sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

Raúl Brandão (1867-1930)



AS ILHAS DESCONHECIDAS



Raul Brandão nasceu na Foz do Douro em Março de 1867 e aí passou a infância e a juventude. Era filho e neto de pescadores. Durante os anos de liceu, começou a interessar-se pela literatura.



Frequentou, como ouvinte, o Curso Superior de Letras, ingressando mais tarde na Escola do Exército. Paralelamente a esta carreira – mormente ligada à burocracia militar - Raul Brandão foi jornalista escritor. Em 1896 foi colocado em Guimarães, cidade onde se casou e se instalou definitivamente. Só em 1912, depois de se retirar da vida militar, se dedicou em exclusivo à escrita, tendo publicado alguma das obras mais marcantes da nossa literatura do início do século XX, como Os Pescadores, Húmus, El-Rei Junot, A Morte do Palhaço e três notáveis volumes de Memórias, além de As Ilhas Desconhecidas. Morreu em Lisboa, em Dezembro de 1930.

1926 (1.ª edição)


Entre Junho e Agosto de 1924, na companhia de outros intelectuais (entre eles, Vitorino Nemésio), Raúl Brandão viajou pelos arquipélagos da Madeira e dos Açores. Daí nasceu As Ilhas Desconhecidas - Notas e Paisagens, um dos mais importantes e belos livros de viagem da literatura portuguesa. Nele, Brandão descreve de forma comovida e paciente a paisagem e a solidão insular, a cor raríssima de cenários mágicos e ignorados, o exotismo perturbador e silencioso, um retiro de melancolia e de beleza.

2017-04-26
Edição filatélica dos CTT
(Vultos da Cultura)

Visite o álbum filatélico de Maria de Lurdes Freitas "Ilhas Desconhecidas" em:



Quase um século depois, As Ilhas Desconhecidas permanece no nosso património literário como a mais completa das homenagens aos arquipélagos atlânticos.

Moeda comemorativo dos 150 anos
do nascimento de Raúl Brandão

As Ilhas Desconhecidas são as ilhas dos Açores e da Madeira, percorridas por Raul Brandão num verão no início do século XX. Através desta narrativa de viagem, somos transportados de ilha em ilha, guiados apenas pelos nossos sentidos. Os olhos são invadidos pelas cores das ilhas - o verde dos pastos, o negro das rochas, o cinzento do nevoeiro e a multiplicidade de cores que se revelam pela ação do sol. São os cheiros que ficam na memória olfativa - o mar, a humidade, as flores, as frutas tropicais e, menos bom mas igualmente memorável, o cheiro de óleo de baleia. Os sons - o silêncio, as aves, as vacas na pastagem, o mar. Os sabores - desde o mais rude e agreste do pão, ao doce do leite açoriano e das frutas tropicais madeirenses. E são as gentes destas ilhas: há os genuínos, solidários e honestos corvinos que vivem num isolamento extremo, mas que figuram como o povo que o narrador mais admira pelo seu sentido de comunidade e partilha; há os baleeiros do Pico que vivem em função da pesca, constantemente virados para o mar e destemidos nas suas canoazinhas, armados apenas com um singelo arpão. E há as gentes da Madeira: por um lado, os que vivem bem do turismo, os que cultivam a terra mas desgraçam as vidas bebendo e os poucos que ainda vivem da terra honestamente.

Este retrato centenário destes arquipélagos portugueses é, ainda hoje, capaz de fazer os leitores desejar visitá-los, despertando nos leitores o desejo de os verem com os seus próprios olhos.


Textos obtidos no blog "Segredo dos Livros"

quarta-feira, 20 de junho de 2018

Artur Cunha de Oliveira (1924-2018)



Artur Cunha de Oliveira

Nasceu a 30 de Setembro de 1924 em Lawrence – Massachusetts -, nos Estados Unidos da América.

Filho de mãe graciosense e de pai micaelense, Cunha de Oliveira foi para a Graciosa, com 7 anos de idade, para a freguesia de Guadalupe, onde frequentou a escola primária. Ingressou cedo no Seminário, para prosseguir estudos e mais tarde, já depois de terminado o sexénio foi para Roma estudar e aí se forma em Sagrada Escritura, Teologia Dogmática e Ciências Bíblicas. É em Roma que Artur Cunha de Oliveira se inicia na participação política entre 1946-47, quando era um jovem estudante de Teologia em Roma.

Artur da Cunha Oliveira, sacerdote católico dispensado do ministério, foi professor no Seminário Episcopal de Angra, cónego da Sé, assistente diocesano de vários movimentos, organismos e associações de apostolado e, na sociedade civil, diretor do diário A União, co-fundador do Instituto Açoriano de Cultura de cujas Semanas de Estudo dos Açores foi secretário permanente durante vários anos.

Foi presidente da Comissão Administrativa da Junta Geral do Distrito Autónomo de Angra do Heroísmo, diretor e fundador do Departamento Regional de Estudos e Planeamento dos Açores (DREPA), deputado ao Parlamento Europeu, presidente da Comissão Diocesana de Justiça e Paz e da Assembleia Municipal de Angra do Heroísmo.

Hoje em dia, considerava-se um crente que mantinha um espírito crítico e que olhava preocupado para o “divórcio profundíssimo” entre a comunidade cristã e a sociedade científica “como se houvesse uma oposição tremenda entre a Razão e a Fé”.

Fonte: Igreja dos Açores

Algumas das suas
OBRAS










segunda-feira, 18 de junho de 2018

Peter Café Sport - Centenário (1918-2018)





 
Bloco filatélico comemorativo do
Centenário do Peter Café Sport


Carimbo comemorativo




Série filatélica comemorativa



Peter Café Sport




A história da empresa remonta à fundação do "Bazar do Fayal", no Largo de Neptuno (atual Praça do Infante), na Horta, vocacionado para o comércio de artesanato local. Era seu proprietário Ernesto Lourenço Azevedo (n. 20 de Abril de 1859, f. 24 de Março de 1931).

Participou da Exposição Industrial Portuguesa (Lisboa, 1888), onde recebeu a medalha de ouro e diploma, pela qualidade e diversidade dos seus artigos.

Posteriormente, no início do século XX, as suas instalações mudaram para a Rua Tenente Valadim (atual Rua José Azevedo "Peter"), passando a denominar-se "Casa dos Açores/Azorean Hpuse", e ampliando as suas atividades que, além do artesanato regional, passaram a compreender um bar. A sua localização estratégica, vizinho ao porto da Horta, favoreceu-lhe os negócios.





No contexto da Primeira Guerra Mundial, em 1918, Henrique Lourenço Ávila Azevedo (n. 16 de Junho de 1895, f. 3 de Maio de 1975), um dos filhos do fundador, ao mudar uma vez mais de instalações, alterou-lhe o nome para "Café Sport", devido à paixão que cultivava pelo desporto, uma vez que era praticante de futebol, remo e bilhar.



A origem do nome "Peter" está ligada à tripulação do "HMS Lusitania II" da Royal Navy.

Reconhecendo semelhanças entre o jovem José Azevedo (n. 18 de Maio de 1925, f. 19 de Novembro de 2005) com o seu filho de nome Peter, o oficial-chefe do serviço de munições e manutenção daquele navio, passou a chamá-lo de Peter. E por esse apelido José Azevedo ficou conhecido o resto de sua vida.



O Museu de Scrimshaw, inaugurado em 1986, possui a maior e mais bela colecção particular de "Srimshaw" no mundo.










Postais Máximos Triplos
comemorativos
















sexta-feira, 1 de junho de 2018

Dia Mundial da Criança (1 de Junho)




Em Portugal, o Dia Internacional da Criança celebra-se todos os anos a 1 de Junho.




No entanto, este Dia foi criado em 1950, alguns anos após o fim da II Guerra Mundial, para sensibilizar a comunidade internacional para os problemas que atingiam tantas crianças no mundo. Num panorama flagelado, em termos sociais e humanitários, a Federação Democrática Internacional das Mulheres e a ONU quiseram defender as crianças dessa destruição.


No entanto, ainda hoje estão por cumprir tantos dos princípios da Declaração Universal dos Direitos da Criança. A Unicef revelou que há 30 milhões de crianças em extrema dificuldade, nos países ditos desenvolvidos.


Este é um dia que fará todo o sentido lembrar enquanto existirem no mundo crianças a quem são negados os cuidados mais básicos – amor, saúde e segurança. Podemos mimar os nossos, sempre, ensinar-lhes quais os seus direitos, e consciencializar assim os adultos do futuro sobre a importância dos sentimentos, das boas acções e da ajuda ao próximo.



A Declaração dos Direitos da Criança foi proclamada pela ONU (Organização das Nações Unidas) com a Resolução da Assembleia Geral 1386 (XIV), de 20 de Novembro de 1959.
 
 

 
 
Declaração dos Direitos da Criança
 
 
1º Princípio – Todas as crianças são credoras destes direitos, sem distinção de raça, cor, sexo, língua, religião, condição social ou nacionalidade, quer sua ou de sua família.
 
2º Princípio – A criança tem o direito de ser compreendida e protegida, e devem ter oportunidades para seu desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, de forma sadia e normal e em condições de liberdade e dignidade. As leis devem levar em conta os melhores interesses da criança.
 
3º Princípio – Toda criança tem direito a um nome e a uma nacionalidade.
 
4º Princípio – A criança tem direito a crescer e criar-se com saúde, alimentação, habitação, recreação e assistência médica adequadas, e à mãe devem ser proporcionados cuidados e proteção especiais, incluindo cuidados médicos antes e depois do parto.
 
5º Princípio - A criança incapacitada física ou mentalmente tem direito à educação e cuidados especiais.
 
6º Princípio – A criança tem direito ao amor e à compreensão, e deve crescer, sempre que possível, sob a proteção dos pais, num ambiente de afeto e de segurança moral e material para desenvolver a sua personalidade. A sociedade e as autoridades públicas devem propiciar cuidados especiais às crianças sem família e àquelas que carecem de meios adequados de subsistência. É desejável a prestação de ajuda oficial e de outra natureza em prol da manutenção dos filhos de famílias numerosas.
 
7º Princípio – A criança tem direito à educação, para desenvolver as suas aptidões, sua capacidade para emitir juízo, seus sentimentos, e seu senso de responsabilidade moral e social. Os melhores interesses da criança serão a diretriz a nortear os responsáveis pela sua educação e orientação; esta responsabilidade cabe, em primeiro lugar, aos pais. A criança terá ampla oportunidade para brincar e divertir-se, visando os propósitos mesmos da sua educação; a sociedade e as autoridades públicas empenhar-se-ão em promover o gozo deste direito.
 
8º Princípio - A criança, em quaisquer circunstâncias, deve estar entre os primeiros a receber proteção e socorro.
 
9º Princípio – A criança gozará proteção contra quaisquer formas de negligência, abandono, crueldade e exploração. Não deve trabalhar quando isto atrapalhar a sua educação, o seu desenvolvimento e a sua saúde mental ou moral.
 
10 º Princípio – A criança deve ser criada num ambiente de compreensão, de tolerância, de amizade entre os povos, de paz e de fraternidade universal e em plena consciência que seu esforço e aptidão devem ser postos a serviço de seus semelhantes.
 
 
 



Quando as crianças brincam
E eu as oiço brincar,
Qualquer coisa em minha alma
Começa a se alegrar.
E toda aquela infância
Que não tive me vem,
Numa onda de alegria
Que não foi de ninguém.
Se quem fui é enigma,
E quem serei visão,
Quem sou ao menos sinta
Isto no coração.
 
(Fernando Pessoa)



sexta-feira, 25 de maio de 2018

Ermelindo Ávila (1915-2018)

 
Ermelindo Ávila
18 Setembro 1915 / 25 Maio de 2018

Ermelindo Ávila, nasceu na vila das Lajes, no Pico, a 18 de Setembro de 1915. Casou com Olga Lopes Neves, e teve nove filhos. Comendador da Ordem de Mérito (Presidência da República) e recebeu a Insígnia Autonómica de Reconhecimento, pela Assembleia Legislativa Regional dos Açores.

 Estudou Filosofia no Seminário de Angra e, entre 1938 e 1954, foi ajudante do Cartório Notarial e dos serviços de Registos e do Notariado. Em 1940 foi nomeado Administrador do Concelho das Lajes do Pico e Presidente da Comissão Administrativa da Câmara Municipal. Em 1941 é nomeado Presidente da Câmara deste concelho. Ingressou no quadro administrativo da Câmara Municipal das Lajes do Pico em 1954. Foi chefe de secretaria da Câmara Municipal da Madalena e na Câmara Municipal das Lajes do Pico, onde se aposentou em 1984 como Assessor Autárquico.



 Recebeu a medalha de prata do concelho, pelos serviços prestados durante 46 anos e, nas comemorações do V Centenário do concelho das Lajes do Pico, foi-lhe entregue a chave número um do Município.


 Ermelindo Ávila iniciou a sua atividade jornalística em 1932, no semanário O Dever, de que foi editor entre 1938-1954, e colaborou em vários jornais e rádios regionais. Foi também correspondente dos jornais O Século e Diário de Notícias de Lisboa.





 Proferiu palestras sobre a história e cultura picoenses na ilha do Pico, noutras ilhas açorianas e em comunidades emigrantes dos Estados Unidos e Canadá.




 Com dezenas de livros publicados as suas últimas obras foram, Crónicas e Contos de Natal do Avô Ermelindo lançado no dia 25 Abril passado no Auditório do Museu dos baleeiros, A Matriz da Santíssima Trindade das Lajes do Pico (2017), Culto Mariano na Ilha do Pico (2016), Nossa Senhora de Lourdes (2015) e A Terra e o Mar. Crónicas do meu sentir (2015). 


 Membro e sócio de variadas associações culturais, recreativas, desportivas e de beneficência ao longo da sua vida, desempenhando vários cargos nessas instituições. De destacar o seu papel na comissão instaladora do Museu dos Baleeiros da qual foi um dos seus fundadores e mentor.


 Faleceu aos 102 anos após uma longa vida a defender as sua ideias e a sua terra que tanto amava.






Texto obtido no Facebook, página Cultura Açores, criado por Rui Brum Ávila

quarta-feira, 14 de março de 2018

Frederico Lopes (1896-1979)

 

Frederico Augusto Lopes da Silva

 
 
que, geralmente, utilizou o pseudónimo literário de “João Ilhéu”, nasceu na Praia da Vitória, ilha Terceira, em 31 de Maio de 1896 e faleceu em Angra do Heroísmo, em 6 de Fevereiro 1979. Estudou nos liceus de Angra do Heroísmo e Ponta Delgada, frequentou o Instituto Superior de Agronomia e a Escola de Guerra, onde terminou o curso de Infantaria. Foi sucessivamente promovido a alferes, 1918; tenente, em 1922; capitão, em 1938; major, em 1946; tenente-coronel, em 1952. Passou à reserva em 1954, e à reforma em 1966. Foi comandante do Batalhão I.I. 17, aquartelado no Castelo de S. João Baptista, onde aliás passou a maior parte da sua carreira militar. Na reserva serviu na Base Aérea 4, como presidente do Conselho Administrativo. Ocupou o cargo de presidente da Câmara de Angra do Heroísmo em 1933, provedor da Santa Casa da Misericórdia da Praia da Vitória, 1941, e de Angra do Heroísmo, 1949, presidente da Direcção do Montepio Terceirense, 1960, e vários outros cargos de índole social.
 




Distinguiu-se essencialmente como poeta, contista, autor teatral, etnógrafo e jornalista. Toda a sua obra é de índole regionalista e etnográfica e interligada por uma ideia base da identidade açoriana e da força criadora da cultura popular. Os seus versos, os seus contos, as suas peças teatrais, todas elas estão marcadas por essa opção de ir beber à fonte popular a inspiração e os ensinamentos, ainda que muitas vezes idealizando o povo, dando dele uma imagem romântica e desfasada da realidade.
 
Obteve sempre grandes êxitos literários, principalmente com as suas obras para o teatro musicado, no género opereta, em colaboração com músicos da sua geração. Foi sócio fundador do Instituto Histórico da Ilha Terceira, onde desenvolveu um aturado e continuado trabalho de investigação e teorização sobre etnografia. A sua obra etnográfica é considerada fundamental para se entender o regionalismo açoriano da primeira metade do século XX. Foi, também um estudioso da história açoriana, sob um prisma da história biográfica de enaltecimento dos heróis insulares no seu contributo para o engrandecimento da pátria comum.


Como jornalista, fundou o Jornal de Angra, em 1933, que marca pelo seu programa renovador na imprensa local e pela qualidade técnica e artística das suas edições. Além disso foi colaborador assíduo de A União, com rubricas de crítica social e política.
 
Por último é de destacar a sua faceta de animador cultural incansável, através de palestras e montagem de espectáculos, sendo dos primeiros nos Açores a usar a rádio como veículo de comunicação cultural.


Da sua variada obra literária destacam-se: Tipos da minha terra, Touradas e romarias, Gente do Monte, Á boquinha da noite, Discretear (palestras e discursos), Sol das romarias, Alma Perdida, Gente do monte. II série, Do povo e de mim, Da Praça às Covas, Memórias de uma velha rua, Notas de Etnografia e Algumas achegas para o conhecimento da história, da linguagem, dos costumes, da vida e do folclore do povo da Ilha Terceira dos Açores.
 
Fonte: DRC Açores

sábado, 10 de março de 2018

Frei Diogo das Chagas (1584-1661)

 

 

Frei Diogo das Chagas


 [Santa Cruz das Flores, 1584? - Angra, depois de 1661?] Conhecido apenas pelo seu nome de religião, era filho do capitão-mor Mateus Coelho da Costa e de Catarina de Fraga Rodovalho. Foram seus irmãos Pedro de Fraga Rodovalho (capitão-mor e ouvidor das Flores e Corvo após a Restauração), pe. Inácio Coelho (vigário da matriz de Santa Cruz das Flores durante cerca de 30 anos, ouvidor eclesiástico, juiz dos resíduos das Flores e Corvo e padroeiro do convento franciscano fundado nas Flores em 1641), Maria Coelho Fagundes e o fr. Mateus da Conceição (primeiro provincial da Província de S. João Evangelista dos Açores). Oriundos da Terceira, seus avós paternos Baltasar Coelho da Costa ? filho de João Coelho, um dos companheiros de Jácome de Bruges ? e Violante Valadão, passaram às Flores «com o brazão da sua nobreza». Aqui nasceram sete dos seus dez filhos, entre os quais Mateus Coelho da Costa. Pelo lado materno, era neto de Inácio de Fraga ? descendente de Afonso Gonçalves Antona, que da Terceira também foi para as Flores ? e de Garcia Dias Fagundes, a quem dedicava uma particular afeição. É que, enviuvando aos 27 anos e, apesar de «lhe saírem muitos casamentos e bons», acabou por recolher-se a casa de sua filha, Catarina de Fraga Rodovalho e, após o falecimento desta, à da neta Maria Coelho Fagundes, onde veio a falecer em 1608 com 90 anos. Fr. Diogo das Chagas, com quem a avó partilhava a sua cama em pequeno, exalta as suas virtudes cristãs, especialmente as de oração, caridade e penitência. Coloca-a, mesmo, à cabeça «das pessoas que na ilha das Flores morreram com opinião de santos». Aliás, confessa que «nenhum pregador teólogo melhor me podia doutrinar», recordando a influência e, sobretudo, o exemplo que dela recebera (1989: 557-558).

Talvez em meados de 1588, Mateus Coelho da Costa resolveu mudar-se com a família para S. Pedro, em Angra, onde permaneceu até 1590. Os filhos e a mãe foram então crismados por D. Manuel de Gouveia porque, explica Diogo da Chagas (1989: 250) «quem não vem cá não se crisma porque não vão lá os bispos, coisa que eu tenho por mal feita». Fora padrinho de Baltasar ? o futuro Frei Mateus da Conceição ? o mestre-de-campo António Centeno, castelhano, «grande amigo de seu pai», anota Monte Alverne (1960-62, III: 39). Diogo das Chagas contava então 5 para 6 anos.
 
Mas «como seus pais, a fazenda que tinham nas Flores a não pudessem conduzir para a cidade de Angra», escreve o mesmo autor, Mateus Coelho da Costa regressou de novo às Flores. Porém a morte da esposa, ocorrida em 1594, fê-lo voltar a Angra, fixando-se agora na Rua do Rego. Em 1597 ou 1598, Mateus Coelho da Costa casou com Francisca Furtada de Mendonça, senhora por quem Diogo da Chagas parece não ter nutrido simpatia.
 

Pouco se conhece da infância do futuro frade, para além das parcas informações que sobre si mesmo dá. Educado nos princípios tradicionais da doutina e moral cristãs - «doutrina foi com que meus pais me criaram» - não deixa de manifestar o interesse cultural que o ambiente familiar lhe proporcionou e que documenta. Referindo-se, por exemplo, a uma obra manuscrita de Pedro Coelho sobre a crueldade de D. Pedro, escrevia: «esta relação que era em sátiras se leu muitas vezes em casa de meus pais, sendo eu menino» (1989: 324).
 
Diogo da Chagas terá certamente feito os seus primeiros estudos no colégio da Companhia de Jesus como seu irmão Mateus da Costa ou, eventualmente, com os franciscanos em Angra. Aliás aqui recebeu as ordens menores e, não havendo bispo nos Açores, partiu para o Reino em 1612 a fim de ser ordenado sacerdote. Regressado à Terceira, dois anos depois estava a cursar Artes na cidade e, em 1616 estudava em Coimbra, certamente Teologia. Na Quaresma de 1619 pregou no convento franciscano de Portalegre e no ano seguinte chegou aos Açores. Exerceu o magistério de teologia nos conventos franciscanos da Terceira e, em 1627, foi feito guardião do convento da Praia. Dois anos depois seria o pregador da custódia.
 

A fr. Diogo das Chagas e, sobretudo, a seu irmão fr. Mateus da Conceição, se ficou a dever a elevação da custódia franciscana dos Açores à categoria de província, separando-se, assim, da Província Franciscana dos Algarves e constituindo-se na Província de S. João Evangelista dos Açores. Com efeito, concedido o breve pelo Papa Urbano VII em 1638, só em 1641 e após o movimento da Restauração, teve execução efectiva, embora custando a fr. Mateus da Conceição mais de um ano de masmorra e a seu irmão «uma quaresma» de cativeiro (Monte Alverne (1960-62), I: 40-47).
 
Em 1646, fr. Diogo das Chagas foi feito vigário provincial dos franciscanos nos Açores, cargo que terá exercido até 1649. Nesta qualidade percorreu em quatro anos sucessivos todo o arquipélago, o que lhe deu um melhor conhecimento da terra e das gentes açorianas. Era já o «padre mais digno» da província em 1655, altura em que convocou os «definidores» da província a fim de elegerem um novo provincial. Em 1659 já não exercia o cargo, mas Diogo Barbosa Machado afirma que ainda vivia em 1661.

Fr. Diogo das Chagas tinha-se na conta de «grande português», adversário do domínio castelhano, confessando-se ainda crente na morte de D. Sebastião. Era amigo pessoal do capitão-mor Francisco de Ornelas da Câmara que foi, como se sabe, enviado de D. João IV para efeitos da sua aclamação nos Açores. Pouco ou nada teria conseguido este capitão, se não fossem a orientação e auxílio de fr. Diogo. Aliás, este arriscaria por vezes a sua vida na defesa do ideal pátrio que o animava. «Nunca houve ocasião de perigo em que eu o não acompanhasse», escrevia ele próprio, mais tarde, a respeito de Francisco de Ornelas da Câmara, na sua completa e esclarecida Relação. Também o pe. Manuel Luís Maldonado e, posteriormente, Francisco Ferreira Drumond deixariam testemunhos inequívocos da acção deste franciscano no movimento restaurador de 1640 e na expulsão dos espanhóis da ilha Terceira.

 
Além de Espelho Cristalino em Jardim de Várias Flores, escreveu as seguintes obras históricas: Relação do que aconteceu na Cidade de Angra da ilha Terceira, depois da feliz aclamação d?el-rei D. João IV, que Deus guarde, na restauração do Castello de S. João Baptista do Monte Brasil, até se embarcarem os castelhanos que o occupavam... (publicado por José de Torres in Panorama, XV (1885) e Archivo dos Açores, X (1888). Segundo Diogo Barbosa Machado, terá escrito: Fundação da Provincia de São João Evangelista das Ilhas dos Açores. De natureza ascética escreveu: Meditação da luta do Diabo com Adam, pelo qual sahio Christo Senhor Nosso a lutar com o Diabo; Consolação da pobreza, e remedio para qualquer muito muito pobre, ser muito rico e De como se busca e acha a Bem aventurança.
 
 
Espelho Cristalino em Jardim de Várias Flores é a sua obra histórica principal, embora se desconheça ainda a Fundação da Provincia de S. João Evangelista..., se bem que Francisco Ferreira Drumond a tenha dado como existente na Biblioteca Nacional, no espólio de Manuel Severim de Faria.

Espelho Ccristalino foi escrito nos anos subsequentes à Restauração. É possível que só tivesse iniciado a sua redacção em 1646, terminando-a depois de 1654. Antes elaborara a relação do que aconteceu na Cidade de Angra..., e Fundação da Provincia..., obras que, aliás, cita amiúde ao longo do texto.


Fr. Diogo da Chagas é, naturalmente, um escritor influenciado pelo seu tempo. A primeira parte desta obra é, em termos metodológicos e até de conteúdo, profundamente inspirada na Monarquia Lusitana começada por fr. Bernardo de Brito e continuada por fr. António Brandão e fr. Francisco Brandão. A ideia de antiguidade do reino de Portugal e, por isso, da sua justificada independência, está presente neste livro, que é também expressão de um vivo sentimento antifilipino e de autonomia nacional. Mas, ele ainda reflecte a tendência que então se verificava para a epitomização e popularização da história de Portugal, fomentada por um largo público.
 
 
Em Espelho Cristalino também se detectam marcas das Saudades da Terra de Gaspar Frutuoso, como já observara Baptista de Lima. Além das informações que colhe e algumas vezes critica, Diogo das Chagas, na descrição das ilhas, segue uma orientação próxima de Frutuoso. Mas não sobrepõe em absoluto épocas ou temas. Bem pelo contrário, desenvolve, sobretudo, períodos mais recentes ou desconhecidos cujos assuntos explana com objectividade.
 
«Não é meu intento fazer crónica» (1989: 97, 147, 417, 421), declara repetidamente o autor. Para ele a história terá de cumprir uma finalidade pragmática: perpetuar «as memórias daqueles que... nos deram o primeiro ser» (1989: 403). A noção de história ?mestra da vida? é bastas vezes evocada. Cultivando a historiografia de ?padrão e exemplo?, fr. Diogo das Chagas desenvolve por vezes a hagiografia tão propensa ao miraculoso e tantas vezes com duvidoso sentido de verosimilhança.
 
Privilegiando sobretudo as fontes originais manuscritas, serve-se dos tombos das câmaras de Angra, S. Sebastião, Ponta Delgada, Vila Franca e Ribeira Grande, dos livros paroquiais da matriz da Praia e Cabo da Praia, testamentos, escrituras, sentenças, diversa documentação camarária e dos cartórios dos órfãos, sé e conventos franciscanos da Terceira e outros. Mas, apara além da sua obra assentar numa investigação realizada sobretudo nos arquivos locais ou na bibliografia consultada, Diogo das Chagas é também um observador atento e um narrador que procura ser fiel e isento. Aspectos da geografia física e humana ou de natureza antropológica são por ele apontados. Aliás, a novidade do seu conteúdo, a objectividade e o rigor com que foi escrita conferem-lhe grande valor e credibilidade. Artur Teodoro de Matos (2001)
 
Obra (1989), Espelho Cristalino em Jardim de Várias Flores. Ed. de Artur Teodoro de Matos, Secretaria Regional da Educação e Cultura / Universidade dos Açores.
 
Bibl. Lima, M. C. B. (1950), A Fenix Angrense do Padre Manuel Luís Maldonado. Boletim do Arquivo Distrital de Angra do Heroísmo, I, 2. Monte Alverne, A. (1960-62), Crónicas da Província de S. João Evangelista das Ilhas dos Açores. Ponta Delgada, Instituto Cultural de Ponta Delgada, I e III.

Fonte: DRC (Açores)