado «Alabama»
(sulista), depois de lhe ter furtado voltas entre os ilhéus das Cabras.
Portugal declarara-se neutral no conflito, pelo que cabia à «Estefânia» fazer
cumprir as leis da guerra, impedindo o combate dos dois navios inimigos em
águas portuguesas. Como o comandante da «Estefânia» estava doente, foi o
guarda-marinha Manuel Azevedo Gomes quem se dirigiu a bordo do «Alabama» e, em
«inglês puríssimo» (sic), intimou o comandante a arredá-lo do porto
antes de a «Estefânia» a isso o obrigar a tiro, garantindo ainda que a
«Kearsarge» só 24 horas depois de lá partiria; seguidamente, já a bordo desta,
impôs ao comandante que ali permanecesse as tais 24 horas, também para não ter
de o impedir à força. E ambos os navios obedeceram – o «Alabama» afastando-se
para o mar largo, não sem ter salvado a terra, e a «Kearsarge» ficando quieta
até ao fim daquele prazo, e só então largando, também com salvas de honra. Esta
história é repetida por Gonçalo Nemésio no seu livro «Azevedos da ilha do Pico»[1],
precisando que a mesma era contada pelo comandante Liberal da Câmara – que foi
capitão do porto de Angra de 1932
a 1934 (ainda me lembro dele nesse posto) – o qual, a
julgar pelas datas, bem pode ter tido como fonte aquele artigo transcrito pela
«União».
1866 - Baía de Angra do Heroísmo
Sucede
porém que o «Alabama» só passou pela Terceira em Agosto de 1862 – quando
Manuel Azevedo Gomes, nascido em Santo Amaro do Pico em 19 de Outubro de 1847 e
depois distinto oficial da Marinha portuguesa, nem completara 15 anos de
idade... Assim, o que terá ocorrido sendo ele guarda-marinha nada teria a ver
com a neutralidade portuguesa na guerra da Secessão (que foi de 1861 a 1865!) nem com o «Alabama» – de que,
aliás, a «Kearsarge» nunca fugiu, antes procurou durante quase 2 anos até o
encontrar, combater e afundar ao largo do porto francês de Cherburgo em 19 de
Junho de 1864.
O
que, aí sim, a presença destes navios nos Açores mostra é o tal aproveitamento clandestino
da situação geográfica do arquipélago. Como irá ver-se.
III
Foi
quando, aí pelos meus 13 anos, li «Os violadores do bloqueio», 1ª parte do
romance de Júlio Verne «Norte contra Sul», que fiquei a saber da guerra da
Secessão norte-americana e do jogo duplo dos ingleses, nela declarados neutrais
sem deixarem de puxar para o lado da Confederação – a qual, pelo simples facto
de existir, diminuía e enfraquecia esses Estados Unidos a cuja independência ainda
não se haviam resignado; isto além continuar a produzir-se lá algodão que lhes
abastecia as fábricas têxteis…
Entretanto, com os navios de guerra
federais bloqueando-lhe os portos para a estrangular economicamente, a
Confederação lançou-se também na guerra do mar. E para isso usou, nomeadamente,
navios corsários (merchant raiders)
no intuito de causar o maior dano possível na frota mercante da União. O
primeiro que armou ad hoc para este
efeito recebeu o nome de «Sumter», porventura em memória do episódio que
desencadeara a guerra da Secessão, a conquista do Fort Sumter pelos
confederados. Sob o comando de Raphael Semmes, a curta carreira deste «Sumter
como raider levá-lo-ia, em apenas 6
meses, a capturar 18 navios desde o Golfo do México, das Antilhas e da costa
brasileira até Gibraltar, onde comandante e tripulação o abandonaram depois de
ele ali ser encurralado pelos navios da União «Tuscarora» e «Kearsearge». E a
sua fama – só ela… – chegou aos Açores, com eco nos «Anais da família Dabney»[2] numa
altura em que a viagem lhe findara já. É que os Dabney tinham mesmo de estar
atentos… Notícias enviadas ao secretário de estado William Henry Seward pelo
cônsul Charles William Dabney davam conta, desde Fevereiro de 1862, de
diligências para abastecer de carvão nos Açores navios da Confederação ou ao
serviço dela, com mediação de Thomas Dart[3],
súbdito inglês residente na Horta – e, em Outubro, do que se ia sabendo no
Faial das primeiras acções do «Alabama» quando, após deixar a Terceira, começou
a interceptar e destruir navios com a bandeira dos Estados Unidos ao largo das
Flores.
Em Agosto desse ano o cônsul transmitia ao secretário de estado o que,
em sucessivos relatórios[4], lhe
chegava do meu trisavô, José Inácio de Almeida Monjardino – agente consular dos
Estados Unidos em Angra por indicação do seu cunhado George Philips Dart, irmão
de Thomas e que renunciara ao cargo – sobre a suspeitíssima permanência nos
portos da Terceira de um tal navio «Barcelona» (afinal, nada menos que o
próprio «Alabama», ainda sem lhe usar o nome): informações basicamente
correspondentes ao que sobre este mesmo assunto se conhece da documentação
portuguesa de então.
IV
Jácome de Bruges 2.º Conde da Praia da Vitória
Em 1959, Cândido Pamplona Forjaz publicou, no
Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira, um artigo onde, a propósito de
certo quadro mostrando um navio a passar entre os ilhéus das Cabras, se refere
a estadia do «Alabama» nesta ilha[5].
Divulga-se aí o ofício de 26 de Agosto de 1862 enviado ao ministério do reino
pelo governador civil de Angra do Heroísmo, Jácome de Bruges, sobre
acontecimentos havidos a partir de 10 desse mês com três navios de bandeira
inglesa nos portos da Terceira – Praia, Fanal e Angra – onde, à revelia das
autoridades locais, um deles, o vapor «Barcelona», recebia carga dos outros dois,
a barca «Agripina» e o vapor «Bahama». Anteriores ofícios do governador para o
intendente de marinha (não havia capitão do porto), o director da Alfândega, o
comandante da divisão militar e o vice-cônsul britânico, mostram embaraço,
inquietação e impotência perante tais factos, tudo bem evidenciado no pedido, a
este último, de intervir para que aquele «irregular procedimento não traga
desconsideração às auctoridades portuguezas» (sic). Dois semanários locais, «A Terceira» e o «Lidador», ambos de
Angra, já a 23 de Agosto aludiam com indignação à presença nos portos da ilha
de tais navios, um deles embarcando armas e munições de guerra, num
«procedimento singular e revoltante». Acabados nesse mesmo dia 23 os
transbordos para o «Barcelona», incluindo ainda carvão e mantimentos, o seu
comandante veio finalmente a terra e, na companhia de John Read, o vice-cônsul,
foi apresentar desculpas ao governador, como ele também registou no seu ofício
para o ministério. Desculpas esfarrapadas (ignorância de regulamentos, etc.)
mas aceites – se não com convicção, decerto com alívio. E assim se foram,
supostamente «rumando à América» (como suspeitavam «A Terceira», o «Lidador» e
não só…) aqueles «navios ingleses» que, com vice-cônsul e tudo, como tais
sempre se apresentaram.
Repare-se
que nunca nestes papéis se fala do
«Alabama». E a única menção a tal nome então feita – em carta de George Philips
Dart para Charles W. Dabney – parece-me ter resultado de um equívoco. De facto,
o que Dart aí afirma é a sua convicção de que o «Barcelona» se destina aos
estados do Sul após receber carga do outro
vapor chamado o Alabama e da barca «Agripina»[6].
Ora o nome do outro vapor não era
«Alabama», mas não deixava de ser parecido («Bahama»)
e, de ouvido, facilmente confundível com aquele…
…E, no entanto, o «Alabama» esteve mesmo na Terceira. A
municiar-se. Só que disfarçada sob nome e pavilhão alheios, e esperando não ser
incomodado. Como não foi.
1805 - Baía da Praia
V
Ora justamente o «Alabama» é que ia
substituir o «Sumter» na guerra de corso que a Confederação continuava a
manter. Mas desta vez era um navio novo, para o efeito encomendado aos
estaleiros ingleses de John Laird, em Birkenhead. Tudo à socapa, claro, que a
neutralidade britânica obrigava a estas hipocrisias, mas sem deixar de ser gato
escondido com o rabo de fora – tanto que o governo dos Estados Unidos procurou,
por via diplomática, obstar-lhe à partida, mas já não foi a tempo[7]… E
assim, aquele que para os confederados era apenas o «290», fez-se mesmo ao mar
despachado para Nassau, nas Bahamas, vazio e desarmado sob o inocente nome de
«Erica» e pavilhão inglês, e rumo a onde pudesse receber o que lhe faltava –
armamento, munições, carvão e víveres para longos percursos. Lugar bom para
isso era a Terceira, cujas autoridades se presumia serem suficientemente
incapazes de impedir tal armamento, aliás tão ilícito como em Inglaterra, visto
Portugal também haver declarado a sua neutralidade…
Assim, em 10 de Agosto de
1862 o «290» chegou ao porto da Praia da Vitória, aí declarando ao serviço de
saúde chamar-se «Barcelona» e destinar-se a Havana. A 18 juntou-se-lhe a barca
«Agripina», com carvão, provisões várias, 6 canhões e munições de guerra.
Raphael Semmes, que comandara o «Sumter», chegou ali a 20, no «Bahama», quando
já começara o transbordo de toda aquela carga. Concluído tal serviço a 23 de
Agosto nos portos da Praia, Fanal e Angra, o «290», sob o comando de Semmes e
já em mar aberto, assumiu-se finalmente como o corsário que era, arriou a
bandeira inglesa, desfraldou a da Confederação ao som da Dixie e de hurrahs dos
tripulantes e partiu no seu cruzeiro de destruição em que, desde perto das
Flores[8], iria
interceptar e destruir em ano e meio nada menos de 65 navios federais, num
percurso que incluiu o Golfo do México, o Brasil, o Oceano Índico e, no
Oriente, Singapura, o norte de Bornéu e o Mar da China[9]... Regressado então ao Atlântico, ainda, em 25 de Abril de 1864 e a sudoeste de
Cabo Verde, aprisionou e queimou o «Tycoon», sua última vítima. Tendo arribado
a Cherburgo para reparações, aí foi (pela primeira vez!) descoberto pela
«Kearsarge», que enfrentou num dramático duelo de artilharia de uma hora, até
esta o meter a pique. Cumprida (e pela medida grande) a missão que lhe coubera,
assim acabou o «Alabama» – para a História naval, o maior dos merchant raiders da Confederação –
armado e municiado nos portos da ilha Terceira à margem das leis da guerra e
perante a aflita inoperância local, por obra do atrevimento de quem, contando
com isso mesmo, para aqui o havia encaminhado.
1869 - Baía da Horta
VI
Neste uso dos Açores – «neutrais» por
Portugal o ser – a «Kearsearge» não tem, no entanto, menos que se diga… Charles
W. Dabney reclamara-lhe a presença no arquipélago mal soube dos estragos que o
«Alabama» tinha começado a fazer ao largo das Flores[10].
Quando todavia ela chegou à Horta, em 6 de Outubro seguinte, já o seu alvo ia
longe, umas 300 milhas
a sul da Terra-Nova, pelo que logo regressou a Cádiz[11]. O
«Lidador» de 11 de Outubro assinala-lhe uma escala em Angra, e informa até que,
na véspera, a «Kearsearge» passara «diante do porto dando caça a outro vapor
corsário o qual, vendo-se perseguido, picou os mastros para mais velozmente se
poder evadir». A isto parece também referir-se Roxana Dabney ao registar por
esses mesmos dias que, de bordo do «St. Louis», julgaram ter avistado a
Kearsarge» a perseguir outro navio. Mas Roxana, sempre atenta, precisou ainda
que este tinha duas chaminés e o «Alabama» uma só[12], e
daí não poder ser ele… Seria o tal que, décadas depois, Henrique Abreu pintou a
esconder-se no meio dos ilhéus das Cabras? Talvez fosse. O «Alabama», em
qualquer caso, é que não era…
Entre Novembro de 1862 e Março de 1863 a
«Kearsarge» andou, sempre em cata do corsário, por costas setentrionais
europeias, pelas Hébridas, a Madeira, as Canárias – mas em vão... E voltou ao
Faial em Abril seguinte – enquanto o «Alabama», deixadas as Antilhas e o Golfo
do México (onde afundara em combate, frente a Galveston, Texas, o cruzador
federal «Hatteras») navegava já em pleno hemisfério sul rumo à Baía donde, pelo
Índico, seguiria para o Oriente. Com base de
facto na Horta, a «Kearsarge» aplicou-se então a interceptar ou perseguir
outros navios que, ao serviço da Confederação, passavam nas proximidades – e
até levou os Dabneys, cuja casa o seu novo comandante frequentava, numa agradável viagem a Angra[13]... Tão acolhedor lhe era o porto faialense que ainda ali se procedeu, mau grado a
neutralidade portuguesa (e sem obstáculo das autoridades locais, que se saiba)
ao reforço com elementos de ferrodo
seu casco de madeira[14]… E
assim melhorado na respectiva capacidade de combate, a «Kearsarge» partiu em
Setembro do Faial, aonde só voltaria em Agosto do ano seguinte, após ter
acabado com o «Alabama»[15] –
cuja estadia na Terceira, dois anos antes, ao menos causara alguns resmungos.
Como se vê, em uso abusivo dos nossos portos, o vencedor do temível raider não lhe ficou atrás.
…E não fará tudo isto lembrar «mistérios»
mais recentes como os de uns armazéns nucleares ou voos de Guantánamo via
Lajes? Coisas do (nosso) transatlantismo, afinal.
Álvaro Monjardino
(«A União» de 2011-11-19 e 26, 12-03, 10 e 17 e 2012-01-07)
[1] Ed. de 1987, in
nº 1 da nota 107, pp. 161-162.
[3]
«Correspondência dos Cônsules dos Estados Unidos nos Açores», ed. em CD do IAC,
5º rolo, nº 0401e «Anais» cit., III, pp.
44 e 45.
[4]
«Correspondência» cit, 5º rolo, nºs 0455 a 0460, 0492 a 0494, 0535 e 0536.
[5] Ano
XVII, pp. 275-282. O quadro, pintado por Henrique Abreu (n. 1887), foi
oferecido pelo seu pai, o doutor Eduardo de Abreu, ao almirante Charles S.
Sperry, comandante da esquadra norte-americana do Atlântico, quando em 1909
esta passou pelos Açores em viagem à volta do mundo.
[6]No doubt the steamer «Barcelona» is intended for the Southern States after receiving the
cargoes of the other steamer called the
Alabama and o f the Bark «Aggrippina»:
«Correspondência dos Cônsules dos Estados Unidos nos Açores», ed. em CD do IAC,
5º rolo, nº 0462.
[7] Os Estados
Unidos nunca esqueceram este e outros by-passes
britânicos e, finda a guerra, processaram o Reino Unido no que ficou conhecido
por «Alabama Claims», saldado em 1871 por um acordo que incluiu desculpas e uma
indemnização de US$ 15,5 milhões – inicialmente queriam muito mais, chegando a exigir a aquisição do
Canadá, como dação em pagamento…
[8] Foi
pelos sobreviventes dos primeiros navios destruídos, quase todos baleeiros, que finalmente se soube, nos
Açores, o verdadeiro nome do corsário.
[9] Tudo
isto vem contado, incluindo percursos e posições diárias dos navios, no livro
de Raphael Semmes «The Cruise of the
Alabama and the Sumter», New York/Londres, 1864, ainda nesse ano com outra
edição em francês.
[12]
«Anais…» cit., III, pp. 63-64. Pelos vistos, ainda se admitia que, nesse
Outubro, o «Alabama» andasse perto dos Açores…
[13] Anais…» cit., III, pp.
128, 138, 141 e 143-146.
[14]) «Kearsarge» had been given
added protection by chain cable triced in tiers along her port and starboard
midsection abreast vital machinery. This hull armor had been installed in just
three days, more than a year before June 1964, while «Kearsarge» was in port at the Azores. (In http://en.wikipedia.org/wiki/USSKearsarge (1961)).