sábado, 8 de julho de 2017

Um pirata na Praia da Vitória



Baía da Praia da Vitória
Ilha Terceira
Um pirata na Praia da Vitória

1862 - Navio Alabama
Tudo se passa durante a guerra da Secessão dos Estados Unidos da América. De modo a evitar o bloqueio naval que o Norte impunha aos seus portos, a Confederação resolveu adquirir uma frota de navios capazes de manter uma guerra de corso no alto mar. Estas acções de autêntica pirataria tinham dois objectivos: um deles era o de impedir a livre circulação da frota mercante da União, pelos mares de todo o mundo e o outro seria o de levantar o bloqueio dos portos sulistas com o afastamento das fragatas de guerra em perseguição dos navios corsários.



O Alabama era um destes navios de corso. Com um casco de madeira de carvalho forrado a cobre - como protecção contra o teredo - o navio estava aparelhado como uma barca de três mastros sendo motorizado por duas turbinas a vapor capazes de o fazer singrar a cerca de 13 nós.

1903 - Vista da Vila da Praia e a sua baía
Construído em 1862 pelos estaleiros John Laird Sons & Company, em Liverpool, foi lançado à água com o nome de Enrica. Embora a Inglaterra fosse oficialmente neutral, a sua dependência em relação ao algodão produzido no Sul forçava-a a apoiar secretamente a Confederação.



Como não podia, também oficialmente, construir navios de guerra para um dos beligerantes, o Enrica fez a sua primeira viagem de teste sob a capa de navio mercante. Em vez de regressar ao estaleiro, o capitão do Enrica desembarcou os passageiros da viagem inaugural nas margens do rio Mersey e seguiu para o mar alto, em direcção à Praia da Vitória aonde arribou a 26 de Agosto de 1862.




Esta ancoragem fora o toque final de uma manobra muito bem montada. Com efeito, chegara ao mesmo porto no dia 10 do mesmo mês o vapor Barcelona; no dia 18, ancorara a barca Aggripina e, a 20 de Agosto, o vapor Bahama. Destes navios tinham desembarcado os oficiais e tripulantes do navio que agora chegava. Entre os 120 membros da tripulação - na sua maior parte ingleses, canadianos, alemães, galeses e até um português - encontravam-se o comandante, capitão Raphael Semmes, de Maryland; o tenente Arthur Sinclair, o médico Llewellyn e o imediato, o tenente John McIntosh Kell, da Georgia.



Sob os protestos do Governador Civil, Jácome Bruges, o Enrica transfigura-se em C.S.S. Alabama e navega para a Baía do Fanal.

E é nessa baía que, ao alcance da artilharia da Fortaleza do Monte Brasil, a barca Aggripina procede ao transbordo de carga para o navio corsário: carvão, munições e, muito especialmente, armamento.

Entre as seis bocas de fogo convencionais, de 32 libras, encontravam-se duas armas da nova geração, de cano estriado e de disparo de obuses, que constituíam a tecnologia de ponta da época. Uma delas, a Blakely de 110 libras, pode ser vista na fotografia que enquadra este texto. Depois de recuperada do local do naufrágio, verificou-se que continha um obus no seu interior e que este ainda tinha pólvora excelente estado.
           
67 000 milhas de devastação

1907 - Mapa de Cherbourg
Durante cerca de oito meses, o Alabama cruzou o Atlântico Norte, pilhando e incendiando todos os navios nortistas que encontrava. Quando um dia se dirigia para Galveston, no Texas, procedeu ao afundamento do navio de guerra U.S.S. Hatteras, um vapor de casco de ferro com pás laterais.


Este acto deu de que falar em Washington e, em represália, a Marinha nortista enviou 18 navios em perseguição do Alabama que se dirigia a todo o vapor para o porto da Baía, no Brasil. Daqui parte em seguida para a Cidade do Cabo, na África do Sul e, posteriormente, para Singapura, afundando sempre todo e qualquer navio nortista que lhe passasse ao alcance.

Em 1864, o Alabama deixou o Oceano Índico e rumou em direcção à Europa de modo a poder sofrer uma reparação exaustiva, na doca seca do porto de Cherbourg aonde chega a 11 de Junho. Três dias mais tarde, chega à vista do porto francês o navio de guerra nortista U.S.S. Kearsage. Este navio, de 1030 toneladas, era comandado pelo capitão John Winslow que, ironicamente, fora companheiro de quarto de Semmes aquando da guerra com o México.

O combate ao largo de Cherbourg

1890 - Navio Kearsage
Enquanto que a tripulação do Alabama se afadigava a polir os bronzes e a escovar o tombadilho, na antecipação do combate, o Kearsage procedia à armorização do seu casco, recorrendo ao uso de correntes de ferro que se estendiam por todo o casco. Os jornais franceses divulgaram o combate iminente e cerca de 15 mil espectadores afluíram à cidade, na expectativa de verem sangue, morte e glória.

No dia 19 de Junho, o Alabama deixa a segurança do porto. Com ela navegam, à sua ilharga, uma fragata francesa, inúmeros botes e caíques e uma embarcação que a bordo transportava o pintor Édouard Manet que mais tarde pintaria a cena do combate.

1904 - Bilhete Postal  comemorativo de agradecimento pelo refúgio
do Alabama na Baía de Angra em 1862
O combate começava, finalmente, a duas milhas da costa. Um dos obuses do Alabama destruiria os costados e parte de tombadilho do Kearsage enquanto que um dos tiros nortistas arrasava a casa do leme da embarcação corsária. Quarenta e cinco minutos após o início da batalha, o Alabama ficava sem uma das máquinas de vapor.

Com a água a entrar às golfadas no interior do casco, Semmes dá ordem para se abandonar o navio. O comissário português ajuda o seu capitão, tirando-lhe as botas, e morre posteriormente por não saber nadar. Ao todo morreram 9 homens na batalha, 12 afogaram-se e 21 ficaram feridos. Semmes foi recolhido pelo iate do empresário têxtil inglês, John Lancaster, e acabou os seus dias na Inglaterra. Depois de 22 meses e de 64 afundamentos o Alabama afundava-se, a 60 metros de profundidade, no Canal da Mancha. 

O seu afundamento impressionou toda a Europa e causou uma impressão profunda nos terceirenses.

Texto parcial do Dr. Álvaro Monjardino